É fácil resolver o problema de pressão, revela a mulher ao meu lado no ônibus cheio. Pelo celular, ela conta a alguém que sua vizinha, cujo marido fugiu de casa com a madrinha do caçula, passou a receita de um chá milagroso, mas, para que ele faça efeito, é preciso ficar sete dias sem manter relações íntimas com — nesse instante, chega minha hora de descer do ônibus. Dá uma inveja danada de quem vai até o ponto final ouvindo a saga narrada em alto e bom som pelo telefone.
Definitivamente, todos os segredos foram extintos. Conversa particular era coisa da sua avó. Os pequenos aparelhos que revolucionaram a comunicação — e que, nos tempos atuais, servem até para falar e ouvir — trouxeram na bagagem uma inesperada mudança de comportamento: o despudor. Também conhecido como falta de vergonha ou cara de pau, o despudor permite que o usuário do telefone comente qualquer assunto íntimo em qualquer lugar, cercado por quem quer que seja.
O mundo virou um grande reality show. É como se celular e usuário formassem uma ilha no mar de estranhos. Ficaram para um passado de timidez mesozoica as reações espantadas de quem ouvia um antigo editor de um vetusto jornal paulistano narrar detalhadamente ao telefone sua consulta com o proctologista. Hoje em dia, essas narrativas são comuns, praticamente banais em qualquer meio de transporte ou sala de espera.
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Na rua, então, a bruxa fica à solta e à vontade. As pessoas passam discutindo em voz alta e, pior, fazendo perguntas interessantíssimas. “Adelaide, sabe o que o desgraçado me falou quando eu esfreguei o cartão do motel que estava no bolso da calça dele? Você não vai acreditar!” E a figura passa, a caminho sei lá de onde, deixando os curiosos sem resposta. Dá vontade de ir atrás só para ouvir o que o desgraçado respondeu.
Há muita discussão de casal, do tipo sórdida mesmo. Mas há também momentos fofos. Inda outro dia, um rapaz aplicava o bom e velho papo para boi dormir numa garota que, pelas respostas dele, resistia por charminho. “Não tem outra nenhuma, só tenho olhos pra você, minha gata.” Funcionou. “A gente se vê mais tarde, depois do culto?” Pausa para a resposta, provavelmente afirmativa. “Na paz do Senhor.” E desligou, só então se dando conta de que o vagão do metrô, lotado, acompanhava com interesse a paquera telefônica. “Tem de agradar a mina”, disse ele, com um sorriso nada evangélico no rosto adolescente.
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Talvez por serem maioria nos horários em que eu uso o transporte público, as mulheres são as que se dedicam com mais afinco às conversas pelo celular. Instruções detalhadas sobre como preparar um bolo de chocolate ou assar um peru no forno meia-boca da cunhada, por exemplo, são ótimos temas. A vida alheia, com todos os seus desvãos, é outra fonte inesgotável de assunto. “Escuta aqui, fulano, você sabe muito bem que eu detesto fofoca”, declarou com veemência a mocinha de 20 e poucos anos num coletivo da Avenida Santo Amaro. “Essa história só pode ter saído daquela vagabunda do 4o andar”, completou, quebrando o clima.
Impressiona também a duração da bateria do celular dos fofoqueiros. Não sei o de vocês, mas o meu celular é do tipo que perde metade da carga com um simples “alô, quem fala?”. Telefone de fofoqueiro, não. Dura uma história inteira, um trajeto longo com direito a baldeação e integração com a CPTM. Não perde carga nem sinal! Onde eles compram esses aparelhos? Também quero.