Vejinha 35 anos: reportagem mediu espaços apertados de mesas e poltronas

Ex-editor Marcelo Ventura relembra o dia em que saiu com trena em mãos, em 2011; "agora, isolado em casa, sinto uma falta danada daquela aglomeração"

Por Marcelo Ventura
Atualizado em 27 Maio 2024, 17h12 - Publicado em 6 nov 2020, 06h00
Teatro Faap: cotovelos colados e apenas 28 centímetros para acomodar as pernas (Fernando Moraes/Veja SP)
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De tempos em tempos havia um “estalo de pauta” na redação da Vejinha. Em poucos minutos, jornalistas, editores, a dupla de fotógrafos, produtoras e designers estavam imersos em uma grande reportagem, que se tornaria a capa da revista e da qual, com certeza, ficaríamos dias ouvindo falar. Presenciei a cena e participei dessas mobilizações diversas vezes nos dez anos em que atuei como editor da revista, em que era responsável pelo Roteiro da Semana e pelos canais digitais (Vejinha.com e redes sociais). Não foi diferente numa sexta-feira de 2011, quando o pessoal do Roteiro, como era chamada a minha equipe, se juntou a outros repórteres em uma força-tarefa. Nossa missão: checar os espaços de circulação em bares, restaurantes, casas de shows, cinemas e teatros para comprovar a tese de que eles estavam cada vez mais barulhentos, sem privacidade e bem apertados, com apenas poucos centímetros separando as pessoas em um mesmo ambiente, algo totalmente dissonante do hoje tão necessário distanciamento social.

A ideia parecia maluca. Precisaríamos medir a distância entre mesas e poltronas desses lugares com uma trena. Sim, daquelas usadas na construção civil. A turma do Roteiro, que tive o prazer de liderar e com quem trocar experiências por um bom período da minha vida profissional, ficou incumbida de fazer a lista-alvo com os endereços que normalmente emanavam mais “calor humano” por metro quadrado. Críticos de gastronomia, artes plásticas, cinema, música e teatro, esses especialistas sempre foram o orgulho da Vejinha, desde a sua primeira edição, há 35 anos. Possuíam conhecimento, experiência e referências de sobra, além de muita sola de sapato gasta vasculhando cada canto da cidade atrás das melhores sugestões de lazer e entretenimento para indicar aos leitores. Elaboraram, portanto, a relação de bate-pronto.

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Capa da revista Veja São Paulo, edição 2218, de 25 de maio de 2011.
Capa de 25 de maio de 2011 (Veja SP/Veja SP)

Surgiram em seguida as ferramentas de trabalho: dezenas de trenas, que foram espalhadas em uma mesa. Cada repórter pegou uma e anotou seus endereços. Com a minha no bolso, prontifiquei-me a voltar ao Teatro Faap, no Pacaembu, um lugar cuja programação eu adorava, mas sempre reclamava das poltronas espremidas. Aproveitei a oportunidade para ver Marco Nanini e Mariana Lima na ótima Pterodátilos, dirigida por Felipe Hirsch e com cenografia de Daniela Thomas. Era um drama pesadão, no qual uma família confinada a um espaço restrito, representado por um palco que era destruído aos poucos, se desmorona de vez quando o filho anuncia que foi contaminado por um vírus (no caso, o da aids).

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Cheguei cedo à Faap, fiquei um tempo no foyer lotado de gente que conversava, ria e se abraçava. Optei por entrar na sala antes do primeiro sinal, abrindo caminho na muvuca. Ainda com as luzes acesas, abri a trena e conferi a distância do meu encosto à poltrona da frente — 66 centímetros, com apenas 28 de espaço para as pernas. Entendi por que sempre tinha de assistir aos espetáculos encolhido, com os cotovelos colados ao corpo para não incomodar os vizinhos, e vi a dificuldade de quem chegava por último para tentar alcançar o seu assento, apertando-se na fila de poltronas. O Teatro Faap, inaugurado em 1976, com capacidade para 406 pessoas, teve o número de lugares ampliado para 500 após uma reforma em 2007. E naquela noite a casa estava cheia.

O mesmo aconteceu nos demais endereços visitados pela reportagem, como o charmoso e minúsculo restaurante francês Le Jazz, em Pinheiros, com apenas 29 centímetros entre as mesas; o Mocotó, na Vila Medeiros, que tinha um empurra-empurra danado no balcão do bar, espaço usado para a espera; e o HSBC Brasil, hoje Tom Brasil, onde as pessoas precisavam fazer contorcionismo para conseguir virar as cadeiras e assistir aos shows por causa das mesas coladinhas. Naquele tempo, era uma reclamação só, como pudemos comprovar também nos e-mails recebidos após a publicação da reportagem. Agora, isolado em casa com a família, sem ainda poder voltar a restaurantes, bares, teatros, casas de shows e cinemas como antes, sinto uma falta danada daquela aglomeração.

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Publicado em VEJA São Paulo de 11 de novembro de 2020, edição nº 2712.

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