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“Acho que eu nasci de novo com essa exposição”, diz Eduardo Srur

Especialista em grandes intervenções urbanas, o artista visual retorna depois de dois anos com três instalações simultâneas e um estúdio inédito em sua casa

Por Tomás Novaes
Atualizado em 27 Maio 2024, 22h01 - Publicado em 13 Maio 2022, 06h00
Imagem mostra homem segurando pedaços de plástico coloridos. Uma pintura colorida à óleo está pendurada ao fundo
Cheirando a tinta fresca: trabalho às margens do Rio Pinheiros. (Leo Martins/Veja SP)
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É impossível errar a casa do paulistano Eduardo Srur, 47. Vazando por cima do muro branco da residência, um de seus famosos carrinhos de supermercado gigantes anuncia que ali é o recanto de um artista. Até a rua tem sua digital: o esqueleto de uma caçamba preenchida por vasos de plantas ocupa parte do asfalto.

Transbordando energia, Srur recebeu a reportagem da Vejinha no endereço próximo à Marginal Pinheiros, na Zona Sul, e mostrou seu novíssimo, ainda inédito, estúdio. Cheirando a tinta fresca, o espaço já está repleto de telas do artista, que começou sua carreira como pintor, antes de, no início dos anos 2000, se aventurar pelas intervenções urbanas.

Autor de instalações como a colocação dos famosos caiaques no Rio Pinheiros, de 2006, e as 360 boias com a frase “A arte salva” jogadas no espelho de água do Congresso Nacional, em 2011, ele retorna após dois anos com a mostra Vida Livre. Confira trechos da conversa sobre sua carreira e a nova exposição na Paulista e nos parques do Povo e Ibirapuera.

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No manifesto de Vida Livre estão relacionados o isolamento social e o lockdown com o aprisionamento de animais. Como a pandemia interferiu em seu processo de criação?

A pandemia me fez voltar às origens. Eu tenho uma formação acadêmica, trabalhei com pintura desde a época da faculdade, mas teve um momento da minha trajetória, por volta dos anos 2000, que comecei a me especializar em intervenções urbanas. Pela escala, pela liberdade que havia de trânsito nas linguagens — poderia fazer pintura, escultura, performance, vídeo, tudo de uma maneira integrada, e tinha a cidade como tela, como espaço de trabalho. Isso foi muito bem durante vinte anos, até nós sermos surpreendidos pela pandemia. Ou seja, todo esse mundo que eu tinha construído de intervenções foi por água abaixo, e eu voltei para o meu ateliê.

Que diferenças enxerga entre o Eduardo do início dos anos 2000, que decidiu entrar para as intervenções urbanas, e o de hoje em dia? Seu ímpeto e seu objetivo continuam os mesmos?

Diria que eu estou mais maduro, mais estruturado, focado no sentido de que, quando o mundo me deu a oportunidade de ir pra rua de novo, eu falei: “Agora eu vou fazer bem-feito”. É a primeira vez que eu consigo realizar uma grande exposição na cidade em três locais, com entregas simultâneas, obras que tenham um fio condutor mas que, na execução, na materialização, são completamente diferentes umas das outras. E isso exigiu uma capacidade de diálogo e de realização, de agentes, parceiros, outros profissionais envolvidos numa escala que nunca precisei. Minha resposta seria: me sinto com mais musculatura pra voltar pro espaço urbano e realizar obras para a sociedade.

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Qual o poder ou a funcionalidade que vem descobrindo nas redes sociais em relação a seu trabalho e especialmente em relação à exposição Vida Livre?

O bom profissional sempre está preocupado em manter o controle da situação até o final. Mas minha obra me mostrou justamente o oposto: tem um momento em que se perde o controle daquilo que se imaginava controlar e se é surpreendido por resultados nunca esperados. Sou apenas um agente catalisador, quem realiza a obra são os outros, é uma coautoria total. O fato de eu ser um artista independente me fez entender, por exemplo, que o Instagram é uma superferramenta de comunicação, comunicação com os outros. Explicar o que o trabalho quer dizer, fazer essas trocas.

“Artista tem de ter um grande esforço de desatar nós”

Depois de duas décadas fazendo suas intervenções, sente o impacto real que elas causam?

Acho que eu nasci de novo com essa exposição. Sim, eu estou surpreso com o resultado que elas me trouxeram durante o processo de montagem e execução, os bastidores, porque não existe mágica. Fazer uma árvore com 1 000 gaiolas no parque é uma grande tarefa. A negociação com os órgãos públicos, com as pessoas que cuidam do parque, é necessário energizar esses colaboradores, essas pessoas, convencer a sociedade de que aquela obra que não existe ainda é importante. Então, sim, continuo entusiasmado, acredito que essas obras têm um impacto na sociedade, fazem com que as pessoas reflitam, porque são pegas de surpresa no cotidiano.

Em entrevista à Vejinha em 2016, o senhor disse: “Como artista, eu admiro os erros da cidade”. Qual é o seu papel, como artista, diante desses erros?

Vou lhe falar com muita transparência: essa inquietação que tenho realmente vem com muita força com o erro. O erro me incomoda. O Rio Pinheiros na frente do meu ateliê é um incômodo para mim, é um erro. O Rio Tietê é um erro, uma Ponte Estaiada, de concreto, é um erro. Um pássaro preso e a sociedade aceitar isso passivamente é um erro. Ir ao zoológico e ter um bicho preso há trinta anos naquela jaula, que é o macaco Sansão, é um erro. Ir a um aquário e encontrar um casal de ursos-polares naquele cenário fake e as crianças se divertindo e rindo com acompanhamento de adultos, isso é um erro brutal, é indecente. Minhas obras são irônicas, e o ponto de origem é sempre o incômodo, e quero que elas causem isso nas pessoas, provoquem isso. Mas essa dose de ironia e essa provocação têm de ser equilibradas, senão ficam obras pesadas. O artista tem de ter um grande esforço de desatar nós — a gente já tem uma vida complicada para ficar criando mais nós.

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Como foi o processo artístico de Vida Livre?

Meu processo criativo é muito orgânico, e a inversão de papéis é a grande provocação dos trabalhos. Foram meses de pesquisa, de tentativas, erros e acertos que continuam. Por exemplo, estou pensando em derrubar aquela árvore. Qual é o grand finale de uma árvore que não deve existir? Ser derrubada. Eu posso derrubá-la, ela cai e se espatifa. Seria uma baita de uma performance, um encerramento corajoso. Dá pra fazer? Não faço ideia. Ou quem sabe fazer um burning jail e queimar tudo.

Como as questões da sua individualidade, do seu ego, não interferem nem se misturam nesse projeto amplo e coletivo proposto pelo senhor?

Poderia dizer que eu sou um artista bem resolvido. No sentido de já não ter questões pessoais para ficar explicando aos outros. Acho que as minhas questões são as questões que incomodam a sociedade: pessoas que não querem ver um pássaro preso em gaiola. No começo da minha carreira, tinha questões muito pessoais para resolver, eram introspectivas, de descobrimento, de iniciação. De repente, vem o Rio Pinheiros, que incomoda todo mundo. E o meio ambiente, e essa relação de desconexão que a gente tem com a natureza. Aí, descubro um campo realmente necessário para mim, e esse subjetivo se dissolve e passo a trabalhar em prol do coletivo, do que pode ser interessante para a sociedade.

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Publicado em VEJA São Paulo de 18 de maio de 2022, edição nº 2789

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