Coletivo Metanol renova a cena eletrônica paulistana
Extensão da rádio on-line de mesmo nome, o grupo liderado pelo DJ e produtor Akin ocupa ruas e clubes com sonoridade de vanguarda
As noites de terça nunca mais foram as mesmas. Pelo menos não para quem foi fisgado pelas novas frequências emitidas pela Metanol FM, rádio on-line independente criada e apresentada pelo DJ e músico experimental Akin desde 2010. Diretamente da “zona de quarentena” (o estúdio montado em seu apartamento), o paulistano começou a disseminar semanalmente, das 20h às 22h, sonoridades eletrônicas desconhecidas, mas de certa forma familiares aos ouvidos.
“Geralmente a reação dos novos ouvintes da rádio é essa: nossa, isso parece alguma coisa que eu já ouvi, mas não sei o que é”, conta. “As coisas que eu toco são resultado de tudo o que eu escutei ao longo da minha vida, desde quando eu era moleque e pirava nos filmes de ficção científica. A ideia da rádio é justamente exercitar o tipo de atenção que eu sempre tive voltada para um tipo de música um pouco diferente, um pouco mais incomum”, justifica Akin, que já foi MC de batalhas de freestyle e seletor da lendária festa Chaka Hotnightz.
Com o tempo, a audiência foi crescendo e o que inicialmente era um exercício pessoal, acabou se tornando uma cadeia de troca de informações sobre essa tal música contemporânea experimental e cabeçuda, praticamente inclassificável, à base de grave, batidas pesadas e desconstruídas e texturas quase palpáveis, em que se identifica estilos recém-nascidos como o chillwave e outros nem tanto, como o hip-hop. Para citar nomes, Akin abre seu acervo musical e aponta para os produtores americanos Flying Lotus (que foi atração da comemoração de um ano da Metanol, no Sesc Belenzinho), Nosaj Thing e XXYYXX e para os europeus OM Unit, Ital Tek e Kuedo, “frequentadores” assíduos de seus sets.
O passo seguinte não poderia ser outro. “Depois de um certo período eu comecei a sair do ambiente da rádio e levá-la para galerias, festas, abertura de show, e passei a chamar amigos para tocar comigo”, conta o produtor, que decidiu convidar essas pessoas para fazer parte de seu projeto. Ouvintes assíduos da rádio desde a primeira edição, os seletores musicais MJP, Oh! Mussi, SeixlacK, Soul One e Vekr, e o artista visual U-RSO, juntaram-se a ele e solidificaram, no ano passado, o Coletivo Metanol.
“O coletivo surgiu da ideia de se criar uma cena mesmo”, afirma Akin, ressaltando que toda semana pelo menos uma festa paulistana tem um de seus parceiros envolvidos no comando do som. E criaram. Associados à vanguarda eletrônica, eles deram uma renovada no cenário eletrônico, que presenciou o auge e a decadência de algumas de suas subcenas.
“Eu peguei a cena eletrônica no fim da febre do drum and bass, então passei a curtir muitas festas de tecno, breakbeat e vertentes. Sinto que houve um certo hiato até começarem festas de gêneros mais novos, acho que a cidade ficou bem carente de novidades uma época”, observa Oh! Mussi, a única mulher do coletivo (veja abaixo um raio-x de cada um deles). “A Metanol tem o papel de levar o que é contemporâneo e novo para o público, fazendo uma curadoria musical e imagética abrangente e refinada, e mantendo viva a cena eletrônica da cidade, mostrando que a música não perdeu seu papel, e sim ganhou mais participação em acontecimentos que vão além das casas noturnas. A Metanol está colocando a música eletrônica em contextos diferentes.”
Atualmente, o coletivo Metanol ocupa o espaço público com festas gratuitas, como a bimestral Metanol na Rua, e mantém projetos mensais em casas noturnas. É o caso da Inflamável, no espaço S/A, da Colab 011, na Trackers, e mais recentemente da Looud, no Neu Club.
Com origens musicais distintas, os seletores não sabem muito bem aonde tudo isso vai dar, mas têm a certeza de que estão fazendo alguma coisa acontecer. “Para mim [a cena eletrônica] é algo completamente novo, pois meu background musical sempre foi o hip-hop, e antes dele, o hardcore”, conta o seletor Vekr, que também começou a produzir um trabalho autoral: recentemente ele lançou o primeiro EP, Sunset, Sunrise. Baterista da banda Elma, SeixlacK vem do metal e, como seletor e produtor, explora bastante o peso do tecno. “Eu nem tocava em festas, só em casa, então praticamente comecei a discotecar na rádio.”
Apesar de não ser o ganha-pão, a Metanol não está em segundo plano para nenhum deles. O artista visual U-RSO (a “aberração”, segundo ele, do coletivo), por exemplo, tem estudado composição musical “para entender mais do mundo da produção, de forma que as coisas se integrem melhor”.
“Acho que somos muito apaixonados e disciplinados. Todos nós temos outros trabalhos para pagar as contas e ainda dedicamos muita energia para a Metanol. Música em primeiro lugar, business em segundo”, esclarece Soul One, que é videomaker. O seletor MJP, com quem Soul One fazia, em 2010, um evento chamado Sint, também ganha a vida de outra forma, como artista gráfico. O próprio Akin, a quem cabe reger o bonde, bate cartão cedinho no estúdio de criação Sinlogo de segunda a sexta: “Música para mim nunca foi uma alternativa de subsistência. É algo mais forte do que eu, é uma necessidade quase inexplicável de estar em contato com algum tipo de arte que expressa aquilo o que eu penso e sinto de verdade.”
QUEM É QUEM NA METANOL FM
► Akin
- RG: Francisco Julio Bicudo Neto, 35 anos
- Território: São Paulo (SP)
- Paga as contas como: Coordenador de projetos no estúdio de criação Sinlogo
- Na Metanol: Seletor, produtor e fundador
- Além da Metanol: integrante do duo experimental Afasia
- Nos fones de ouvido: Flying Lotus, Nosaj Thing, TNGHT, Lorn, Shlomo, XXYYXX, Ital Tek, OM Unit, Kuedo, Burial
- Ouça: soundcloud.com/akindeckard
► MJP
- RG: Marcelo J.P., 32 anos
- Território: São Paulo (SP)
- O que faz da vida: Artista gráfico e produtor musical; tem dois projetos com Emerson Pingarilho: o Aztrak e o Ordo
- O que tem ouvido: Bebetune$, Lukid, Drexciya, Actress
- Primeiro contato com a música: “Pesquisando músicas que eu via em vídeos de skate. Gostava de fazer loops em aparelho double deck com fita k7. Em 2003, comecei a criar meus próprios sons através de samples com a ajuda do Colé, um amigo que tinha um selo chamado Spanto Records, na época voltada aos beats instrumentais mais ‘abstratos’ e que lançou uma coletânea em vinil na qual participei, chamada Spnt Instrumentals Vol.1 (2004)”
- Sonoridade: “Nas produções definiria como experimental e lo-fi. Em sets de seleção da Metanol é bem variada de acordo com o ambiente: beats mais pesados ou ritmos mais quebrados, IDM.”
- Ouça: www.soundcloud.com/mjpsp
- RG: Amanda Mussi, 26 anos
- Território: São Paulo (SP)
- Paga as contas como: Ilustradora e designer gráfico
- Além da Metanol: é o primeiro projeto musical do qual faz parte
- O que tem ouvido: XXYYXX, Nina Kraviz, Walter Ego, Yoin e Cloaka
- Primeiro contato com a música: “Meus pais ouviam muita música clássica em casa. Meu pai é multi-instrumentista, toca violão, acordeon, gaita e outros instrumentos de folclore. Minha mãe compositora, escrevia poesias e cantava também. Na infância estudei teoria musical e cheguei a tocar saxofone e violão por um tempo. Quando comecei a entrar na adolescência me interessei por punk rock, depois por hip-hop, o que me fez gostar de drum and bass e jungle, e depois disso não parei mais de pesquisar ritmos mais eletrônicos.”
- Sonoridade: “Acho complexo definir em uma frase minha sonoridade, eu sei o que sinto quanto toco, eu sinto que minha alma está dançando, e não só meu corpo, e eu gosto de saber que isso mexe com as pessoas, que causa sensações e que as tiraelas do lugar por alguns segundos. Os gêneros que costumo tocar são UK funky, garage, grime, house e juke. Mas tem sempre um som que lembra tecno ou jungle, mas que tem um vocal mais rap ou r&b. Acho interessante essa mistura de estilos mais clássicos com o que há de novo em produção musical.”
- Ouça: www.mixcloud.com/ohmussi
► SeixlacK
- RG: Fernando Pinheiro Seixlack, 31 anos
- Território: Uberaba (MG), em São Paulo desde 2001
- Paga as contas como: produtor de trilhas e sound design para publicidade
- Além da Metanol: produtor musical; baterista das bandas Elma e Polara
- O que tem ouvido: RP Boo, Drexciya, Kris Wadsworth, The Cyclist, Macintosh Plus, Alixander III, Traxman, Gerry Read, Marcel Dettmann, Lukid
- Primeiro contato com a música: “Comecei mesmo ouvindo rock, quando eu tinha uns onze anos. Aos treze, comecei a tocar guitarra. Na adolescência, toquei em algumas bandas de hardcore melódico, heavy metal. Como eu morava em Uberaba, era muito difícil arrumar pessoas para tocar junto, e mais complicado ainda um baterista. Por conta disso, comecei a tocar bateria, para poder ter banda, que acabou virando o instrumento que toco até hoje. Mas meu envolvimento com a música eletrônica é coisa mais recente, comecei a ouvir e pesquisar mais profundamente há uns seis anos, e discotecando de uns três ou quatro anos para cá. Apesar de sempre ter gostado de umas coisas eletrônicas, não era o principal tipo de música que eu ouvia, o que por um lado acho que foi muito bom, porque hoje eu tenho muita coisa antiga para ouvir, que na época que foi lançada eu nem fazia ideia que existia.”
- Sonoridade: “Faz alguns anos que dedico minha pesquisa musical pra coisas eletrônicas e mais experimentais.No fim acabo ouvindo de tudo, parece clichê, mas na verdade sou bem eclético.Tenho escutado e pesquisado muita coisa antiga de tecno, acid house.O último trabalho que produzi é mais experimental, mas com uma estrutura tecno/house.”
- Ouça: soundcloud.com/seixlack
► Soul One
- RG: Thiago Salvioni, 28 anos
- Território: São Paulo (SP)
- O que faz da vida: produtor, seletor musical e videomaker
- O que tem ouvido: Anika, Black Marble, The Soft Moon, Beak e Fire Party
- Primeiro contato com a música: “Quando tinha uns oito anos eu já gostava de metal, e aos onze comecei a estudar guitarra em um conservatório. Com treze, em 1997, comecei a andar de skate e a frenquentar shows de hardcore com a minha prima. Aquilo me deslumbrou bastante, cohecemos várias pessoas da cena e cheguei a participar de uma banda, mas meus pais na época ficara assustados e me proibiram de seguir com ela e de participar da cena também. Ao mesmo tempo ouvia rap, que descobria assistindo às fitas de skate da 411 com meus amigos, a gente anotava as músicas e ia comprar os CDs na Florida Records, na 24 de Maio. Em 1999, fui a uma matinê no Tatuapé, e ouvi o DJ Grace Kelly Dum tocando. Fiquei de cara com aquilo, achei hipnótico, sintético e cheio de sonoridades estranhas. Foi assim que comecei a gostar de musica eletrônica underground. Não era para menos, o DJ foi residente de clubs como Sound Factory e Overnight. É um DJ que sabe educar muito bem o seu público! Aliás, a zona leste foi berço dos melhores DJs do mundo, na minha opinião.Depois disso, com RG falso, passei a frequentar o Lov.e, Overnight e Stereo com regularidade, e logo comecei a discotecar. Gravei alguns sets, corri atrás, e em 2001 tive o convite pra tocar no Lov.e.”
- Sonoridade: “Gosto de balanço pesado. Seja mais animada e hipnótica ou obscura e melancólica. Os gêneros musicais de ritmo e bateria geralmente são do hip-hop e dubstep. Na timbragem entra chicago house, detroit techno, drum n’ bass, até rock gótico. Mas é só para situar, não gosto muito de rotular.”
- Ouça: soundcloud.com/soul-one
► U-RSO
- RG: Cauê Ueda, 34 anos
- Território: São Paulo (SP)
- Paga as contas como: Produtor executivo na produtora audiovisual Tamago
- Além da Metanol, além do U-RSO: o artista visual é metade do U+E, que é um duo audiovisual com o artista plástico Fernando Eguchi, que vive no Brooklyn (EUA)
- O que tem ouvido: Lapalux, Lusine, Bun e Patten, Boards of Canada, Com Truise, Shigeto, Nosaj Thing, Explosions in the Sky, Tortoise, Tristeza, The Shins
- A primeira projeção com a Metanol: “O U-RSO é algo irremediavelmente experimental, dependente do processo e do amadurecimento da cena que está sendo criada. Vejo como de todos os projetos que fazem parte da Metanol, o mais curioso. Antes de fazer o coletivo, Akin me convidou a fazer algo em uma [edição da festa] Inflamável. Disse “faça o que achar melhor, confio em você”, mas eu não achava nada, afinal não estava procurando. Comecei a pensar desde o desafio de fazer algo no espaço S/A, que nunca tinha recebido projeção de imagem, até como projetar. Aplicativos de live visuals, encoding de vídeo, como controlar a projeção. Apostei no meu conhecimento cinematográfico, que não é lá essas coisas, mas tem uma certa personalidade. Pesquisava filmes de diretores ou correntes cinematográficas que simpatizava, preparava o material por vários dias e exibia no S/A de acordo com quem tocava. Nada era simétrico, eu simplesmente achava que o SeixlacK tinha cara de expressionismo alemão, então mandava ver num filme do Murnau.”
- Ouça: vimeo.com/urso
► Vekr
- RG: Victor Mota, 30 anos
- Território: São Paulo (SP)
- Paga as contas como: Diretor de arte
- Além da Metanol: é o primeiro projetomusical do qual faz parte; além de seletor, é produtor musical
- O que tem ouvido: Pixelord, Lunice, Asap Rocky
- Primeiro contato com a música: “Música é algo que sempre esteve presente no meu dia a dia. Desde quando era pequeno e via meu pai ouvindo, ou quando era moleque e ficava gravando umas fitas k7 do rádio. Depois comecei a frequentar shows, colecionar vinil, mas nunca tinha pensado em um dia em produzir ou tocar para outras pessoas ouvirem.”
- Sonoridade: “Na hora de produzir prefiro sempre uma linha mais chill, com mais texturas. Mas na pista eu gosto de tocar um som um pouco mais pesado, para dançar mesmo. Tenho tocado bastante rap experimental e trap nos meus sets.
- Ouça: soundcloud.com/vekr