Série analisa PCC com depoimentos de ex-membros, familiares e autoridades
"PCC: Poder Secreto" está disponível na HBO Max
A organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), criada em São Paulo em 1993, ainda segue em expansão não apenas no estado, como também em todo o país (em 2019, o Ministério Público do Estado de São Paulo estimou que a facção possui mais de 100 000 membros). Desde então, compreender seu surgimento tornou-se uma tarefa complexa.
O livro Irmãos: Uma História do PCC (2018, Companhia das Letras, 408 páginas, R,90), do sociólogo Gabriel Feltran, mergulha no modo de organização desse que é o maior grupo criminoso da América Latina. Diante da análise detalhada, a obra serviu de inspiração para a produção de uma nova série documental da HBO Max, intitulada PCC: Poder Secreto. Dirigido por Joel Zito Araújo e já disponível no streaming com episódios de 45 minutos, o título conta a trajetória histórica do PCC em linha cronológica e descreve os bastidores do ambiente prisional.
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À Vejinha, Feltran, que participou ativamente da produção da série ao lado de Araújo, afirma que o tema da violência não está mais restrito a somente um universo social e deve ser central para todos. “O debate sobre segurança pública no Brasil é pobre, no geral. A gente pensa em segurança pública como repressão. Com o documentário, queremos provocar discussões a respeito do tema que escapem da polaridade ‘trabalhador versus bandido’.”
O sociólogo também aponta que os personagens são, majoritariamente, ex-membros e pessoas que foram afetadas pelo PCC de alguma forma. “Queremos escapar dos extremos e mostrar uma realidade cotidiana que, ao mesmo tempo, demonstre toda a complexidade do assunto.” Araújo complementa: “Os entrevistados são, antes de tudo, humanos. A entrada de muitos na criminalidade se dá pelas razões mais humanas possíveis”.
O diretor relembra uma das primeiras entrevistas que fez para o documentário, quando conheceu Orlando Mota Júnior, o “Macarrão”. “Ele foi uma das grandes figuras do Comando. Chegou algemado, dos pulsos aos tornozelos. Pedi para os policiais tirarem as algemas e isso ajudou na relação. No fim, essa forma de conduzir entrevistas acaba virando uma terapia. Eu não tinha a mínima ideia de como era sua personalidade, mas ele se abriu. Está passando por um processo de arrependimento depois de tudo o que viveu”, recorda. Araújo também reflete sobre a brutalidade dentro do sistema presidiário — algo que, segundo ele, “apenas reforça o PCC”.
“Temos de enfrentar a criminalidade com vigor, mas vigor não significa desrespeito, porque isso só vai dar perenidade à organização”, diz. Sobre as razões pelas quais o PCC se expandiu ao longo dos anos, Feltran dispara: “É só a gente olhar para o passado. O anexo da Casa de Custódia de Taubaté, onde nasce o PCC, era a unidade de castigo. Todos os presos considerados muito violentos e indisciplinados eram castigados. Era onde se produzia o máximo de repressão para que não houvesse resistência, mas é de lá que surge a principal resistência a esse mesmo sistema, que se elabora como uma máquina criminal que só cresce desde então”.
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Publicado em VEJA São Paulo de 1 de junho de 2022, edição nº 2791