O meu caçula, Samuel, de 10 anos, passou a estudar neste ano em um colégio muito grande. Duas vezes por semana, ele almoça no local. Vou de metrô buscá-lo. Na volta, tento extrair informações a respeito do seu processo de adaptação. Não é fácil. Pergunto das aulas. Ele responde com generalidades. Diz que são ótimas. Todas? Todas. Americano de origem, eu me acho no direito de indagar sobre o curso de inglês. “Bom”, responde o garoto. O que fizeram na classe? “Uns bagulhos lá.” Pergunto do treino de futebol. Está bom também. Busco dados mais específicos, mas ele se esquiva como um peixe. No fim, foco a comida. O que você almoçou hoje?
— X-salada — responde, lacônico.
— X-salada!? E na terça, almoçou o quê?
— Coxinha.
— Coxinha!? — E o Pedro, comeu o quê!?
— Pão de queijo.
— Pão de queijo!? No almoço?
— Sim. Mas dos grandes.
— Nada disso é comida, Sammy — explico, lançando mão de uma distinção cara à cultura brasileira. — É tudo lanche— continuo, revelando a influência de quase trinta anos de vida como imigrante em São Paulo. — Por que você não almoça? Coma no quilo — continuo, ao descer para a Linha Verde do Metrô, na Estação Paraíso. — Sou grande fã do quilo. É fast mas é food. Não é lanche.
Mas, ao me sentar no vagão, fico com um pouco de remorso, e cai a ficha, como se dizia antigamente. Vou me arrependendo do autoritarismo culinário. O cardápio dos garotos faz sentido. Tivesse eu 10 anos de idade e a liberdade de escolha, tudo indica que começaria pelo x-salada, por coxinhas e pães de queijo da vida. Os meninos já comem brócolis, arroz, feijão e bife demais. Deixe-os.
— Mas, pai — diz o Sammy, ao se aproximar da Estação Trianon. — X-salada é, sim, comida. Tem carne. Tem tomate. Até alface.
— Não são os ingredientes que distinguem comida de lanche, filho — tento ensinar, preocupado, de repente, com o rigor conceitual da cultura brasileira.
— O que distingue, então?
— Talheres. Aquilo que se come no prato, com garfo e faca ou colher, é comida, basicamente. O resto é lanche.
— E pizza? Você sempre manda usar garfo e faca.
— Pois é. Bem lembrado. Eu mesmo já fiz essa pergunta. Pelo jeito, quem herda não rouba. A resposta que ouvi dos brasileiros, acho que foi da sua mãe, inclusive, é que pizza é pizza. É uma categoria especial. Um lanche que se come com talher. Mas não chega a ser comida.
Mudamos de assunto. Ufa. Chegamos ao nosso destino. Descemos na Estação Sumaré. Logo ali na frente há um pipoqueiro e um carrinho de milho verde. Esse milho de rua, com um tiquinho de margarina e sal, é, diga-se de passagem, uma iguaria. Sammy adora, tal como o pai. Pede autorização. O vendedor pergunta a ele se vai querer levar na mão ou no pratinho com colher. Sammy olha para mim com cara de sabido.
— É lanche — digo.
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