“Preciso fazer música latina, o próximo trabalho vai ter”, diz Marina Lima
Em uma bem-sucedida temporada de shows no Blue Note, a cantora carioca faz uma análise da cena artística atual e dá detalhes de novos projetos
A concorrência é grande para ver uma apresentação de Marina Lima em São Paulo. Sua nova temporada de shows no Blue Note, na Avenida Paulista, está esgotada. O espetáculo Uma Noite com Marina Lima — Hits, Drinks e Talks acontece duas vezes por noite nos quatro sábados de maio.
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Depois, a cantora carioca de 67 anos sobe novamente aos palcos paulistanos no dia 9 de setembro para fazer uma participação especial na performance da DJ e cantora BADSISTA no festival The Town — que também não tem mais ingressos à venda para a data.
Mesmo após mais de quarenta anos de trabalho, a voz de Fullgás continua em um ritmo criativo tão veloz quanto o título da canção que fez sua carreira disparar. A artista revela o desejo de criar e compor, dá uma prévia dos projetos em que está trabalhando e faz uma análise da cena artística atual.
O que mais gosta desse formato de show no Blue Note?
Em shows grandes, tem muita gente muito distante de você. Se fizer um gesto, tem que ser maior para alcançar todo aquele público que pagou para te ver. Nesse formato é como se eu estivesse recebendo os convidados na minha casa. A gente bebe, toca, conversa, brinca. Esse espaço me trouxe essa sensação de ter uma casa aconchegante enorme, para 300 pessoas. E não vamos esquecer um detalhe: a 10 minutos da minha casa. É como se eu fosse um músico de jazz, indo todo sábado tocar.
Recentemente você participou de um projeto da Mamba Negra (coletivo de música eletrônica). Que ligação tem com essa cena cultural?
Eu moro em São Paulo há treze anos e não pretendo ir embora daqui. Para quem é do Rio e se mudou de mala e cuia por vontade própria, treze anos é um bom tempo. Quando mudei para cá, tratei de conhecer de onde brotava uma cultura nova, uma onda nova. Fiz uma ronda em festas, bares e coletivos. Um deles foi a Mamba Negra. Já tinha ouvido a música Gasolina (da banda Teto Preto, cuja vocalista é uma das organizadoras) e fui em dois shows, um deles em uma fábrica de vassoura. Adorei a sonoridade. A Laura Diaz, além de ser uma grande cantora, tem uma presença muito forte de atuação, já foi atriz do Zé Celso. Resolvi cantar o refrão da música e pedi para incluir na canção Mãe Gentil. Eles deram permissão na hora, fiquei muito grata. Hoje tenho uma ligação de mulher para mulher com a Laura. Ela me chamou para fazer uma participação na Mamba Negra neste mês, mas coincidia com um dos shows no Blue Note. Na próxima edição vou fazer.
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Como sua música tem dialogado com as novas gerações?
Desde o começo, quando descobri minha aptidão para a música, sempre foi o lugar que reservei para dar o melhor de mim. Nunca fui presa a nenhum tipo de estilo, MPB, pop. O Renato Russo se embrenhava em discussões dizendo que eu não era pop, era rock. Era difícil me catalogar. Para mim, o fato de eu atrair novos olhares não é surpresa. Está imbuído na minha música. É o melhor mundo. Busco dar um ar contemporâneo ao meu trabalho.
O que chama a sua atenção no panorama artístico paulistano?
Não é uma cena só paulistana, o Brasil inteiro vem para cá. É a Nova York brasileira. Tudo tem aqui. Ultimamente não tenho visto nada que já não conhecesse. Continuo achando a Alice Caymmi o máximo, outra carioca que mora aqui. Mais uma força da natureza da família. É um absurdo aquela mulher. Tem uns cinco ou seis anos que ninguém supera. Aqui tem muitos bons músicos. Agora estou trabalhando proximamente do Arthur Kunz, da banda Strobo, de Belém do Pará, que mora aqui. E também não perdi o laço com pessoas do Rio.
“Eu gosto de sentir a cidade, por isso escolho São Paulo, a cidade mais cosmopolita da América Latina. É onde eu me identifico. Minha personalidade é assim”
Marina Lima
Como avalia a nova geração da música brasileira?
Não gosto de desanimar ninguém. Todo mundo tem que tentar, ninguém começa sabendo tudo no primeiro ou segundo disco. Demorei e até hoje demoro a elaborar meu som. Particularmente neste momento nada me chama a atenção para falar “ah, eu gosto muito de fulano”. Mas eu ouço tudo. Sou movida pelo som, o que me enlouquece é o ouvido. Gosto de rap, de hip-hop. Por exemplo, gosto dos Racionais, adoro o podcast do Mano Brown e já pensei em incluir a música Elas Gostam Assim, do Projota com o Marcelo D2, em um show. Uma artista que ouvi muito de um ano para cá é a espanhola Rosalía. Essa mulher é um acontecimento.
Tem algum gênero musical que gostaria de explorar em um novo trabalho?
Um estilo que me ganhou com o tempo é a música latina. Nunca fui ligada, gostava da Shakira, mas não tinha nenhuma ligação, nenhuma inclinação. Com o surgimento de tantas vertentes, tantos cantores, como a própria Rosalía, ando fascinada com isso. A minha convivência com o Kunz mostrou que o tecnobrega tem uma coisa latina que me impregnou. Quando eu ouço, não resisto, saio dançando. Preciso fazer algo nesse campo, fui pega e estou louca por isso. Preciso fazer música latina, com cor, misturar América Latina e Central, para mostrar tudo que eu gosto hoje em dia. Meu próximo trabalho vai ter, não tem como não ter.
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Em que projetos está trabalhando?
Nossa, tem tanta coisa acontecendo. Tenho uns três ou quatro pedidos de peça teatral, uma delas parece que vai rolar agora, e uma série da Netflix sobre minha carreira. Mas o que eu estou querendo agora é voltar a compor musicalmente. Quero ver para onde eu vou agora, o que eu vou escolher, o que eu vou querer.
Como esses planos refletem sua vida pessoal?
Eles sempre têm a ver com a minha vida. Mas hoje em dia, mais do que há dez anos, a questão externa interfere muito. Porque o mundo piorou, financeiramente, socialmente. Com governos autoritários em todo o planeta. Isso é preocupante para o artista, que é a favor da liberdade. É praticamente impossível que as músicas não passem por isso de alguma maneira. No disco Próxima Parada (1989) eu cito a situação da violência no Rio. As pessoas que vivem na cidade se deparam com as dificuldades. Isso entra na música. Eu gosto de sentir a cidade, por isso eu escolho São Paulo, que é a cidade mais cosmopolita da América Latina. É onde eu me identifico. A minha personalidade é assim. Então vamos esbarrar nesses assuntos, que têm a ver com a minha vida.
Publicado em VEJA São Paulo de 17 de maio de 2023, edição nº 2841