Fim de Oficinas Culturais gera protestos e pega gestores de surpresa
Decreto do governo estadual substituiu programa por novo; "Seremos 42 funcionários de aviso prévio", diz gestora
Na sexta-feira (22), um decreto publicado no Diário Oficial do Estado extinguiu as Oficinas Culturais, pondo fim em um dos mais exitosos programas culturais de São Paulo. O ato já parecia se desenhar desde o dia 14 de março, quando o edital que escolheria a Organização Social para tocar o projeto em 2024 foi repentinamente cancelado. “Nós sabíamos que o Governo do Estado queria fazer uma alteração, tanto que havia um item de diagnóstico no chamamento. Colocamos na nossa proposta uma pesquisa para ouvir o interior, pensando que haveria uma ampliação do programa”, diz Maria Izabel Casanovas, superintendente interina do programa na Poiesis, responsável por gerir o projeto desde 2010. “Fomos pegos de surpresa. Seremos 42 funcionários em aviso prévio a partir do dia 1º de abril.”
Pelo decreto, que mobilizou a classe artística em protestos, as Oficinas deixam de existir para dar lugar a um novo programa, o CultSP Pro — Escolas de Profissionais e de Empreendedores da Cultura, que, segundo a secretária de Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado, Marilia Marton, será um resgate do anterior com um novo nome e foco na qualificação no setor da indústria criativa. “O prédio da Oswald de Andrade será a sede e o teatro continuará sendo ocupado pela classe artística”, disse Marton.
A secretaria afirma ainda que, durante a reformulação do programa, a unidade Juan Serrano contará com ateliês e trilhas formativas, desenvolvidas pelas Fábricas de Cultura da Brasilândia. A Poiesis, no entanto, diz que não foi consultada para “passar os espaços”.
Há quase 38 anos, as Oficinas têm sido responsáveis por promover atividades pedagógicas e culturais gratuitas, como cursos de artesanato, gastronomia, dança e teatro, debates, exposições e performances em três unidades na capital: Juan Serrano, em Taipas, Alfredo Volpi, em Itaquera, e Oswald de Andrade, no Bom Retiro. No interior, também promove iniciativas como o Festival Literário do Vale do Ribeira (FLI) e o Programa de Qualificação em Artes em Dança e Teatro. Segundo a Poiesis, só em 2023 foram 373 municípios atendidos, com 1292 atividades promovidas em todo o estado (810 na capital), atingindo um público de 290 000 pessoas e mobilizando 1324 colaboradores.
O chamamento público para o CultSP Pro será aberto nos próximos dias e a previsão de início das atividades é em agosto, com oferta inicial de 100 turmas e 20 diferentes cursos, um investimento previsto de 10 milhões de reais. Rafael Presto, do Bom Retiro É o Mundo, coletivo responsável por organizar o protesto no sábado (23), em frente à Oficina Oswald de Andrade, tem ressalvas. “Antes do que está sendo proposto, é a forma como esse desligamento acontece. É suspeito não haver nenhuma avaliação institucional sobre o impacto das Oficinas ou uma conversa na Câmara. É um desmonte de um programa exitoso”, afirma.
A atriz e produtora teatral Carolina Gonzalez, que ministra cursos pelo programa desde a década de 1990, traz outro ponto. Ela conta que em 2022 comandou um projeto voltado para mulheres com mais de 60 anos, que contavam suas experiências em depoimentos transformados em um espetáculo encenado por elas depois de participarem de aulas de interpretação, improvisação e expressão corporal. “O programa também tem um impacto na sociedade, não só para um núcleo fechado de artistas. Essas mulheres floresceram no projeto e vinham de todas as classes sociais. Algumas não teriam condições de praticar isso sem o programa”, ressalta.
O diretor Ruy Cortez, que contou com a sede do Bom Retiro para as pesquisas e ensaios de seu projeto mais recente, As Três Irmãs e a Semente da Romã, classifica o espaço como “um santuário artístico e cultural da cidade” e acredita que a decisão será revertida. “A classe teatral, os sindicatos, todas essas instituições são muito fortes em São Paulo. Eles sempre tentam fazer esse tipo de ação, mas a cidade resiste bravamente. Se precisar, vamos ocupar e fazer o possível e o impossível, mas eles não vão conseguir avançar.”
Cacá Toledo completa: “Com a mudança, há um perigo de que esse fio não consiga ser retomado. É bloquear o senso de identidade de uma comunidade”, se emociona o diretor, que há dois anos comandou a peça A Morta, de Oswald de Andrade, na unidade do Bom Retiro, um espetáculo montado por membros de diversos cursos da Oficina. “Várias pessoas que entraram sem nenhuma experiência agora estão fazendo cursos de artes cênicas em faculdades como a Unicamp”, frisa ele.
A peça, seus bastidores e depoimentos dos envolvidos vão virar um documentário, com direção de Patrícia Miranda e produção da Quieta Coisa e da Cia Aberta de Teatro. Um processo que não foi planejado, mas que ganha outro significado com os últimos acontecimentos. “Se torna um grande ato pela importância da Oficina, que não pode acabar neste último registro de uma iniciativa do próprio espaço.”
Publicado em VEJA São Paulo de 29 de março de 2024, edição nº 2.886.