“Somente tiranias exigem desculpas dos inocentes”, diz Ronaldo Fraga
Estilista explica inspiração para uso de perucas de palha de aço em desfile e critica "patrulha ideológica" que o acusa de racismo
Conhecido por ser um amante da cultura brasileira e por criticar o padrão de beleza das passarelas, desta vez o estilista mineiro Ronaldo Fraga foi o alvo. Numa coleção inspirada no futebol, no desfile da São Paulo Fashion Week na última terça-feira (19), Fraga apresentou suas modelos vestindo perucas de palha de aço, o que acabou gerando uma polêmica nas redes sociais.
Em uma conversa na noite desta quinta (21), Fraga esclareceu no que se baseou para montar sua nova coleção de verão e reafirma que não foi, em nenhum momento, racista. Leia a seguir os principais trechos da conversa.
Você sempre fez críticas contra os padrões de beleza impostos pela moda. Como explicar para pessoas que não conhecem o seu trabalho a escolha da beleza no seu último desfile na SPFW? O objeto de pesquisa desta coleção foi o futebol brasileiro das décadas de 1930, 40 e 50. O ¨bombril¨ usado nas antenas de TV na tentativa de conseguir um melhor sinal de conexão nos anos 50 foi a referência para as esculturas usadas nas cabeças de todas as modelos do casting. Poderia até lhe dizer que era uma crítica ao racismo vigente nas primeiras décadas do esporte no Brasil, mas a ideia original não foi essa.
Você não acha que usar palha de aço lembrando os negros que fizeram história nos primórdios da história do futebol brasileiro não é ser conivente com o discurso racista? Pois incentiva e ressalta os aspectos sempre usados pejorativamente na história brasileira. Sempre coloco modelos brancas e negras nos meus desfiles. Não foi a primeira vez que a palha de aço foi utilizada. Em Eu amo coração de galinha, em 1996, e Quantas Noites não Durmo, em 2004, eu usei este recurso para dar forma aos cabelos conforme o tema daquela coleção. Esta situação é bem irônica, pois nos anos 30 os jogadores negros eram surrados em público quando cometiam falta, já que o futebol é de origem inglesa e vem de uma elite branca. Foi no Brasil que nasceu o futebol arte, por influência da capoeira, com os negros e mestiços em campo. Esta minha coleção fala justamente disto e acabei sendo taxado de preconceituoso. Isto até poderia parecer piada. Justo eu, mulato, filho de descendentes de escravos e defensor convicto da cultura brasileira, conivente com um discurso racista? Mas é muito sério quando revela uma patrulha ideológica que toma conta do país enquanto crianças negras e mestiças continuam sem condições de sentar no banco de uma escola de qualidade. O mundo não se resume a um desfile de moda! O corredor polonês que foi armado em torno desta questão nos coloca lado a lado à forma como os Estados Unidos tentam resolver seus conflitos raciais. Minha gente, nós nunca fomos assim… O que seria de Tarsila do Amaral ao pintar A Negra ou Os Mulatos, de Di Cavalcanti? Iriam para forca em companhia de Lamartine Babo.
Daqui pra frente, como você pretende lidar – pois Frei David Santos, diretor executivo da Educafro, disse que você devia desculpas pelo ocorrido – com a polêmica que o desfile gerou e como serão seus próximos trabalhos (que podem ser influenciados pela confusão)? Somente as tiranias exigem desculpas dos inocentes… acho que não é o caso.