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José Osmar Medina Pestana: de torneiro a doutor

O nefrologista recebe em Harvard o maior reconhecimento da área pelo trabalho de transplantes na capital

Por Rachel Verano e Flora Monteiro
Atualizado em 1 jun 2017, 17h59 - Publicado em 23 nov 2012, 11h29
Medina e Joseph E
Medina e Joseph E (Divulgação/)
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Na última semana, além das doze horas diárias que costuma trabalhar sem intervalo no Hospital do Rim e Hipertensão, na Vila Clementino, o nefrologista José Osmar Medina Pestana tinha uma missão pessoal inadiável para encaixar na agenda: enquadrar, em uma moldura imponente, uma placa recém chegada pelo correio, vinda diretamente de Boston, nos Estados Unidos.

A encomenda sacramentou o maior feito da vida desse médico de 59 anos, nascido em Ipaussu, uma cidadezinha paulista de pouco mais de 10.000 habitantes, na divisa com o Paraná: assinada de próprio punho pelo doutor Joseph E. Murray, autor do primeiro transplante de rins do mundo, em 1954 (e uma das maiores autoridades no assunto ainda hoje, aos 93 anos de idade), ela destacava seu nome como o professor convidado do ano da Universidade Harvard, prêmio concedido pela instituição americana aos maiores expoentes da medicina moderna do planeta. Com o feito, Medina entrou para a história como o único brasileiro a receber a distinção.

“É o maior presente que um médico pode sonhar receber”, diz ele. “Passei quatro dias dando palestras aos melhores professores do mundo.” Grande para ser acomodada na mala, a placa chegou ao Brasil dias depois. Após agraciar sumidades como o americano Thomas Starze e o inglês sir Roy Yorke Calne recentemente, a Escola de Medicina de Harvard elegeu o doutor Medina como o grande laureado de 2012 por um fato que, curiosamente, muitos brasileiros ainda desconhecem: o maior e mais bem-sucedido programa de transplante de rins do mundo, criado em 1983 em São Paulo e dirigido por ele no hospital ligado à Unifesp.

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Quando Medina assumiu a coordenação do projeto, eram realizadas quatro cirurgias anualmente. Logo no primeiro ano, o número saltou para 32 transplantes. Desde então, o crescimento foi meteórico e os procedimentos somam, hoje, mais de 12.000 (a média atual é de 1.000 por ano). Detalhe: o próprio Medina esteve envolvido em cerca de 10.000 deles. “Ele é o embaixador brasileiro no que diz respeito ao tema e minha grande fonte de inspiração”, afirma o médico Ben-Hur Ferraz Neto, conselheiro da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos e diretor do programa de transplante de fígado do Hospital Beneficência Portuguesa.

Hospital do Rim
Hospital do Rim ()

“Medina provou que é possível conquistar o mundo com trabalho e determinação”, completa Leonardo Borges, coordenador do Serviço de Procura de Órgãos e Tecidos do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Trabalho e determinação foram, de fato, palavras-chave não apenas na carreira como também na vida de Medina. Filho de uma costureira e de um pedreiro analfabeto, pais de outros quatro filhos, ele sonhava ser médico desde criança, mas suas ambições pareciam, naquela época, muito distantesda realidade.

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Aos 11 anos, o primogênito da família foi matriculado pela mãe em um curso profissionalizante e, aos 15, formou-se torneiro mecânico. Quando conseguiu o primeiro emprego como técnico, na concessionária de energia de Ipaussu, a família comemorou com festa. “Era a melhor empresa da cidade”, lembra-se. “Meus parentes achavam que minha vida estava resolvida, que meu futuro ali seria brilhante. ”Qual não foi o susto quando, aos 18 anos, Medina pediu demissão sem olhar para trás e se mudou, de carona, para São Paulo, onde nunca havia pisado, com o objetivo de fazer um cursinho pré vestibular. “Foi a primeira vez que entrei em um carro particular”, revela.

Durante um ano, morou em uma pensão dividindo o quarto com três colegas, e trabalhou fabricando parafusos para a indústria automobilística até juntar dinheiro para custear os estudos. “Eu era contemporâneo do Lula”, diz Medina. “Enquanto ele trabalhava em São Bernardo e ganhava fama como sindicalista, eu fazia exatamente a mesma coisa na Vila Olímpia.”

O resto do enredo segue com ares de roteiro de cinema: Medina teve aula com professores como Drauzio Varella, decorou as apostilas, estudou em média seis horas por dia e passou de primeira no vestibular da então chamada Escola Paulista de Medicina (hoje Unifesp). Um mês antes de as aulas começarem, foi contratado como plantonista do laboratório de nefrologia da universidade, no qual não raro amanhecia em colchonetes improvisados. Aos poucos, foi conquistando os professores e, assim que terminou a residência, recebeu um convite para coordenar o tal programa de transplantes que mudaria sua vida.

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“Eu não desenhei minha carreira, ela simplesmente foi acontecendo”, afirma ele, que ainda faria dois pós-doutorados de peso no exterior, um em Cleveland, nos Estados Unidos, e outro em Oxford, na Inglaterra. Dito e feito. Hoje o neto de imigrantes portugueses e italianos que vieram tentar a sorte no Brasil é a maior referência do país em transplantes. Durante décadas, até bem pouco tempo atrás, ia religiosamente à sua Ipaussu pelo menos uma vez por mês trabalhar como voluntário no hospital local, para onde carregava os dois filhos como auxiliares: Mariana, de 23 anos, formada em administração de empresas pela FGV, e Roberto, dois anos mais novo, aluno do 5º ano de medicina na Santa Casa. “Ele é um incentivo profissional para os futuros médicos brasileiros”, afirma o cirurgião Fabio Jatene, diretor-geral do Incor.

“Fiz questão de passar todos os meus valores para eles”, diz Medina, que “adotou” dezenas de outros “filhos” nos últimos anos. São os alunos que entraram na Unifesp pelo sistema de cotas, a quem dedica três horas toda semana para bater papo e dar dicas e conselhos sobre o futuro — entre outras coisas, fala sobre a importânciade estudar idiomas. “Já enviei 22 deles para estágios na Europa, nos Estados Unidos e em alguns países da América Latina nos últimos seis anos. Acabaram com as minhas milhas”, conta, enquanto faz planos de onde pendurar sua placa de Harvard.

 

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CARREIRA DE MESTRE

■ Idade: 59 anos

■ Natural de: Ipaussu, na divisa de São Paulo com o Paraná

■ Formação: técnico ginasial em mecânica,médico e doutor pela Unifesp,com pós-doutorado na Cleveland Clinic,nos Estados Unidos, e na Oxford University, na Inglaterra

■ Cargo atual: diretor superintendentedo Hospital do Rim e Hipertensão (quetem 143 leitos, dos quais 76% são públicos) e chefe do maior programad e transplantes de rins do mundo, com 1.000 cirurgias por ano

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