Vejo com horror e indagações históricas as ações sangrentasdo Estado Islâmico no Oriente Médio. A mais recente: ummenino de 12 anos executa um condenado. Dias antes, quatro homossexuais foram degolados. Segundo os assassinos, Alá não aprova isso. Exibiram dezenas de homens enjaulados vestindo o macacão do horror, cor de laranja: seriam degolados em seguida na beira do mar. Queimaram vivo um enjaulado.Jornalistas, médico, soldados foram enfiados no macacão laranja, faca no pescoço. Fala-se de 2 000 vítimas da faca islâmica,desde que ela começou a cortar gargantas. Como isso acontece no século XXI? Que gente é essa?
Aquela parte do mundo não conhece paz, misericórdia, perdão, piedade, tolerância: crucificava-se, apedrejava-se, queimava-se, e no entanto brotaram ali três grandes religiões: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo.
Diz-se que os homens criam os deuses necessários e os vão amoldando. Aquele do Êxodo ordenou a Moisés que passasse pelo fio da espada os homens que fizeram e adoraram o bezerro de ouro, e Moisés convocou os levitas para a missão: “Que cada um de vocês pegue a sua espada e vá pelo acampamento, de ponta a ponta, matando os seus parentes, os seus amigos e os seus vizinhos”. Diz o livro do Êxodo, 28: “Os levitas obedeceram à ordem de Moisés e mataram naquele dia mais ou menos 3 000 homens”. Quando o rei Josué destruiu Jericó, diz o livro: “Tudo quanto havia na cidade destruíram ao fio da espada, assim o homem como a mulher, o menino como o velho”.
Depois, o exército de Josué destruiu Ai: “Os que caíram naquele dia, assim homens como mulheres, foram 12 000, todos os moradores de Ai”.
Do Mar Vermelho até o norte da Síria, do Mediterrâneo até a Babilônia, o sangue daqueles povos correu nas guerras religiosas e de conquistas e de libertação, durante séculos. Depois da fundação do Islã, correu o sangue de sunitas contra xiitas e vice-versa, de cristãos orientais contra muçulmanos e judeus, e de todos contra todos e de uns contra os outros, até que, no século XI, chegaram os cristãos europeus. Dezenas de milhares, com lanças em riste e espadas desembainhadas, a pé e a cavalo, convocados pelo papa, no intuito de conquistar Jerusalém. Tentaram durante 180 anos, em oito cruzadas sangrentas.
Basta lembrar a primeira. Entraram pelo Bósforo, atravessaram a Turquia guerreando, saqueando, e chegaram a Antióquia, que só caiu após longo sítio. O historiador curdo Ali Ibn al-Atir, do século XII, conta que mulheres e crianças corriam pelos becos, eram alcançadas pelos cavaleiros e degoladas ali mesmo. Invadiram a Síria. A três dias de marcha ficava Ma’arrat. Foi sitiada. A comida escasseava dos dois lados. O chefe cruzado prometeu clemência se os habitantes se rendessem. Confiantes, aceitaram. Conta Ibn al-Atir: “Durante três dias passaram a população à espada”. Mais: diante da falta de comida, comeram gente. O cronista dos cruzados, Rodolfo de Caen, escreveu: “Em Ma’arrat, as nossas tropas cozeram pagãos adultos em caldeirões; enfiavam crianças em espetos e as comiam assadas”.
Em carta ao papa Urbano II, um comandante cruzado se justifica: “Uma fome terrível atormentou o exército em Ma’arrat e impôs a cruel necessidade de nos alimentarmos dos corpos dos sarracenos”. Depois de extorquirem Trípoli, Beirute, Tiro e Acre, sitiaram Jerusalém durante semanas. Suas catapultas jogavam cabeças por cima dos muros. Quando entraram, massacraram muçulmanos, judeus e cristãos do Oriente. Na mesquita de Al-Aqsa, diz um cronista dos cruzados, “a matança foi tão grande que os nossos homens patinhavam no sangue até os tornozelos”. Os judeus se refugiaram na sinagoga, e ela foi queimada sobre suas cabeças.
Tudo, desde o começo, em nome de Deus.