“Namorei a minha prima em segredo por quase dois anos”
Casados há 26 anos, o espanhol Victor e a paulista Lourdes são parentes de primeiro grau e ainda guardam as cartas trocadas nessa época
“De Santiago de Compostela, visitei São Paulo pela primeira vez durante um intercâmbio na América Latina. Assim que cheguei, quis conhecer a família que morava na capital e fui convidado pela minha prima de primeiro grau, Lourdes, para uma aventura de carro a Porto Seguro. Na pousada, quando faltavam dois dias para irmos embora, já começamos a namorar. Desde aquela época dizíamos ‘isso não vai dar certo, a família não vai gostar’.
Ela nasceu em São Paulo, eu na Espanha, e passamos dois anos namorando em segredo por cartas e alguns telefonemas. Todos achavam que eu me correspondia com uma amiga dela porque mandava as cartas no nome de ‘Ana’. Nós tínhamos o compromisso de escrever aos fins de semana e às quintas-feiras e acumulamos mais de duzentas dessas cartas, guardadas até hoje. Eu mandava poemas e desenhos mostrando como seria nosso casamento e nossa casa. Sempre assinava com T.Q.L., ‘Te Quiero, Lourdes’. Era um código meu.
Eu adiei algumas vezes meu retorno ao Brasil, pois minha esposa é nove anos mais velha e já tinha carreira formada, enquanto eu ainda queria pegar experiência como arquiteto. A Lourdes então me pressionou e disse: ‘Se não vier agora, a gente acaba aqui o namoro’. Com meus pais achando que eu só passaria um mês de férias fora de casa, me mudei escondido. Eu vim para me casar e me lembro bem da conversa que tive com ela ao sair de Guarulhos. ‘Se você veio com a intenção de me levar para a Espanha, pode descartar a ideia, porque eu amo o Brasil.’ Hoje somos casados há 26 anos.
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A cidade me assustava um pouco. A minha não chegava a ter 100 000 habitantes, mas aqui eu entendi de onde saiu o Ayrton Senna, porque via as pessoas cortando as pistas no trânsito pra cá e pra lá, sem dar seta! Fiquei um mês em casa, na Vila Ema, tentando me situar. Demorei muito tempo para achar onde era Marginal Tietê e Pinheiros. No meu primeiro emprego, me jogaram para todo lugar… Taboão da Serra, Parelheiros. Só me deram um guia e falaram ‘segue este livro que você vai chegar’.
Entre meus quatro irmãos, só contei nosso segredo para um deles, no primeiro ano de namoro. Ele ficou cinco minutos calado, processando o que eu tinha falado, mas me deu apoio. Com minha mãe, toda vez que tocava no assunto, a coisa não fluía. Meu pai me ligou três meses depois perguntando se eu tinha me encrencado com minha prima e minha mãe ameaçou mandar alguém me buscar, mas eu estava com a pessoa que amo. Quando voltamos à Espanha juntos, todo dia eu estava lá com meus pais marcando ponto. Sempre que me viam, choravam… Fazer o quê? Com o tempo se conformaram.
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Antes da pandemia, eu nunca tinha ficado em casa vinte dias seguidos, com minha fábrica de móveis parada, e começamos a montar a discoteca aqui em casa e a dançar juntos. Ela gosta de dar pitaco na nova loja que pretendo abrir nos Jardins e sempre me apoiou muito. No dia a dia, existem pequenos atritos, e quando brigamos é que nem italiano: o vizinho escuta mesmo. Se não tem briga, muitas vezes o casamento não vai pra frente, tem que ter brigas de entendimento.
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A Lourdes sempre me levou para todo canto e me incentivou a conhecer tudo. Por quatro anos, decidimos aproveitar para passear pelo Brasil e por todos os parques de São Paulo. Depois tivemos a Victoria, nossa única filha. Ela se formou em artes cênicas e tem uma doença autoimune que a fez perder todo o cabelo aos 15 anos. As pessoas sempre param para fazer perguntas achando que ela tem câncer. Descobri que tínhamos casos como esse entre tias e irmãos da minha mãe e a notícia transformou nossa vida, mas damos muita força um ao outro. Hoje ela tem 22 anos e já chegou a ver as cartinhas do nosso tempo a distância. Foi ela quem descobriu que foi minha esposa quem tinha feito o pedido de namoro na época… Eu nem lembrava mais. E a Lourdes ainda brinca dizendo ‘Como assim, eu? Foi ele, eu não pedi nada!’.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 18 de agosto de 2021, edição nº 2751