Discípulos de Marina que ficaram confinados em sítio falam sobre experiência
Programa inclui ficar quatro dias sem comer nem falar e atividades como contar lentilhas e andar em câmera lenta
Uma das atrações mais interessantes e concorridas da retrospectiva Terra Comunal, em cartaz no Sesc Pompeia, é a versão de duas horas do método desenvolvido por Marina Abramovic. Nele, o público pode experimentar uma versão express dos exercícios que a artista desenvolveu e que são base para as performances de longa duração da sérvia – tipo de arte que a consagrou. O processo completo, porém, dura cinco dias e exige provações como ficar sem falar ou comer por quase todo esse período. A cantora americana Lady Gaga está entre os artistas que já participaram da experiência.
Nove brasileiros (sendo um coletivo) foram convidados por Marina para conhecer o método completo. O grupo ficou hospedado em Juquitiba, cidade a oitenta quilômetros da capital, em uma pousada em meio à Mata Atlântica. Ao chegarem, as regras de convivência foram esclarecidas: não poderiam falar, comer ou usar produtos químicos (inclusive xampu). Para afastar os pernilongos, por exemplo, foi usado incenso de citronela. E, claro, nada de comunicação com o mundo externo. Água e chá com mel eram os únicos alimentos liberados.
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A rotina da turma tinha início antes do amanhecer, com Marina batendo uma colher em uma panela para acordar seus hóspedes. Em seguida, todos iam a um lago nadar nus – a cada dia as atividades aquáticas variavam –, depois tomavam chá, faziam exercícios de alongamento e respiração e então começava o método propriamente dito.
Dar a volta em torno do lago andando em câmera lenta era um dos desafios contemplativos. Nessa tarefa, cuja duração foi de três horas, o “vencedor” é quem chega por último. Ficar sentado na mata com uma venda nos olhos por duas horas, olhar placas de diferentes tons por meia hora, com o objetivo de redescobrir as cores, e participar de rituais de fogo inspirados em tradições de índios americanos também integraram o roteiro meditativo proposto por Marina.
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Uma das atividades mais longas e desafiadoras consistia em separar arroz e lentilha, misturados em uma tigela, e depois contá-los. “Não sabia quando o exercício acabaria, estava escurecendo. Na metade do processo, eu já estava cansada”, lembra a paulistana residente em Berlim, Andrea Boller. Foram oito horas para contabilizar 8 000 lentilhas e outros tantos grãos de arroz. Tudo em razão de um ensinamento: o limite de seu corpo é mais amplo do que acredita sua mente.
Como era proibido falar, os integrantes do grupo aprenderam a se comunicar por olhares e gestos. A interação, segundo eles, foi tão forte que proporcionou experiências transcendentais. “Após um exercício de respiração eu vi a aura de um dos artistas. É como se ele tivesse se desmaterializado e eu só via a luz”, conta o baiano Ayrson Heráclito.
No quinto dia, com o jejum interrompido, Marina cozinhou arroz com sal e distribuiu 21 amêndoas a seus discípulos. “Nunca um arroz foi tão saboroso”, afirma Andrea. “O primeiro banho quente também foi ótimo, voltar a falar. É uma experiência que me fez pensar muito sobre a vida.”
O resultado da experiência pode ser visto no Sesc Pompeia. As performances de Ayrson Heráclito, Maikon K e Marco Paulo Rolla foram apresentadas apenas nos primeiros dias da exposição. Andrea Boller refaz ações famosas de Marina Abramovic nos dias 4 e 18 de abril. Já os trabalhos de Paula Garcia, do grupo Empreza, Maurício Ianês, Fernando Ribeiro e Rubiane Maia podem ser acompanhados enquanto a exposição estiver aberta. Não perca a sala de Paula Garcia, o método de Marina fica bem claro ali.