Ex-feirante, Chico Louco é “dono” de marcas de luxo de carros
Empresário, que começou a vida na Zona Leste, comercializa cinquenta veículos por ano. Nenhuma custa menos de 1,8 milhão de reais
Era como se uma cena de romance açucarado de Hollywood virasse realidade na madrugada daquela Quarta-Feira de Cinzas de 1996, no Itaim. Filha de um pintor e de uma costureira, Osana Lia Poliselli, a Polly, de 24 anos, havia acabado de se mudar de Barretos, no interior, para São Paulo. Dividia com uma amiga um apartamento na Vila Brasilândia e trabalhava com promoção de eventos. Tinha saído, vendendo saúde, de uma das mais quentes baladas da época na capital, a Limelight, na Rua Franz Schubert.
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A garota chamava atenção com 1,68 metro de curvas, ressaltadas por minissaia e blusa pretas, quando apareceu o príncipe encantado. Ele deixou a Ferrari no meio da rua e foi se render aos encantos da moça. Convidada a entrar na reluzente “carruagem” e ir com ele embora dali, a jovem resistiu à corte do animado desconhecido, mas guardou o cartão, no qual estava escrito “Francisco Longo, empresário”.
Um ano depois desse encontro, a secretária de Longo recebeu uma ligação. “Diga a ele que é a Polly, de Barretos”, anunciou. “Eu já ia pôr a Interpol atrás de você”, brincou Longo ao telefone, segundo a garota. Os dois passaram a sair, socialmente, sobretudo para restaurantes dos Jardins. Na época, ela sonhava com uma vida melhor, com direito a emprego fixo. Ele, por sua vez, saboreava os primeiros frutos de uma impressionante ascensão conquistada à custa de muito trabalho e de uma afiadíssima lábia de vendedor. A trajetória de Polly e a de Francisco continuam ligadas até hoje, como se verá ao final desta reportagem, embora o conto de fadas da Franz Schubert não tenha tido um desfecho feliz.
O empresário de 51 anos é atualmente o importador exclusivo, no Brasil, de quatro marcas de carro entre as mais incensadas, caras e cobiçadas do mundo: Ferrari, Maserati, Lamborghini e Rolls- Royce. Nenhuma das novas máquinas custa menos que 1,8 milhão de reais. Alguns reluzentes exemplares se encontram expostos na Via Italia, empresa que as comercializa, na chamativa loja da Avenida Brasil, 1769. Ali, Chico, como é mais conhecido, despacha quando não está viajando — às vezes pela Europa, aonde vai quatro vezes por ano, outras por Florianópolis, ou em um iate de grande porte, com amigos e garotas, em animados programas que unem negócios e lazer. Sempre com trabalho duro pelo meio: atrair clientes que possam comprar seus bólidos invejáveis.
Em setembro, exibiu uma Ferrari 458 Speciale Aperta — conversível, de pelo menos 2,7 milhões de dólares — no festival náutico da Tedesco Marina, em Balneário Camboriú. O vídeo da apresentação, disponível no YouTube, mostra o empresário de blazer escuro e calça cor de vinho, sem gravata, explicando as maravilhas do modelo em exposição, um dos 499 que a fábrica italiana produziu, dois deles abiscoitados pelo empresário brasileiro. “O carro é um fascínio”, disse aos poucos mas deslumbrados presentes. “O feliz proprietário vai ter uma joia nas mãos.” É um deleite ver a proteção vermelha de polietileno ser retirada — e então surgir a 458 Speciale A, amarela com listras azuis, tinindo de nova.
O proprietário da concessão das quatro prestigiadas grifes internacionais automotivas começou a vida como feirante, juntamente com os pais, no bairro da Penha, onde nasceu, e no Mercado Municipal. Mario Longo, de 91 anos, e Elvira Chilelli, já falecida, vindos da Itália, vendiam frutas. Daí surgiu o primeiro apelido do futuro representante por aqui da Ferrari: Chico Bananeiro. Ele próprio nunca contou a história em detalhes.
Procurado pela reportagem de VEJA SÃO PAULO, negou todos os seis pedidos de entrevista, declarando, via assessores, que não fala sobre sua vida pessoal (as fotos que ilustram esta reportagem são imagens de arquivo). Em julho de 2010, durante uma audiência judicial, disse aos presentes que tinha vindo de baixo, passado necessidade e até dormido na rua por dois meses.
Com 20 anos, apaixonado por carros, descobriu-se um talentoso vendedor de modelos usados. Começou na área em 1985, em um espaço exíguo na parte lateral do posto de combustíveis Furacão, situado na Avenida Cangaíba. “O Chico dava nó em fumaça, era bom de ‘rolo’”, lembra o comerciante Vitor Danhessi, amigo dos tempos de Zona Leste. Do posto Furacão, Longo partiu para um imóvel maior, próximo do Viaduto Aricanduva, onde montou a Chico’s Car. O salto maior ocorreu nos anos 90, quando o presidente Fernando Collor de Mello liberou a importação de veículos. O ex-feirante não perdeu tempo. Em 1995, conseguiu levar para a Penha a primeira concessionária oficial da BMW no Brasil, a Osten (oriental, em alemão).
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Aos poucos, o antigo apelido foi substituído por outro: Chico Louco. Parte da origem disso pode ser creditada ao seu estilo de vida. Longo faz a linha boêmia (nunca se casou e continua solteiro até hoje). Sempre tentou chamar atenção nas baladas. “Era um duro e, certa vez, pediu um terno emprestado a um amigo nosso, dizendo que isso o ajudaria a se dar bem na noite”, conta o comerciante Ademar Salles Júnior, conhecido do empresário à época da Zona Leste.
Quando o dinheiro deixou de ser um problema, Longo tinha direito a um camarote na Limelight. “As mulheres mais bonitas da casa eram levadas por mim ao espaço, pois o cara pedia baldes de champanhe francês, e eu tinha de tratá-lo bem”, conta Sandro Samelli, um dos sócios da balada. “Como ele é baixinho, precisava subir no sofá para beijar as mais altas.”
O empresário também não levava desaforo para casa. Em 1988, teve um ataque de fúria ao ser expulso por seguranças de outra boate, no Itaim. “Ele pegou seu BMW e invadiu, com carro e tudo, a danceteria”, afirma Salles Júnior. “Ninguém se machucou, e os amigos correram para tirá-lo de lá”, completa.
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O apelido Chico Louco combina igualmente com sua forma agressiva de fazer negócios. Trata-se de um daqueles profissionais incapazes de deixar passar uma oportunidade. “Uma vez, vi um cliente fechar a compra de uma Ferrari zero-quilômetro com outro vendedor. Quando o Chico chegou perto, conseguiu convencê-lo a levar uma mais cara. Era uma Ferrari 360 Spider. Custou 1,4 milhão de reais”, conta o funileiro Rogério Campos, ex-funcionário da Osten e da Via Italia.
A mesma impetuosidade se mostrou fundamental para que ele virasse o “dono” da marca do cavallino rampante. “O pioneiro da Ferrari no Brasil foi meu pai”, explica Barbara Gancia, uma das apresentadoras do Saia Justa, do GNT. “O Chico veio depois, e eles se deram bem.” Na lembrança irreverente da jornalista, ficou a imagem do bom comerciante (“Vende geladeira até para esquimó”) e do sujeito de jeitão humilde. “Quem sou eu para estar com esse príncipe aqui?”, dizia o ex-feirante, por exemplo, para agradar ao aristocrático Piero Gancia, então presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA).
Piero faleceu em 2010, com 88 anos. Ele obteve a concessão para comercializar a Ferrari no Brasil do próprio comendador Enzo Ferrari, em Maranello, sede da fábrica. Dificuldades financeiras o atrapalharam — e foi aí que o Chico da BMW entrou na pista, oferecendo sociedade e capital. “O que uniu os dois foi o amor pela Ferrari”, entende Carlo Gancia, irmão de Barbara e empresário de marketing esportivo.
Na memória de Carlo, Piero admirava a história do menino pobre que chegou lá. “É um sonhador e um realizador, saiu do nada e construiu mais uma trajetória de ascensão social, bem brasileira”, define. Carlo tem certeza de que nunca houve uma sociedade comercial entre os dois. Na prática, Piero continuou atuando como um embaixador da marca: frequentava a loja da Via Europa, depois rebatizada de Via Italia, a importadora que trazia as Ferrari, abrilhantava os eventos (entre eles a Fórmula 1), lustrava a casca grossa de Chico. Mas os negócios, mesmo, ficavam com o ex-bananeiro da Penha.
A Maserati veio naturalmente, depois de a Ferrari comprá-la. O prestígio e a competência do empresário — que vende, em média, cinquenta dessas joias por ano — conquistaram, ainda, a representação da Lamborghini e da Rolls- Royce. No caso da Lamborghini, a disputa principal era com um empresário de peso do setor, Natalino Bertin Junior. Ele já importava a marca, como vendedor independente. Gastou muito dinheiro para oficializar a credencial na fábrica italiana. Esteve lá meia dúzia de vezes e dava como certa a sua escolha. De repente, sem que Bertin sequer suspeitasse, Chico Longo venceu.
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Sua estratégia foi dirigir-se à Audi — dona da Lamborghini —, operação coordenada por Jaroslav Sussland, por muito tempo representante da Audi no Brasil (com os irmãos Ayrton e Leonardo Senna). Atualmente, Sussland trabalha como diretor da Rolls- Royce Motor Cars, empresa do Grupo Via Italia. “O Chico não gosta de publicidade, não sei nada sobre essa transação”, despista o executivo. Bertin Junior também não quis comentar o episódio.
Longo frequentava os Senna. Passou até um réveillon com a família. A representação da Ferrari o fez conhecer também grandes corredores da escuderia, como Michael Schumacher e Felipe Massa, para citar apenas dois. É Chico quem os recepciona, com gala, quando há corridas de Fórmula 1 no Brasil. Às vezes vai a outros países, e também circula à vontade entre pilotos e técnicos da marca. Em 2004, o empresário assumiu o volante, na categoria “gentlemen drivers”.
“É gente que tem dinheiro e bate mais que bengala de cego”, para usar a definição brincalhona de Barbara Gancia. Longo montou a Via Italia Racing, uma equipe com pilotos profissionais, entre eles Chico e Daniel Serra, pai e filho, que disputa, por exemplo, as 24 horas de Daytona, nos Estados Unidos. O próprio Chico, paramentado, pilota a Ferrari da vez.
A Osten, a primeira experiência de representação oficial no ramo dos importados, mudou de mãos em 2001. Jorge Yamaniski Filho, diretor do Grupo Hiroshima, o novo proprietário do negócio, não revela o valor da transação, mas dá uma alfinetada no antigo dono. “A própria BMW estava forçando a troca de gestão, por uma mais profissional”, afirma. Procurada por VEJA SÃO PAULO, a montadora não quis comentar a declaração.
Um dos fatos intrigantes a respeito de Chico envolve suas posses. A Via Italia está registrada em nome da Loctan LLC, uma offshore nos Estados Unidos, e de Rosela Longo, irmã de Chico. Ele aparece nos papéis como representante e administrador da Loctan no Brasil. O empresário mora com o pai em um apartamento de 320 metros quadrados no Jardim Anália Franco, na Zona Leste. Ali no pedaço, um imóvel idêntico está sendo vendido por 1,7 milhão de reais.
O apartamento dos Longo foi comprado em 1996 por 1,1 milhão de reais. Em 2006, Chico registrou em cartório a venda da propriedade a um comerciante chamado Roberto Dib. A operação custou 180 000 reais na época. Em 2009, o imóvel foi novamente transferido, desta vez por 210 000 reais, para a empresa Ugly Negócios Imobiliários, de Omar Mohamad Dib. Chico e seu pai, no entanto, nunca saíram do endereço. Procurado por VEJA SÃO PAULO, Mohamad Dib declarou não ter condições de dar detalhes sobre a transação. “A Ugly é uma empresa de investimento imobiliário, estou viajando e não carrego comigo informações de algo feito há quase dez anos”, justificou.
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Outro mistério envolvendo a vida de Longo diz respeito ao desfecho de sua história com Polly, a musa que ele cortejou no fim do Carnaval em meio à Rua Franz Schubert. “O filho é o segredo que o Chico esconde do mundo, mas agora já chega”, disse Polly a VEJA SÃO PAULO, em um ensolarado sábado de outubro em Barretos — ao lado, João Victor, de 17 anos, fazia acrobacias numa pista de skate.
Aos 44 anos, a mãe trabalha atualmente como cabeleireira na cidade. O menino nasceu com 2,8 quilos, na Santa Casa de Barretos, em 25 de junho de 1998, sob a assistência da família materna. O empresário só soube, pelo telefone, quando a criança tinha 6 meses. Manteve a negativa e a indiferença. Em dezembro de 1998, a advogada de Polly entrou com uma ação de investigação de paternidade com pedido de alimentos. Chico contestou. Meses depois, recebeu a intimação judicial para o exame de DNA. Compareceu. Na narrativa da mulher, não teve sequer curiosidade de conhecer o bebê de colo, também presente para a colheita de sangue. “Ei, dona Polly, que problemão a senhora me arrumou”, foi o que Chico disse, segundo ela.
O DNA atestou a paternidade de Francisco Longo, a Justiça mandou assentar o nome do pai na certidão de nascimento e condenou o empresário a pagar dez salários mínimos de pensão alimentícia. Chico contestou judicialmente o valor — mas, em dezembro de 2000, um acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou os dez salários mínimos da primeira instância. Por um suposto acordo informal com a então advogada de Polly — hoje negado pelo advogados Lucas Henrique Marchi e Mohamed Adi Neto, de Barretos, que assumiram a causa em 2010 —, o empresário acertou, à revelia do acórdão, o pagamento da metade, cinco salários mínimos. Desde o nascimento de João Victor, há dezessete anos, Chico nunca lhe deu um segundo de atenção.
Em um dos encontros, ocorrido em julho de 2010, durante uma audiência no fórum de Barretos, ainda para discutir os dez ou cinco salários mínimos da pensão, João Victor tinha acabado de fazer 12 anos. Polly o levou — ambos na esperança de reconhecimento afetivo, principalmente o garoto. Chico carregou para lá o amigo e advogado Abrão Jorge Miguel Neto. Durante a audiência — uma tentativa de conciliação, que resultou infrutífera —, João Victor, na última esperança de pelo menos um olhar, ficou observando, de uma porta próxima. Às tantas, o advogado Mohamed Adi Neto pediu ao empresário que virasse um pouco à direita, onde estava o garoto, “para conhecer o filho”. Longo não olhou.
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Em outubro de 2012, o advogado Abrão Neto, simpático ao reconhecimento afetivo do garoto, escreveu, em um e-mail para os advogados de Polly: “Diante do quadro que já discutimos, realmente não há interesse em aproximação com o menor em questão, por mais esforços que já tenham sido feitos de minha parte em relação a este tema”.
Em 12 de março de 2013, quando o menor em questão já tinha 14 anos, a juíza Mônica Senise Ferreira de Camargo, de Barretos, decretou, a pedido dos advogados de Polly, a prisão de Francisco Longo, por não pagamento de pensões atrasadas no valor, à época, de aproximadamente 56 000 reais. Quando a polícia apareceu para executar o mandado na Via Italia da Avenida Brasil, o empresário pediu algumas horas de prazo.
Foi o tempo de seu advogado, Bernardo La Padulla Tellini, chegar a Barretos, de avião, e levar o montante ao escritório Adi & Marchi. Dívida quitada, a juíza revogou imediatamente a ordem de prisão. Apesar de tudo, João Victor continua esperançoso de uma aceitação, embora demonstre perplexidade com o desenrolar da história. “Meu pai não me quer, e eu não entendo por quê”, queixa-se. Chico ainda tenta contestar na Justiça o valor da pensão. Insiste em baixar a obrigação para cinco salários mínimos. A diferença em questão, de cerca de 4 000 reais, não dá sequer para comprar um jogo completo de pneus para uma Ferrari.