“Minha noiva foi para o céu depois de ter dado à luz nossa filha”
A história de amor de Renato Celestino e Lilian Papa, que continua após a morte dela, dias após nascimento de bebê
“Sou professor de dança de salão e ritmos diversos e divulgo vídeos de aulas nas redes sociais. Em 2019, alguém curtiu uma das postagens e enviou uma solicitação de amizade no Facebook. Era Lilian, 31. Aceitei e respondi: ‘Seja bem-vinda!’. Ela agradeceu e, a partir desse dia, nunca mais paramos de nos falar. Na semana seguinte, eu a convidei para sair. Foi surreal, parecia que a conhecia havia anos.
Em três meses, estávamos morando juntos. Antes de sair para trabalhar, deixava bilhetes românticos. Depois do trabalho, voltava correndo para ficar com ela. Ela adorava dançar. Eu lhe ensinava bolero, forró, samba. Depois de seis meses, conversávamos sobre ter um bebê. Queríamos ter um elo entre meu filho, Pedro Leandro, e o de Lilian, Gabriel Manoel, ambos com 10 anos, que se tratam como irmãos. Deu certo, ela engravidou. Estávamos muito felizes.
Porém, aos sete meses de gravidez, Lilian teve diabetes gestacional e ficou internada por dez dias. Seguiu a dieta passada pelo médico e se recuperou rápido para voltar para casa. Depois, os pés dela começaram a ficar inchados. Ela sentia muitas dores. Voltamos ao hospital e Lilian foi internada novamente, diagnosticada com início de trombose. O médico pediu para fazer o parto, que foi um sucesso. Lívia, hoje com 10 meses, nasceu com o mesmo olhar da mãe. Voltamos para casa e achei que os problemas tinham acabado.
Em um domingo, antes de dormir, ela disse que estava sentindo ‘um negócio estranho’. Achamos que era um mal-estar passageiro. Dormimos, mas fui acordado de manhã por ela em desespero, não conseguindo falar. Levei-a correndo ao hospital pela terceira vez. Não pude acompanhá-la, pois era o início da pandemia em São Paulo. Aflito, esperando do lado de fora com Lívia nos meus braços, Lilian me ligou, disse com dificuldade que estava com embolia pulmonar e princípio de pneumonia e pediu para comprar leite para nossa filha porque ela não poderia sair para amamentar.
Consegui transferi-la para um hospital que permitia visitas. Desde o início, a médica me alertou de que minha mulher poderia sofrer morte súbita. No dia seguinte, entubaram-na. Sem saber o que fazer, gravei um vídeo na internet contando o que estava acontecendo e pedindo orações. Eu tinha fé, achava que era só uma fase, que ela iria sair dessa. Mas quando a visitei, seis médicos estavam ao redor tentando reanimá-la. Fui até a capelinha do hospital rezar. Disse a Deus que, se fosse da vontade dele, poderia levá-la, mas que eu queria muito que ela ficasse com a gente.
Os médicos prometeram que continuariam tentando e que eu deveria ir para casa. Mal cheguei e me ligaram dizendo para retornar. Explicaram que tentaram de tudo, mas ela faleceu. Entrei em choque. Parecia que o que estava vivendo era uma mentira. Seis dias foi o tempo que Lilian pôde ficar com nossa bebê.
Fiquei sozinho com dois filhos e sem trabalho na pandemia. Sei que Deus ainda cuida da gente porque pessoas do Brasil inteiro que viram meu vídeo doaram fraldas, leite, roupinhas. Meus alunos fizeram uma vaquinha para mim. Paguei todas as minhas contas. Eu e Lilian já tínhamos contratado o buffet para o casamento. Planejava pedir a mão dela durante uma viagem de helicóptero em maio deste ano. Lilian era a mulher que fazia diferença na minha vida. Sempre tive o sonho de ter família e comer junto na mesa, mas saí frustrado do meu primeiro relacionamento. Com a Lilian, eu tinha conquistado isso. Ela cuidou de mim e dos nossos filhos como ninguém jamais cuidou e fez eu me sentir amado.
Não consigo esquecê-la. Quando minha filha me olha, é Lilian também olhando para mim. As fotos dela estão expostas pela casa e continuo usando nossa aliança de compromisso. Acredito que tudo tem um propósito e que ela cumpriu a missão dela aqui. Apenas agradeço todos os dias por ter tido a oportunidade de tê-la conhecido.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 24 de fevereiro de 2021, edição nº 2726