Aniversários infantis de luxo chegam a custar 500 000 reais
Decorações mirabolantes, máquina de neve, show de astro teen, lembrancinhas de 200 reais: as extravagâncias das grandes produções para festas de criança AAA
Trim, trim. “Você consegue uma escavadeira? Meu filho adora construção.” Trim, trim. “Ah, seria sensacional colocar um elefante de verdade no salão!” Trim, trim. “Quero que a Sininho voe pelo bufê. ”Trim, trim! Trim, trim! Trim,trim! Quando o telefone de uma decoradora de festa infantil toca, é como se um portal para outra dimensão se abrisse. Ali, não existem limites: se o cliente quer, a profissional faz acontecer, como mágica.
A varinha de condão, no caso, é movida a (muito) dinheiro.“Uma comemoração ‘correta’ não sai por menos de 45 000 reais”, estima Edda Ugolini, sócia da empresa especializada em organizar casamentos Boutique de 3, que há um ano criou um braço dedicado às celebrações dos pequenos príncipes e princesas. Achou caro? Pois esse é o básico do básico. Os orçamentos chegam facilmente à casa dos 100 000 reais. Alguns atingem até cinco vezes esse valor. “A pessoa pode ter perdido milhões na bolsa de valores, mas não deixa de agradar a criança”, acredita Edda.
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Os aniversários dos filhos de Edda funcionam como uma vitrine de seu negócio. O deste ano, em outubro, teve como tema o filme Piratas do Caribe. Lolô, de 5 anos, e o irmão, Henrique, 3, esbaldaram-se com uma trupe de atores trajados como os personagens do longa metragem, “a bordo” de um barco de 7,5 metros de comprimento. Os docinhos, as flores, o bolo, o algodão-doce — tudo era roxo, azul e preto, as cores oficiais do logo da farra (sim, havia um).
Se tivesse pago cada centavo, ela teria desembolsado cerca de 80 000 reais, porém gastou metade disso. Como é do ramo, os fornecedores cobram bem menos. Em nome das boas relações, sabe como é. Afinal, vale ouro uma indicação para atender a clientela da assessora, recheada de colunáveis e socialites. Um desses nomes reluzentes é a empresária Carol Celico, ex-mulher do jogador de futebol Kaká, com quem tem dois filhos: Luca, 8 anos, e Isabella, 5.
Carol se enquadra no perfil de mãe que os fornecedores amam de paixão. Tem bala na agulha para realizar quase qualquer sonho, convida um círculo de amizades repleto de figuras que podem virar o próximo cliente e atrai imprensa em peso. “Meus pais fizeram festa até os meus 10 anos e tenho lembranças maravilhosas”, conta a colunável. Em abril, na celebração dos 5 anos da filha, recebeu os convidados na Estação São Paulo, espaço em Pinheiros normalmente usado para casamentos.
Esse tipo de reunião costuma ser o que sai mais caro, pois é preciso instalar tudo, tudo, tudo, até as tomadas. Foram quatro dias de montagem — em geral, o tempo dedicado à tarefa é de duas a três horas. Quem lá esteve pôde se sentir no castelo da Cinderela, bem como ver a aniversariante circular em uma carruagem com um cavalo de verdade. Carol, no entanto, não teve de gastar tanto quanto meros mortais. Em troca da publicidade espontânea em jornais, revistas e sites, fornecedores a presentearam com serviço e decoração, ou pelo menos deram um desconto na fatura. Uma comemoração desse porte não sai por menos de 150 000 reais.
Há quem, sem a regalia das permutas, invista cifras impressionantes. De família grega, a administradora Maria Santos promoveu festas no Buffet França, em Higienópolis, um dos mais caros e badalados endereços da cidade para a troca de alianças. Já contratou, por exemplo, o decorador Marcelo Bacchin, um dos queridinhos das noivas. Em duas ocasiões, ele transformou completamente o salão a pedido dela, que organizou um combo de aniversário e batismo para seus filhos, Stefano, 6 anos, e Manuella, 2.
Estima-se que os orçamentos girem em torno de meio milhão de reais (!). Em uma das vezes, o lugar virou uma enorme tenda de circo. “Parecia o Cirque du Soleil”, lembra Maria. Em outra, um jardim de contos de fadas. Nessa última, no ano passado, quando Manu fez 1 ano, os 400 convidados ganharam lembrancinhas cujo preço unitário era de até 200 reais. Para os adultos, havia um pote de vidro bico de jaca cor- de-rosa com castanhas trazidas da Grécia.
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A folia de Manu foi a primeira a dar coolers como lembrancinhas. Apenas um ano depois, após a festa de Rafinha Justus, 7, é que o mimo se tornou febre. Apesar da pouca idade, a filha do publicitário Roberto Justus e da apresentadora Ticiane Pinheiro é uma influencer mirim: o que se faz nos eventos dela reflete no mercado, ditando tendência. Realizada em agosto (ela nasceu em julho, mas, pelo fato de o período ser de férias escolares, a comemoração rola mais tarde), sua festa de aniversário é considerada o começo da temporada de festas infantis, uma espécie de São Paulo Fashion Week do setor.
Além da lembrancinha, que se tornou mania, uma máquina que faz nevar, usada em eventos com o tema da animação Frozen, aparece entre as novidades que os convidados viram primeiro em um aniversário da menina. Devido à lente de aumento que existe sobre Rafaella, fornecedores querem oferecer os serviços e artigos de graça aos pais. “Nós aceitamos uma ou outra coisa, mas pagamos quase tudo”, garante Ticiane.
Parece exagero que empresas queiram associar sua marca a um aniversário infantil. Sucesso como o da empresária Andreza França Michelino mostra que não é. Dona de uma empresa especializada em carrinhos de balas e guloseimas, ela havia começado seu negócio três meses antes da festa dos Justus de 2015. A família concordou com a permuta, e a procura pelo seu serviço cresceu 30%. “Dá retorno para o ano inteiro”, diz.
No quesito clientela estrelada, porém, ninguém bate Andréa Guimarães, 40 anos, vinte no segmento. É ela quem assina as farras de Rafinha, e seu rol de celebridades é extenso. Deu os passos iniciais ao produzir o primeiro aniversário do filho e, no boca a boca, acabou sendo contratada por Xuxa, lá em 2002, para os 4 anos de Sasha. Sucesso total. Na esteira veio uma fila de famosos: para a filha de Tom Cavalcante, instalou na festinha uma máquina de fabricar chocolates customizados; para Lucas Jagger, o primogênito de Luciana Gimenez, organizou a chegada de um Batman em um helicóptero adesivado.
Andréa hoje é a mais requisitada do mercado. Tem uma equipe com dez funcionários e planeja até quarenta festas por mês. Em um galpão de 1 000 metros quadrados na Mooca, armazena um acervo que abrange setenta temas (são cerca de 380 peças, entre dinossauros, super heróis e princesas Disney de fibra de vidro). Seu pagamento varia de acordo com o contratante. Em alguns casos, ela ganha comissões baseadas no orçamento total, o que rende em média 15 000 reais por evento.
O glamour que Andréa vive por aparecer na mídia com personalidades esconde uma rotina de ralação. São aproximadamente 1 000 mensagens de WhatsApp por dia, quase todas de freguesas pedindo ou cobrando algo, reuniões emendadas uma na outra, além de trabalho em absolutamente todos os fins de semana. Sem falar na cota de perrengues. O maior deles, de dez anos atrás, consistiu em levar um elefante para a cliente. “A mãe ligou dizendo que a criança não parava de chorar porque queria muito”, relata. Resultado: foi a um circo no Morumbi, que, por 4 000 reais, concordou em levar o bicho para dar pinta por uma horinha no evento. Uma presença vip de peso, por assim dizer.
Ninguém se lembrou, no entanto, de que o mamífero produz quantidades colossais de excrementos por dia, e o local foi tomado por um odor nada agradável. “A gente correu para comprar sprays contra mau cheiro, mas não houve jeito.” Foi preciso um caminhão extra só para retirar a sujeira. Na mesma data, foram levados também um tigre (8 000 reais, preço que incluiu a construção de uma jaula específica) e um chimpanzé (3 000 reais).
Em uma das festas que a reportagem de VEJA SÃO PAULO visitou, Andréa usou um painel de LED e projeções assustadoras que saíram pela culatra. Foi nos 9 anos de Isabelle, filha da empresária Adriana Restum, em setembro. O tema era o filme Os Caça-Fantasmas, e a profissional caprichou no terror de tal maneira que os pequenos caíram no berreiro e uma convidada — cataploft! — desmaiou na entrada. A comemoração custou por volta de 120 000 reais. Rolou no Planet Mundi, bufê de Moema considerado o mais concorrido da cidade. O ponto forte ali são os brinquedos eletrônicos, entre eles uma montanha-russa e carrinhos de bate-bate. Para agendar uma festa em um fim de semana, há espera de quatro meses. O aluguel do espaço por quatro horas nesses dias custa a partir de 22 000 reais, para cinquenta convidados.
Também vale investir nas atrações. A advogada Soraia Uehara organiza uma vez por ano as celebrações de seus três filhos: Yuri, 10 anos, Rafael, 5, e Davi, 1. Sempre procura maneiras de deixar os amigos e parentes confortáveis e animados — entre as atrações contratadas estiveram o astro adolescente MC Gui (20 000 para um pocket show de meia dúzia de músicas) e a bateria da Gaviões da Fiel. Também capricha na comida. “Fartura é importante para mim. As pessoas dizem que engordam 5 quilos quando as convido”, brinca.
Outra que se esmerou foi a administradora Gabriela Medeiros, nora da estilista Martha Medeiros. No momento, dedica-se à comemoração de 3 anos do filho, Guilherme. A de 2 anos foi só para pessoas próximas, na Disney. A de 1 ano custou cerca de 120 000 reais e seguia uma onda náutica. “Até hoje ele pede para ver todo dia o vídeo da ocasião”, diz. “Repete o nome de cada um dos noventa convidados que aparecem na tela.”
A escalada de preços nesse setor começou há cerca de cinco anos, em um período em que a economia brasileira parecia decolar. Desde então, as festas infantis AAA mantêm-se embaladas por uma competição velada, estimulada pelos adultos: o importante é superar o coleguinha. As redes sociais viraram um fator de peso na equação. A mãe que vê um tema no Instagram pode até querer algo similar, porém não aceita o mesmo boneco da Disney, por exemplo.
Só aí, para confeccionar um novo, o custo gira em torno de 12 000 reais. Junte -se a isso a profissionalização do setor: em vez de deixar uma tia responsável pelas fotos, virou prática contratar fotógrafos especializados, o que representa outros 4 000 reais. O bolo e os doces, antes com a assinatura da vovó, saem por cifras entre 10 000 e 15 000 reais. “Há mãe que gasta comigo 60 000 reais”, conta Adriana Faralli, a número 1 em papelaria e lembrancinhas.
Seu produto mais caro é um convite em forma de maleta com orelhas do Mickey (300 reais cada um). Vic Meirelles, florista de bodas chiques, atende também os filhos de clientes que levou ao altar. Contratá-lo não sai por menos de 10 000 reais, mas a média das despesas com plantas e afins fica até quatro vezes acima dessa quantia. “Hoje, a festinha de 1 ano é quase um casamento”, afirma.
Ah, sim, isso é unânime: as comemorações de 1 ano se tornaram as mais caprichadas. Como a criança ainda não está na escola, trata-se de um encontro de adultos, o que, por si só, representa gastos extras com comida e bebida. O fermento da receita, porém, vem mesmo das mães, mais ativas que os pais nesse campo. “É como uma apresentação da criança à sociedade”, explica Deborah Doll, decoradora que cuida de clientes low profile, mas não menos endinheirados.
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Em uma tarde de novembro, ela recebeu a reportagem ao lado da economista Paula Guedes, que reuniu amigos em uma fazenda em Porto Feliz, no interior, para o primeiro aniversário de Isabella. As flores, a mesa, as toalhas, os doces, tudo de um bom gosto tremendo. Havia atrizes vestidas de fada e brinquedos instalados em um gramado. A festa custou aos pais aproximadamente 50 000 reais, e não foi além disso porque Paula fez algo raro: comparou preços, negociou e optou pelo melhor custo-benefício. “Minha filha é um milagre”, conta. “Durante a gravidez tive varicela e, felizmente, ela ficou sem nenhuma sequela. Por isso, queria que aquela tarde fosse encantada.”
Mimos que encarecem
Fazendinha: 4 000 reais. Monitores impedem que as crianças machuquem os animais e vice-versa. No pacote, dez bichos, entre eles galinhas, coelhos e pôneis
Lembrancinhas: 28 a 250 reais cada uma. Um risque-rabisque é o básico, mas coolers também fazem sucesso
Máquina de gelo: 3 500 reais. Faz chover pedacinhos de gelo no salão, imitando neve
Portal com balões: 10 000 reais. Podem ter até 10 metros de altura e anunciam o tema do evento
Convites incrementados: 50 a 300 reais cada um. O top de linha, fabricado por Adriana Faralli, é uma maletinha em formato de Mickey
Painel de LED: 8 000 a 10 000 reais. Em festas mais high-tech, serve como fundo para a mesa
Projetores: 5 000 reais. Com imagens ao gosto do cliente
Guloseimas personalizadas: 3 000 a 5 000 reais. São chocolates, balas, pirulitos e sorvetes com o nome do aniversariante