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A vilinha em Higienópolis que virou polo de arte contemporânea

Com apenas 140 metros de extensão, travessa Dona Paula atrai galerias e negócios como lojas de pães, doces e vinhos

Por Tatiane de Assis Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 Maio 2024, 19h14 - Publicado em 19 nov 2021, 06h00
Em uma vila histórica, quatro homens e quatro mulheres posam para a câmera. Eles estão com roupas formais e tem duas mulheres de avental
Travessa Dona Paula: histórica vila tem atraído empreendimentos voltados à arte contemporânea (Wanezza Soares/Divulgação)
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Até parece uma ilhota de tranquilidade, mas é uma antiga e charmosa vila fechada que só São Paulo tem. A Travessa Dona Paula, na altura do número 95 da Rua Coronel José Eusébio e com face para o extenso muro do cemitério da Consolação, é um endereço privilegiado, que nos últimos tempos tem atraído empreendimentos voltados à arte contemporânea.

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O primeiro a se instalar por lá em 2020 foi o Projeto Vênus, do crítico e curador Ricardo Sardenberg, que também mora em uma das casas vizinhas. Com sua ajuda, vieram pouco depois a filial paulistana d’A Gentil Carioca e a Lanterna Mágica, também administrada por Sardenberg. A novata do pedaço é o espaço dedicado à coleção Moraes-Barbosa, com inauguração prevista para esta sexta (19). Até o fim de 2021, a revista Select, especializada em arte e design, deve se juntar ao grupo.

Antes mesmo de ser uma nova promessa de polo do circuito de artes visuais, a travessa Dona Paula tinha outros predicados. Está há cerca de cinco minutos a pé da Rua da Consolação e mantém um clima de paz mesmo com os arredores respirando correria. Nos pouco mais de 140 metros da vielinha, em formato de T, o silêncio impera, mesmo com o vaivém de carros, de pessoas que trabalham por lá. No outro extremo da Rua Coronel José Eusébio — o equivalente a dez minutos de caminhada — fica a igualmente frenética Avenida Angélica.

Posando em frente a um paredão com tijolos a mostra, oito pessoas olham para a câmera. São quatro mulheres e quatro homens. Há uma mulher de vestido e duas de avental. Os homens vestem casualmente e dois formalmente
Fernando Arganese, Ricardo Sardenberg, Júlia Nuss, Elsa Ravazzolo, Guilherme Arruda, Patrícia Singal, Daniela Azevedo e Pedro Barbosa (da esq. para a dir.): refúgio das artes (Wanezza Soares/Divulgação)

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Até três meses atrás, era possível ver aos fins de semana na viela pessoas com cadeiras, sentadas em frente às casas, tomando uma cervejinha. “Paramos depois que o Félix, que também vivia aqui, morreu”, conta Maria Joana dos Santos, 66 anos, moradora há seis décadas de um dos imóveis. Ela diz que o avançar da idade e a pandemia contribuíram para a redução das confraternizações. Quem sabe agora a nova leva de ocupantes da travessa resgate, sempre de máscara, essa herança dos encontros. É um ativo do lugar, que o diferencia de endereços semelhantes, também com galerias, como a Vila Modernista, no Jardim Paulista.

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Ao leitor que a esta altura do texto está interessado em integrar a turma da travessa, um aviso: 35 das 72 unidades são tombadas pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo). Portanto, qualquer alteração deve ser aprovada pelo órgão. Num passeio por lá, é melhor olhar para as residências que não têm a “etiqueta” do patrimônio, o que inclui também o predinho, que fica na entrada da vila, e outra construção, voltada à moradia, ligada à travessa, atrás da rua principal.

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É assim a vilinha Dona Paula, aberta nos primeiros anos do século XX, mas registrada oficialmente apenas em 1924. Ganha cada vez mais atrações a pequena via cujo nome homenageia a filha do barão de Ramalho, Paula Ramalho de Brito, benfeitora com trabalhos prestados à Igreja da Consolação. Travessa onde funcionou até 2020 o extinto restaurante La Frontera, é o cantinho com ateliês de aquarela e coworking. A partir de agora, o novo hub da arte contemporânea com direito a lojas de bolo, pães e outros quitutes.

Coleção Moraes-Barbosa

Recortes do repositório de mais de 15000 itens de arte conceitual serão vistos a partir desta sexta (19)

Um homem grisalho de meia idade posa em uma galeria de arte. Ele segura um cabo que tem uma foto antiga pendurada
Pedro Barbosa: com
convite de Timm Ulrichs (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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Quando você indaga Pedro Barbosa, 56 anos, sobre o tamanho de sua coleção, ele responde com uma negativa seguida de outra pergunta. “Não falo sobre isso, alguém diz quanto tem em sua conta bancária?”, dispara. Ao longo da conversa, entretanto, ele revela o tamanho do outro braço de sua atividade colecionista, o arquivo, com foco em arte conceitual, composto de objetos ligados à poesia visual, dança e performance.

“São mais de 15 000 itens”, contabiliza, que ele gere com uma equipe formada por Bruno Baptistelli, Cris Ambrósio, Deyson Gilbert, Eloísa Almeida, Erica Ferrari e Frederico Filippi. Recortes do arquivo e da coleção serão mostrados em um espaço a ser inaugurado no número 120 da travessa nesta sexta (19). A primeira mostra se chama Estado de Possessão e apresenta, entre outros itens, o catálogo raisonné de Marcel Duchamp (1887- 1968), por Arturo Schwarz, e o convite de uma exposição de 1971 do alemão Timm Ulrichs.

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Farinha na Cozinha

Fornadas futuras prometem café da manhã quentinho em 2022 na travessinha

Um homem e uma mulher estão em uma cozinha, sorrindo para a câmera, fazendo massas. Tem cookies prontos na tábua e formas com alimentos
Guilherme e Dani: liquidação de estoque de pães na pandemia (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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Os sócios Guilherme Arruda, 31 anos, e Daniela Azevedo, 27, tocam a Farinha na Cozinha. A padaria chegou na travessa em março de 2020, pouco antes de ser decretada a quarentena. “Foi um susto, tínhamos estoque para fazer uma feira, que foi cancelada. Com a ajuda das redes sociais, conseguimos liquidar nosso estoque com pães, focaccias e cookies”, lembra Arruda.

Um novo susto veio com um assalto à padoca em junho, no qual ele ficou sem seu celular. Arruda mantém o encantamento pela vilinha. “Gosto muito daqui, tem também os ateliês de aquarela, coworking. Queremos colocar mesas na frente da nossa casa e fazer da nossa Kombi um ponto de apoio para servir café da manhã”, planeja.

A Gentil Carioca

Há pouco mais de três meses na vilinha, brinda com nova exposição do artista carioca Maxwell Alexandre

Uma mulher de vestido preto posa com a mão na cintura em frente a uma parede que possui uma obra de arte nela
Elsa com obras da série Novo Poder, de Maxwell: mostra simultânea à apresentada na França (Wanezza Soares/Divulgação)

Em 7 de agosto, A Gentil Carioca abriu sua unidade paulistana na Travessa Dona Paula. Pouco mais de três meses depois, a experiência é comentada por Elsa Ravazzolo Botner, uma das sócias. “No futuro, queremos ser mais ativos na ocupação da vila. A Renata Lucas está pensando um projeto especial para cá”, adianta. Mas agora A Gentil se prepara para abrir a exposição Novo Poder, de Maxwell Alexandre.

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O corpo principal da mostra entra em exibição, a partir do dia 26, no importante centro cultural francês, Palais de Tokyo. Na mesma data, seus dois outros braços são lançados nas unidades da galeria, do Rio e daqui. Do que se trata a nova série, que parece a “promessa” de uma nova era? Maxwell responde em texto, que acompanha a exibição. “Nela, exploro a ideia da comunidade preta dentro dos templos consagrados para a contemplação de arte: galerias, fundações e museus. A falta de interesse das periferias e favelas por arte contemporânea é um programa construído.”

We Lov Cakes

Sucesso com receita vinda da cozinha de uma matriarca judia

Em uma loja de bolos, com a parede rosa claro e itens pitorescos e coloridos ao fundo, uma mulher de avental posa sorrindo para foto. Na bancada que ela se apoia há bolos expostos
Patrícia Singal na loja: pão de ló de brigadeiro rosa, o favorito (Alexandre Battibugli/Veja SP)

A virada profissional de Patrícia Singal Tenenbojm, 31 anos, formada em negócios da moda, se deu quando ela aprendeu a receita do famoso bolo de sua avó, Clara Pildus, que é judia e tem hoje 83 anos. “A massa é de pão de ló, o recheio e coberturas variam, mas o meu preferido é de brigadeiro rosa”, detalha ela, que, depois de dominar o doce, o fez como presente para um amigo aniversariante.

“Depois da festa, chegaram os primeiros pedidos”, conta. Ela se instalou com a sua loja, a We Lov Cakes, na travessa Dona Paula em 2017. “Todo mundo que não conhece ainda diz: ‘Que gostoso, nem parece São Paulo’.”

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BrigaDAYros

Um tanto de chocolate, outro tanto de leite condensado, finalizado com boa prosa

Em uma loja com a parede verde e o escrito
Júlia Nuss: oferta de docinhos, bolos e cookies (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Pela vitrine da BrigaDAYros, você vê uma estufa, com cookies, bolos e, lógico, dezenas das bolinhas, feitas com chocolate e leite condensado. Vez por outra, encontra Júlia Nuss, 22 anos, a jovem proprietária da confeitaria, com seu notebook, trabalhando na pequena bancada da entrada. Ela vende por mês cerca de 300 bolos, 2 000 cookies e 2 000 docinhos.

O preço do aluguel? “Na travessa é muito bom. Pago 3300 reais por cerca de 80 metros quadrados. Na região, uma sala de 40 metros quadrados sai em média 5 000 reais. Os moradores também são muito queridos”, afirma ela, conhecida por lá por sua simpatia.

Projeto Vênus e Lanterna Mágica

Morada, trabalho e amigos na Travessa Dona Paula

Em uma sala de exposição em tons de azul e roxo, há um homem deitado em um puff. Nas paredes, artes de árvores e plantas. Há também quadros coloridos que parecem remeter a animais e natureza
Lanterna Mágica: Sardenberg e as instalações de longa duração (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Em dezembro de 2020, Ricardo Sardenberg, 48 anos, se mudou para a vilinha. Era pandemia e ele buscava também um lugar onde pudesse instalar a iniciativa voltada à arte contemporânea, a qual está à frente, o Projeto Vênus e que tem em cartaz uma mostra de Flora Rebollo. Pimba, conseguiu as duas coisas e ainda abriu depois o Lanterna Mágica, que traz exposições de longa duração.

A foto mostra uma galeria de arte contemporânea. Há um vão grande no centro da foto e, ao fundo e nos cantos, obras de arte penduradas nas paredes brancas
Projeto Vênus: primeira iniciativa de Sardenberg a se acomodar na vilinha (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Agora, estão em cartaz as instalações de Camile Sproesser e Avaf. “Trabalhamos com uma dimensão menor, que lembra os anos 90, quando as galerias não eram colossais”, afirma ele, que articulou a ida d’A Gentil Carioca e da coleção Moraes-Barbosa e, agora, da revista Select para a via.

Wine O’Clock e Ivini

Rótulos da Itália, de Portugal e do Chile junto a apontamentos sobre a melhoria da travessa

Um homem de terno empurra um carrinho com duas grandes caixas de papelão. Atrás dele, há prateleiras com vários vinhos
Fernando Arganesse: quinze anos na travessinha (Alexandre Battibugli/Veja SP)

O italiano Fernando Arganese, 49 anos, mora na Avenida Paulista. “Vou a pé para a travessa, são cerca de dez minutos caminhando”, contabiliza ele, que toca agora na casa de número 39 dois empreendimentos: a unidade brasileira Wine O’Clock, importadora de rótulos da Itália, de Portugal e do Chile, a qual tem a Ivini Enoteca como seu braço varejista.

“Há quinze anos, alugo salas por aqui. Não houve uma mudança radical, mas muitos moradores antigos saíram durante a pandemia. Também mudou o perfil dos estabelecimentos, antes eram mais escritórios. Agora tem a lojinha do brigadeiro, do pão. Também chegou o Ricardo (Sardenberg) com as galerias”, enumera Arganese, que aponta ainda melhorias a ser feitas. “O calçamento, com essas pedras, poderia ser revisto. É charmoso, mas até os carros têm dificuldades para transitar.”

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Publicado em VEJA São Paulo de 24 de novembro de 2021, edição nº 2765

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