Homens aderem ao crochê e encontram uma fonte de renda e bem-estar
Artesãos de todas as idades contribuem para modernização da prática e para o rompimento de estigmas de gênero
Associado às vovós, por tradição, o crochê tem despertado o interesse de um número cada vez maior de homens, de diferentes idades.
Há doze anos, o artista plástico Thiago Rezende, 42, conhecido nas redes sociais como Homem na Agulha, se iniciou na técnica manual — que consiste em criar rendas trançando fios com uma agulha —, justamente para quebrar paradigmas. “Na época, os designs eram antiquados, tinha muita capa de liquidificador e tapete de banheiro”, lembra. Sem exemplos masculinos na área, acabou se tornando, ele mesmo, uma referência para outros que vieram depois. Atualmente, coordena ateliês semanais na Pinacoteca, além de oficinas de crochê e tricô no Sesc Carmo, algumas exclusivas para eles. “Queria provocá-los a começar no artesanato”, explica o artista, que percebe uma mudança no perfil dos crocheteiros, cada vez mais jovem.
Junior Silva, 19, é um exemplo. Com mais de 450 000 seguidores no Instagram, ele produz peças modernas que foram parar até nas passarelas do São Paulo Fashion Week, mês passado, no desfile de Maurício Duarte, outro jovem talento da moda. “Uso minhas roupas todo dia, tenho muito orgulho”, conta Junior. Com o patrocínio de uma empresa de fios e a venda de modelos sob encomenda, ele diz faturar cerca de 8 000 reais por mês.
Antes do sucesso, sofreu bullying nas redes sociais, o que o levou a ter vergonha de praticar em público. “Recebia muitos comentários maldosos, diziam que crochê era coisa de menina”, conta, Hoje ele usa as próprias redes para combater o preconceito. “Muitos homens me mandam mensagem dizendo que começaram a fazer crochê por minha causa, fico muito feliz”, orgulha-se.
Já João Stanganelli, 68, aderiu ao crochê como passatempo, mas acabou encontrando uma forma de lutar por representatividade. Após sofrer um infarto, em 2016, o Vovô Crocheteiro, como é conhecido na internet, precisou abandonar o trabalho de padeiro para se dedicar ao repouso. Nesse período, aprendeu a manusear linha e agulha com sua esposa, Marilene, e iniciou a confecção de bonecas inclusivas. “O infarto foi um momento de mutação”, afirma.
A primeira criação foi a Vitilinda, uma boneca com vitiligo, doença que causa a despigmentação da pele e que o acompanha desde os 38 anos. Hoje, ele contabiliza mais de 200 modelos, de santos católicos a orixás, de bichos a personagens. “Os homens têm muita resistência, não conseguem romper com o imaginário machista”, lamenta João, que, junto com Thiago, Junior e outros, tem ajudado a costurar uma nova história para a trama secular.
Publicado em VEJA São Paulo de 24 de maio de 2024, edição nº 2894.