CCXP lança cruzeiro temático e traz estrelas do cinema a São Paulo
Maior feira de cultura nerd do mundo, evento recebe artistas como Gal Gadot e Margot Robbie e inspira outras iniciativas pela cidade
Os nerds, que antes levavam a fama de cultivar uma vida social acanhada, tomaram a cidade. Um dos grandes indicadores desse avanço territorial aparece na CCXP, feira de quadrinhos, séries, filmes, jogos e cultura pop realizada por aqui desde 2014 e baseada na Comic Con de San Diego, nos Estados Unidos. A atração cresce em ritmo digno do The Flash. No ano passado, tornou-se a maior do mundo, superando a original americana.
Nos próximos dias 5 a 8 de dezembro, no São Paulo Expo, baterá recorde de público e reunirá 280 000 interessados. “É a primeira vez que os ingressos esgotam com três semanas de antecedência”, comemora Pierre Mantovani, CEO da Omelete&Co., responsável pela organização. De acordo com levantamento interno, a expectativa é que o evento movimente 265 milhões de reais na cidade.
A iniciativa faz parte de um pacote de diversas novidades e opções do mundo geek na capital. Ainda no setor de feiras, que também se espalham pela periferia, outra grande marca do segmento, a Geek Nation, planeja trazer duas atrações inéditas para cá em 2020: uma ação nos moldes da CCXP, entre 22 e 24 de maio (ingressos de 55 a 6 000 reais), no Transamérica Expo Center, onde espera receber 150 000 pessoas, e a Parada Geek Nation, festa de rua que ocupará o centro de São Paulo em 19 de abril. Muita gente capricha no figurino para visitar esses locais, o que mobiliza ainda profissionais que faturam na confecção de fantasias temáticas ou participam de concursos.
Em relação às compras, a Iron Studios virou o principal endereço nacional que vende itens colecionáveis, como figuras de super-heróis. Envia seus produtos para o mundo por um e-commerce, com base aqui e em Los Angeles, além de possuir uma loja nos Jardins. Agora, expande os negócios com um prédio de quatro andares e 1 000 metros quadrados no Itaim. A inauguração está prevista para o fim do primeiro semestre de 2020. Para entrar na onda da vez, confira a seguir eventos e negócios que andam movimentando os nerds paulistanos.
PARA O ALTO E AVANTE
Com ingressos esgotados, CCXP vira ímã de astros e anuncia cruzeiro temático
Cerca de três semanas antes de a CCXP estrear, seus 280 000 ingressos já estavam esgotados — a entrada mais barata custava 240 reais, no último lote, e o pacote para os quatro dias, cerca de 1 200 reais. Quem garantiu o acesso à feira de cultura pop terá a chance de se aproximar de estrelas como a australiana Margot Robbie, em um painel sobre o filme Aves de Rapina, a israelense Gal Gadot, com Mulher-Maravilha 2, os atores da série A Casa de Papel e do longa Star Wars: a Ascensão Skywalker, além do canadense Ryan Reynolds, de Esquadrão 6.
A primeira edição da CCXP, em 2014, já era um prenúncio do sucesso que viria: de 20 000 participantes esperados, surgiram mais de 90 000. Mas Erico Borgo, diretor de conteúdo, lembra que era preciso batalhar para trazer as atrações. “A gente tinha a pré-estreia de O Hobbit, e o cinema no qual o exibimos deu vergonha.” Em 2019, o grupo deve somar 160 horas de programação, com mais de quarenta delegações vindas do exterior.
No centro da São Paulo Expo, aparecerá a Artists Alley, área em que os 500 artistas selecionados vão exibir e vender suas obras. Os que não foram convidados desembolsaram de 450 a 3 000 reais pela mesa de exposição. A curadoria levou a assinatura de Ivan Costa, dono da agência Chiaroscuro, que é uma das sócias do evento. Entre as estrelas esperadas estão Frank Miller e Neal Adams, responsáveis por quadrinhos do Batman.
A lista dos lugares mais procurados pelos frequentadores inclui ainda os pontos de venda de produtos temáticos, como colecionáveis, vestuários etc. No ano passado, cada participante desembolsou, em média, 300 reais em busca das melhores lembranças. Apenas do universo Harry Potter foram vendidos mais de 18 000 itens — falando nisso, haverá duas estátuas referentes à saga, uma do bruxinho e a outra de seu inimigo Voldemort.
“Na onda da nostalgia, não é raro ter gente dormindo na fila para comprar algo”, afirma Renan Pizii, dono da Iron Studios, a principal loja por lá. Na próxima edição do evento, os fãs contarão com peças de 120 a 11 000 reais, no caso da reprodução de uma cena de Jurassic Park. A Iron, hoje com endereço nos Jardins, planeja expansão para um prédio de quatro andares, no Itaim Bibi, em 2020.
Em relação à ampliação da CCXP, sem muito espaço para crescer além dos 115 000 metros quadrados do pavilhão que já ocupa, a marca quer exportar seu formato para outros países e lançar o primeiro cruzeiro, no trajeto Santos-Búzios, pela MSC Cruzeiros, em março de 2021. “Vai funcionar nos mesmos moldes, com artistas, painéis, estreias de filmes, concurso de cosplay e bailes”, adianta Mantovani. Os pacotes, que começam a ser vendidos em 9 de dezembro para o público geral, custam a partir de 2 750 reais.
INICIATIVAS SE MULTIPLICAM
Festivais alcançam periferia da cidade e catequizam novo público
Não é todo fã que consegue bancar os ingressos da CCXP. Nem todo artista pode pagar para expor seus trabalhos lá. Esse vácuo, fortemente presente nas periferias, fez com que jovens apostassem na criação de iniciativas colaborativas para levantar outras feiras. A PerifaCon, idealizada por uma moçada do Capão Redondo, na Zona Sul, levou 4 000 pessoas a sua primeira edição, em março deste ano. O evento está de malas prontas para ocupar a Cidade Tiradentes, na Zona Leste, nos dias 11 e 12 de abril. “A gente quer quebrar barreiras e estereótipos”, afirma Igor Nogueira, um dos idealizadores da festa.
A iniciativa tem trabalhado para unir artistas e marcas. Exemplo disso é a Feira Preta, no Memorial da América Latina, que terá uma barraca da Perifa com expositores selecionados por meio de edital. Foi com esse sistema, inclusive, que se deu a escolha dos sete quadrinistas que, com custeio da Editora Mino, lançarão graphic novels na Cidade Tiradentes. Na mesma toada, ocorreram a OcupaCon, em julho, em Ermelino Matarazzo, e a PalafitaCon, em agosto, na Baixada Santista. As ações atraíram centenas de jovens e devem se repetir em 2020.
Pensando em difundir essa cultura, o professor Jonatas Varela, aficionado e colecionador de quadrinhos, decidiu compartilhar seu tesouro. Com financiamento da prefeitura, conseguiu comprar uma Kombi, que batizou de Prateleira de Quadrinhos. Ali, montou uma biblioteca de gibis ambulante. Ainda no setor de feiras, essas maiores e com ingressos que costumam partir dos 50 reais, a Brasil Game Show (outubro), voltada para os jogos, e a Anime Friends (julho), focada em desenhos japoneses, darão o ar da graça novamente em 2020. Também surgem iniciativas da Geek Nation, uma delas nos moldes da CCXP e outra em forma de parada temática no centro.
REVOLUÇÃO DOS QUADRINHOS
Artistas da Grande São Paulo ganham notoriedade, dão fôlego ao mercado nacional e colaboram com Marvel e DC Comics
Lembra do Astronauta, personagem do universo de Mauricio de Sousa? O paulistano Danilo Beyruth, 46, foi o artista responsável por transformá-lo em protagonista de uma premiada graphic novel (HQ em formato de livro). A série, em parceria com os estúdios de Mauricio, deve virar uma animação pelas mãos da HBO.
Beyruth, que já trabalhou na área de publicidade, começou a investir nos quadrinhos “tarde”, depois dos 30 anos. Entre as produções próprias, o cangaço de Bando de Dois (2010) e a fantasia de Samurai Shirô (2018) chamaram a atenção da Marvel, e ele acabou sendo convidado a colaborar com a editora. O quadrinista desenhou para séries como Deadpool, Carnage e Demolidor.
Paulistano, Gabriel Picolo trabalhava como recepcionista de um hostel quando decidiu se desafiar: ao longo de 2014, publicaria diariamente uma ilustração nas redes sociais. A tarefa ousada foi concluída, e ele ganhou uma legião de fãs com os desenhos. Hoje, com 25 anos e 2,5 milhões de seguidores no Instagram, conseguiu angariar 600 000 dólares por meio de financiamento coletivo para lançar Icarus and the Sun, webcomic (quadrinhos veiculados na internet) que teve início em 2016.
A viralização dos personagens adolescentes de Jovens Titãs rendeu parcerias com a DC — o primeiro volume, Teen Titans: Raven, está na quarta edição nos Estados Unidos. O segundo livro, inspirado em Mutano, estará à venda em 2020.
Na prancheta de Ivan Reis, 43, está sendo desenhada uma das grandes reviravoltas do Superman: o herói deve revelar a sua identidade à humanidade e passar a viver como um de nós. “Não posso adiantar muito”, diz Reis. O resultado deve sair pela DC Comics em dezembro.
Ele trabalha desde os 19 anos para o mercado americano e realizou o sonho de desenhar seus heróis preferidos. Teve o nome nos créditos das revitalizações de Lanterna Verde e Aquaman — ambas culminaram em produções cinematográficas. “O Brasil virou um exportador de talentos, mesmo sem dar espaço a eles.”
Germana Viana, 47, decidiu aos 14 que queria ser quadrinista, mas demorou a se ver pronta para dar o salto. O mercado, com vários nichos e dominado por homens, também não ajudou. Ela começou fazendo ilustrações para livros e atuou como designer. Em 2013, durante uma feira de quadrinhos em Belo Horizonte, recebeu o pontapé de que precisava.
Um amigo mostrou seu trabalho ao lendário George Pérez, que desenhou para Marvel e DC. Ele gostou do que viu. Voltada para a temática feminista, Germana lançou, no mesmo ano, Lizzie Bordello e as Piratas do Espaço, uma aventura de quatro mulheres pelo cosmo. Comanda agora a coletânea Gibi de Menininha, em parceria com outras quadrinistas e explora o gênero de terror. O segundo volume será lançado na CCXP.
Pouco mais de um ano atrás, o ilustrador Danyel Lobo, 27, se sentiu seguro o suficiente para dar espaço a Savana, drag queen que criou na época. Sempre atento à cultura pop, passou a formar portfólio e a focar seu olhar artístico na diversidade e inclusão, não apenas pela bandeira do gênero, mas também pela da representatividade negra.
“Já perdi vagas de trabalho por ser mulato, vi pessoas atravessando a rua para não cruzar comigo”, conta ele, que estreia na Artists Alley da CCXP com trabalhos inspirados em personagens como RuPaul e Pabllo Vittar. “Estou nervoso, mas não penso na rejeição.”
VIVENDO DE FANTASIA
Cosplayers e cosmakers encontram mercado rentável na participação de eventos e na confecção de roupas temáticas
“O cosplayer é tão fã que se transforma no personagem”, define Marcelo Forlani, responsável pela competição que coroa as melhores caracterizações e representações de figuras da cultura pop durante a CCXP. A prova, com doze finalistas previamente votados no site do evento, premiará o dono da fantasia e da performance vencedoras com um carro zero-quilômetro.
Trata-se de apenas um exemplo do ecossistema rentável organizado ao redor dessa cultura. Quem consegue criar uma identidade com o personagem que encarna, assim como Wellington Silva e sua representação do Pantera Negra, encontra um mercado crescente. O artista, de 32 anos, também produz fantasias, dá consultoria, se exibe em festas e trabalha como apresentador e jurado de concursos do gênero. “Ninguém quer tirar foto comigo, mas com o Pantera”, conta.
Para alcançarem o nível de perfeição das roupas e acessórios que vemos nas telonas, os chamados cosmakers, aqueles que produzem as vestimentas, têm aliados essenciais. Borracha, cola quente, agulha e linha e até fitas de LED ajudam na tarefa. O trabalho, que exige meticulosidade e precisão, formou profissionais especializados, caso da autodidata Larissa Batista, 24.
Lai Cosplay, como é conhecida, começou há oito anos, criando figurinos para ela mesma usar. Quando os pedidos dos amigos passaram a se acumular, decidiu montar um estúdio a fim de desenvolver as peças sob medida. Hoje, os clientes em potencial pedem orçamento pelo Instagram e preenchem uma tabela com medidas e referências. Cada roupa pode demorar mais de um mês para ficar pronta e custa entre 400 e 3 000 reais. Atualmente, Larissa produz sete. “As encomendas disparam na época dos eventos.”
Matheus Gaspar, 24, é outro jovem que encontrou um filão na área. Especializou-se em “macacões” como o do Homem-Aranha. Na Studio Hero BR ele desenha tudo no computador e manda para uma gráfica, que transfere a tinta do papel para o tecido. Depois dessa etapa, é possível incluir sola, máscara de plástico para dar formato ao rosto, tecido colorido… Tudo isso vai elevando o preço das peças, que varia de 400 a 2 000 reais. Para conseguir acompanhar a demanda, Gaspar tem três auxiliares. Foram treze encomendas em novembro. “A gente pede cinco semanas para entregar, pelo trabalho manual complexo.”
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 04 de dezembro de 2019, edição nº 2663.