O tumulto na Vila Madalena durante os jogos da Copa
Barulho, sujeira e outros problemas que estão atormentando a vida dos moradores do bairro eleito como a arena extraofcial do Mundial
De acordo com muitos paulistanos e turistas em visita à cidade nas últimas duas semanas, a melhor arena para curtir a Copa na capital é a Vila Madalena. Segundo estimativas da SPTuris, empresa de turismo e eventos da metrópole, aproximadamente 50 000 pessoas acompanham cada partida da seleção brasileira nas dezenas de bares e restaurantes da região. É o dobro da multidão reunida na balada oficial do evento por aqui, a Fan Fest, organizada pela prefeitura no Vale do Anhangabaú, com capacidade para receber 25 000 torcedores por edição. O bairro paulistano, famoso por seu clima boêmio, teria muito a celebrar, certo? Errado. “Não havíamos nos preparado para algo de tamanha dimensão”, admite Angelo Filardo, subprefeito de Pinheiros, responsável pela área.
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Com milhares de festeiros nas ruas e pouco planejamento, o resultado se mostrou um verdadeiro gol contra. Os moradores da Vila Madalena estão tendo de lidar diariamente com o caos: trânsito travado, barulho até altas horas da madrugada e toneladas de lixo nas ruas. “Desde o início dos jogos, toda manhã tenho de recolher no meu portão fezes, urina, garrafas de cerveja quebrada… É um cheiro tão forte que provoca náuseas. Já até chorei com essa situação, porque me sinto injustiçada”, relata a psicóloga Cristine Franco Alves, de 47 anos, moradora da Rua Fidalga, um dos epicentros da bagunça. A residência foi comprada por sua avó,em 1943. “Minha mãe, eu e meu filho nascemos aqui”, conta Cristine. “Algumas pessoas me dizem que eu deveria me acostumar ou trocar de endereço, afinal, a Vila Madalena sempre foi reduto de bares. Mas boemia é uma coisa e selvageria, outra. A situação aqui tem piorado muito desde o Carnaval de 2013. É um desrespeito,depois de tantos anos, precisar ceder à lei dos ‘incomodados que se mudem’.”
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Desde o último dia 13, ela tem dormido na casa de amigos. Naquela data, à tarde, precisou levar o filho de 7 anos ao hospital devido a uma crise de bronquite. “Foram quase duas horas para chegar à Avenida Paulista, já que as ruas estavam tomadas de gente. Na hora de voltar, a situação havia piorado. Era tanta fila que deixei o garoto na casa do pai dele e procurei abrigo no apartamento de uma amiga. E olha que nem era jogo do Brasil…”, lembra a psicóloga.
Desde a abertura da Copa, a festa na Vila Madalena segue sem interrupção. “A partida pode ser Sri Lanka contra Malásia que vai ter multidão nas ruas até altas horas da madrugada. O pior ocorre durante os jogos da nossa seleção. Há muita briga, ambulantes, bebedeira, funk… É tanta dor de cabeça que não vejo a hora de o Brasil perder e sair da Copa”, reclama o empresário Rodolfo Gonzales, de 29 anos, que mora e trabalha na Rua Aspicuelta. Dá para entender a torcida contra: o quarteirão onde ele vive, perto da Rua Mourato Coelho, registrou a maior concentração de pessoas na última partida do Brasil, na segunda (23). Eram oito torcedores por metro quadrado, segundo cáculos da subprefeitura de Pinheiros. Trata-se de um sufoco igual ao das linhas Vermelha e Azul do metrô paulistano na hora do rush.
Travessa da Aspicuelta em um dos pontos mais movimentados da festa, a Rua Vicente Polito, local estreito e tranquilo, tornou-se um banheiro a céu aberto. “Alguns torcedores vêm aqui na nossa porta para urinar ,defecar ou transar. Quando a gente reclama, eles xingam e até partem para abriga”, diz o consultor de marketing Baptiste Demay, de 26 anos, nascido na capital francesa e morador da Vila há um ano. “Vi a Copa de 1998 em Paris, quando era criança. Lá havia multidão, mas também médico, policiais e banheiros.” Ele e os vizinhos costumam chamar a polícia por causa da invasão de domicílio. “Mas os telefonemas demoram a ser atendidos e somos orientados a reter a pessoa em casa até a viatura chegar, algo impossível. Depois do segundo jogo do Brasil, houve um reforço no policiamento, mas só até as 22 horas, justamente quando o caos começa”, afirma a nutricionista Carine Dias, de 36 anos.
Uma vez instaurada a bagunça, as autoridades estão tentando amenizar os transtornos com a festa em andamento. Quase uma semana após o início do Mundial, foram instalados oitenta banheiros químicos. Para cuidar do lixo, cerca de trinta varredores limpam as ruas durante a madrugada. Na segurança, um efetivo de 150 policiais militares foi deslocado para a Vila com o objetivo de patrulhar olocal em dias de partidas. Nessas datas, a circulação de veículos foi restrita aos moradores a partir das 13 horas. Um grupo de 25 agentes está encarregado de fiscalizar os ambulantes.“Eles são um dos principais problemas dafesta”, explica o subprefeito Filardo. “Os bares fecham, mas o comércio informal prossegue. Depois que os ambulantes se instalam no meio da multidão, não há como expulsá-los, pois isso causaria briga e tumulto. A ideia é não deixar que os carros com os estoques de bebida entrem no bairro.”
Os comerciantes da Vila comemoram o aumento do faturamento. Dizem, entretanto, que penaram para se adaptar ao cenário. Segundo dados da SPTuris, o bairro é uma das regiões da capital que contabilizam alguns dos principais ganhos financeiros na Copa, com uma ocupação dos hostels em dias de jogos 3% acima da média registrada para a cidade. Nas partidas da seleção, bares e restaurantes têm crescimento de público superior a 80% em relação aos dias normais. “Nosso faturamento aumentou 40%, mas tivemos de fazer algumas restrições”, conta Marcelo Aragão Correa, gerente do Platibanda, na Rua Mourato Coelho. Nos jogos do Brasil, a casa só abre duas horas antes do início da partida e fecha uma hora após o apito final. São atendidos somente clientes com reserva. Na maior parte do tempo, apenas um dos dois portões de ferro fica aberto, com um segurança à frente dele para barrar quem entra na casa em busca apenas de banheiro.“A Copa tinha tudo para ser uma festa em que todos sairiam ganhando. Infelizmente, por falta de estrutura e planejamento, temos vivenciado um cenário de barbárie na Vila”, lamenta o comerciante.
BALADA SEM FIM
Alguns dos números da folia no bairro da Zona Oeste
50 000 pessoas se reúnem em cada jogo do Brasil
80% a mais de pessoas foram a bares e restaurantes do bairro
150 PMs cuidam da multidão
92 toneladas de lixo foram recolhidas nas duas últimas partidas da seleção