Uma queridíssima senhora, amiga que já anda perto dos 90 anos, não compra nada cujo preço termina em 99 centavos.
— Nem é pela mixaria que eu sei que vão me furtar, é porque o comerciante quer me fazer de boba. Pensa que eu sou tonta deachar que 10,99 reais é mais barato do que os 11 reais que ele vai me cobrar de verdade. Os outros podem cair nessa, eu não.
Observa o liquidificador que custa 79,99 reais:
— Por que não diz logo que é 80? Esperteza. Minha amiga me disse que custa 79, e eu vim comprar. É 79? É mais 80 do que 79. A intenção deles é iludir os bobos, fazer achar que é 79.
Não é por ser uma questão de somenos que seu pensamento sobre o comerciante será menos esperto.
Uma leitora mineira, também idosa, se indigna por não lhe darem o troco certo a que tem direito nas compras que terminam em centavos. Não aceita balas de volta, de jeito nenhum. Se alguém vai ficar sem os centavos, diz, que seja o comerciante.
O problema, mínimo, vamos admitir, é que não há moedinhas de 1 centavo em circulação. Segundo o Banco Central, 3 bilhões delas deveriam estar no mercado. Parou de cunhá-las em 2004, o custo de cada uma é nove vezes o que ela vale. Ao contrário do que diz um lugar-comum da propaganda, ela custa mais do que você pensa. Onde estarão essas miúdas? Teriam sido atiradas de costas nas fontes dos desejos? Guardadas nos cofrinhos das crianças? Se não as temos para troco, por que as teríamos para cofrinhos? E esses nunca se abrem ou se quebram? Dividindo o total delas pelos 190 milhões de brasileiros, cada pessoa deveria ter quinze moedinhas. Eu não tenho as minhas, aqui em casa ninguém as tem, meus amigos não as têm, o comerciante também não. Onde foram parar?
O Código de Defesa do Consumidor reza que minha leitoratem direito ao troco dela. Com ironia mineira, ela diz: “Nem Minas tem mais moedinhas de centavos” — e, se issoé fato, então não tem mais jeito.
Para não criar caso nas filas e não parecer mesquinho, o consumidor deixa para lá. No bolo, não é pouco o dinheiro deixado para lá. Dos 20 milhões de moradores da Grande São Paulo, se, por baixo, a quarta parte renuncia a 1 centavo no mercado todo dia, são 50 000 reais por dia, 18,25 milhões de reais por ano. Mais de 18 milhões de reais!
Volto a Minas. Tenho um meio parente lá em Santa Luzia que possuía um garrafão antigo, de 20 litros, verde, boca do gargalo de uns 6 centímetros. A rolha sumiu, e, sem uso para o recipiente, colocou-o para decorar a sala e começou a jogar lá dentro moedinhas de 1 centavo. Anos e anos. Até visitas achavam aquilo engraçado e se aliviavam ali das moedinhas.
O garrafão ficou pesado e imexível. Em um dia de limpeza, a enceradeira (sim, crianças, havia enceradeiras!) deu um coice e quebrou o negócio, espalhando pelo assoalho do velho casarão milhares de centavos. Sempre que vai sair, meu velho meio parente bota no bolso um punhado de moedinhas e vai inteirando o troco pelo comércio afora. Como em Minas tudo gera apelido, ele ficou sendo o Trocadinho.