Mel Lisboa solta a voz para cantar Rita Lee
Com ingressos esgotados até dezembro e temporada prorrogada até abril, musical sobre a rainha do rock consagra atuação de atriz e a projeta como cantora
O palco é “o lugar mais seguro para se viver perigosamente”, costuma dizer a atriz Mel Lisboa, 42, parafraseando a cantora e compositora Rita Lee, que morreu em maio do ano passado, aos 75 anos. Em comum, além do signo solar Capricórnio, as duas mulheres sempre tiveram o gosto por correr riscos como artista. O atual — e talvez maior — risco abraçado por Mel tem sido encenar a vida da rainha do rock nacional, o que inclui cantar ao vivo para uma plateia de cerca de 500 pessoas, que lota o Teatro Porto a cada apresentação do musical Rita Lee — Uma Autobiografia Musical. A faceta cantora, apesar de elogiada, ainda causa insegurança. “O palco não é um lugar confortável, pois estamos completamente expostos. Mas é onde eu gosto de estar”, afirma ela, que, pela atuação, foi indicada como melhor atriz aos prêmios Shell e Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA), além de concorrer ao prêmio Destaque Imprensa Digital (DID), com cerimônia marcada para a próxima terça (26).
Com ingressos esgotados até dezembro, o espetáculo acaba de ter sua temporada prorrogada até 27 de abril de 2025, no mesmo Teatro Porto. Desde quinta (21), uma nova leva de ingressos está disponível para os primeiros meses do ano que vem. O musical fará uma pausa no final do ano (após dia 8 de dezembro) e retornará no dia 31 de janeiro. Atualmente, além da montagem sobre Rita Lee, Mel está filmando Conspiração Condor, de André Sturm, que deverá estrear no final de 2025. Na trama política que se passa nos anos 1970, ela vive a jornalista Silvana. A atriz ainda está em cartaz com o monólogo Madame Blavatsky — Amores Ocultos, no Teatro Cacilda Becker, até a próxima quinta (28).
O roteiro de Rita Lee — Uma Autobiografia Musical, do jornalista e pesquisador Guilherme Samora, toma como base a autobiografia da cantora, lançada em 2016 (Globo Livros, 294 págs., R$ 48,00). A história narra os altos e baixos da carreira da artista com honestidade escancarada, típica da roqueira. O texto do espetáculo é do dramaturgo Márcio Macena, que divide a direção geral com Débora Dubois. A direção musical é da dupla Marco França e Marcio Guimarães, enquanto a coreografia é assinada por Tainara Cerqueira e Priscila Borges. Os figurinos são de Giu Foti, a iluminação, de Wagner Pinto, e a coordenação de produção, de Edinho Rodrigues (Brancalyone Produções).
Além de Mel Lisboa, a autobiografia musical conta, no elenco, com Bruno Fraga (no papel de Roberto de Carvalho), Fabiano Augusto (Ney Matogrosso), Carol Portes (censora Solange), Debora Reis (Hebe Camargo), Flavia Strongolli (Elis Regina), Yael Pecarovich (Gal Costa), Antonio Vanfill (Arnaldo Baptista e Charles Jones), Gustavo Rezê (Raul Seixas) e Roquildes Junior (Gilberto Gil).
Essa produção não é a primeira experiência de Mel Lisboa no papel da roqueira nos palcos. Tudo começou em 2014, com Rita Lee Mora ao Lado (Panda Books, 256 págs.), baseado no livro escrito em 2006, hoje esgotado e disponível só em sebos. No texto, o autor, Henrique Bartsch, misturava realidade e ficção. Márcio Macena, que também dirigiu a montagem de 2014, lembra: “De cara, eu já pensei em Mel no papel principal. Mas precisei insistir muito para ela aceitar”. A atriz justifica a relutância. “Venho de uma geração que tinha vergonha de cantar. Então, ainda tenho dificuldade em me ver como cantora”, explica. Apesar disso, ela tem sido convidada a fazer shows interpretando os sucessos de Rita e vai subir no palco do Blue Note em fevereiro, com ingressos já esgotados. No próximo sábado, 23, às 15h, ela canta no evento de gastronomia da Vejinha, o Comer & Beber Experience, no espaço Arca, que acontece desta sexta, 22, até domingo, 24. “Sou crítica comigo mesma, por isso faço exercícios para a voz diariamente e também aulas de canto”, garante.
A dedicação de Mel na preparação para o papel chamou a atenção do jornalista Guilherme Samora, amigo e ghost writer de Rita Lee. Apelidado, pela própria cantora, de “Colecionador de mim” ou “Guigle” — pelo acervo que reúne sobre a roqueira —, Samora foi cativado pela atuação de Mel desde os ensaios de Rita Lee Mora ao Lado. “Eu estava desconfiado, mas Mel me conquistou. Ela estudou cada detalhe, como a maneira que Rita emitia as notas ao cantar e o seu jeito de andar”, elogia Samora, que foi quem convenceu a própria roqueira a ir assistir ao espetáculo. “Na época, Rita disse ‘se você achou bom, sinal que deve ser bom mesmo. Quero ver’, recorda. A cantora foi sem avisar, e sua presença só foi notada ao final da apresentação. O flagra do momento, com Mel emocionada, sentada ao lado da cantora, foi imortalizado em foto pelo próprio jornalista. Rita deu suas bênçãos à montagem e a mencionou, posteriormente, em seu livro Rita Lee — Uma Autobiografia. Na obra, a cantora escreveu que Mel “interpretou uma rita lee melhor e mais bonita”. Samora vai além e aponta uma evolução: “Hoje, mais madura, Mel está ainda melhor”.
Infelizmente, a roqueira não teve tempo de assistir ao musical criado com base em sua autobiografia, que estreou dia 26 de abril de 2023, doze dias antes de seu falecimento. “Soubemos que, mesmo bem doente, ela desejava ver o musical pronto”, relembra Márcio Macena. “Mesmo assim, tentei respeitar as sugestões que ela tinha feito, como incluir a cena do jantar em que conheceu o marido, Roberto de Carvalho.”
O dramaturgo acredita que Rita teria gostado do espetáculo pronto. “Mel a interpreta tão bem, que parece incorporação”, brinca. “É o resultado de muito trabalho.” Para Débora Dubois, Mel é uma estudiosa, “quase uma CDF, que está sempre concentrada e nunca chega despreparada para um trabalho”. Débora a dirigiu em Rita Lee Mora ao Lado, Otelo (2015) e Roque Santeiro — O Musical (2016). Viu a atriz que impressionou pela desinibição na minissérie Presença de Anita (Globo, 2001) tornar-se uma profissional completa. “Isso é fruto de muita dedicação.”
Interpretar mulheres marcantes, aliás, tem se repetido na carreira de Mel desde que surgiu para o grande público, em Presença de Anita, aos 19 anos. Era só o começo. Depois, ainda vieram: Lenita, na novela Como uma Onda (Globo, 2004), Dalila, na novela bíblica Sansão e Dalila (Record, 2011), Thereza, na minissérie Coisa Mais Linda (Netflix, 2019), Grace, na peça Dogville (2019), Annie Wilkes, no espetáculo Misery (2022), e Ingrid Savoy, no longa-metragem Foram os Sussurros que Me Mataram (2024), entre outras. A atuação como Cristiana, no filme Sonhos e Desejos (2006), rendeu a ela o prêmio de melhor atriz no Festival de Gramado. “Eu adoro teatro, mas preciso aproveitar as boas oportunidades”, diz Mel. “Até porque, no teatro, a gente rala muito e ganha pouco.”
É fato que o palco é o lugar onde Mel Lisboa gosta de se expressar. O início de tudo foi aos 8 anos, quando sua mãe, a astróloga Claudia Lisboa, sugeriu que a filha exercitasse a verve dramática que exibia em família. Filha de Claudia com o músico Bebeto Alves, que morreu em 2022, aos 68 anos, Mel nasceu em Porto Alegre, mas cresceu no Rio de Janeiro, com a irmã Luna. Aos 22, mudou-se para São Paulo, onde mora até hoje. Mãe de Bernardo (15) e Clarice (12), com o músico Felipe Rosseno, a atriz gosta de manter a vida pessoal longe dos holofotes. “Muita exposição me causa ansiedade”, assegura. “Prefiro que as pessoas se interessem pelo meu trabalho.” Felizmente, com esse currículo, o interesse tem sido cada vez mais fácil.
Rita Lee – Uma Autobiografia Musical. Teatro Porto. Alameda Barão de Piracicaba, 740 – Campos Elíseos. (11) 3366-8700. Sex. e sáb., às 20h e dom., às 17h. Plateia, R$120. Balcão e frisas, R$100. Clientes Cartão Porto Seguro Bank (mais 1 acompanhante) têm 50% de desconto. Clientes Porto Seguro (mais 1 acompanhante) têm 30% de desconto.