Beatriz Milhazes ganha megaexposição no Masp e no Itaú Cultural
Autora da obra mais cara de um artista brasileiro vivo comemora 30 anos de carreira com cerca de 170 telas, gravuras e colagens, incluindo inéditas
A famosa Avenida Paulista dá nome à megaexposição da carioca Beatriz Milhazes, 60, feita em conjunto pelo Itaú Cultural e pelo Masp e orçada em cerca de 2,2 milhões de reais. As instituições, localizadas também na referida via, inauguram seus braços da mostra nesta sexta (11) e no dia 18, respectivamente. “Vai ter duas telas de 1989 e a partir daí será coberta cada uma das três décadas da minha trajetória, olhando para pintura, gravura e colagem”, adianta a artista, que produziu uma tela homônima da exibição, com 2,5 metros de altura. O ponto de partida dessa empreitada com mais de 170 obras reunidas ocorreu em 2018, quando ela recebeu o convite para duas exposições distintas. Uma, no Itaú Cultural, com curadoria de Ivo Mesquita. A outra, no Masp, sob o comando do diretor artístico Adriano Pedrosa e da curadora assistente Amanda Carneiro. Beatriz conhecia Mesquita desde a histórica Como Vai Você, Geração 80?, realizada no Parque Lage, em 1984. Já Pedrosa foi seu aluno na escola no próprio Parque Lage. Entre amigos, ela sugeriu então unir as iniciativas. Para alegria dos visitantes paulistanos, foi ouvida pelas partes.
+Assine a Vejinha a partir de 6,90
A artista iniciou os preparativos da exibição na quarta (9), depois de uma viagem de carro de mais de seis horas para a capital paulista. Evitar o avião foi uma forma de prevenção da Covid-19: “Uso máscara na montagem o tempo todo, faço questão de estar assim na capa da revista. É preciso mostrar o Brasil que está se protegendo.”
TRÊS DÉCADAS DE BEATRIZ MILHAZES
Beatriz iniciou seu namoro com São Paulo em 1988, quando realizou aqui, não em seu Rio natal, sua primeira mostra individual na extinta galeria Suzanna Sassoun. “Foi um momento importante, mas eu achava que eu tinha tanta coisa para explorar”, relembra a artista, que um ano mais tarde criaria uma técnica nomeada por ela de monotransfer. Trata-se da aplicação de tinta acrílica em uma tira de plástico transparente, que depois é “carimbada” na tela. Uma maneira de fazer pintura, sua linguagem-mãe, mas longe do gesto e do pincel. Graças a essa espécie de decalque, conseguiu criar sobreposições singulares. Depois disso, ela iria bem longe, viria a participar das bienais de São Paulo, em 1998 e 2004, e de Veneza, em 2003, e figurar em acervos internacionais relevantes como o do MoMA (Museu de Arte Moderna), de Nova York.
PASSEIO PELA EXPOSIÇÃO
Outra característica da produção é a forma como ela conjuga, sem criar hierarquias, a explosão de cores do carnaval carioca e as pinturas faciais da etnia indígena Kadiwéu com a história da arte ocidental, com destaque para o período barroco e a influência de artistas como Henri Matisse (1869-1954) e Tarsila do Amaral (1886-1973). “As obras apelam aos sentidos, mas são calcadas no pensamento racional, geométrico, vindo dos movimentos concreto e minimalista”, explica Mesquita, que no Itaú Cultural orquestra gravuras e colagens, a exemplo de Flor de Margarida em Vermelho, Pink e Lilás (2019) e Giro Horizontal (2019). Seu comentário rebate críticas negativas à carioca. Em 1990, o crítico Otávio Tavares de Araújo, no jornal O Estado de S. Paulo, disse: “O crescimento de Beatriz também tem sido imenso, em quatro anos, mas em seu caso, surgem algumas dúvidas sobre a tendência que a arte dela está abraçando: elementos ostensivamente decorativos transformados em pintura. Mesmo partindo do princípio de que a arte deva ser fonte do prazer, é um prazer específico que não ultrapassa a gratificação dos sentidos”. Ao longo dos anos, questionamentos assim se repetiriam, mas de forma anônima. Se somaria à resistência estética uma espécie de preconceito gerado pelo expressivo sucesso comercial da carioca. Em 2012, Meu Limão (2000) foi vendida por 10 milhões de reais em um leilão da Sotheby’s, tomando para si o recorde da obra mais cara de uma artista brasileira viva. Em 2016, Beatriz quase bateu sua própria marca, ao ter Summer Love — Gamboa Seasons (2010) negociada por 22 milhões de reais na SP-Arte. “Ao final da feira, a compra não se concretizou. Era um trabalho consignado, parte de uma coleção particular, não sei dizer se a venda foi feita posteriormente”, detalha o galerista Ulisses Cohn. Ainda figuraria na lista de parcerias colaborações com a loja inglesa Selfridges, em 2007, e a francesa Louis Vuitton, em 2020.
OS LOUROS DE MILHAZES
“Ela reinventa o trabalho o tempo inteiro, encontra novos problemas e cria soluções que a gente nunca viu”, afirma Pedrosa. No Masp, haverá cerca de noventa obras, incluindo Belezinha (2011) e O Bailarino (2019). Essa última, com 2 metros de altura, estará em estruturas inspiradas nos cavaletes de cristal de Lina Bo Bardi (1914-1992). O novo projeto tem bases de metal e placas de MDF, cobertas por linho branco, permitindo apresentar duas obras, na frente e no verso de cada armação. Também nesse núcleo está Avenida Paulista (2020), produzida na pandemia e doada ao museu. “Os títulos que ela dá não são indicativos. Têm uma dimensão poética, criando uma atmosfera paralela ao que é visto”, adverte Amanda, que também assina a curadoria. Em tempos de isolamento, Beatriz mudou seus processos: “Fiquei três meses trabalhando em casa. Pela primeira vez, fiz o esboço da pintura em um papel. Quando voltei ao ateliê é que comecei a tradução. Desenhar é quase uma escrita, você pode criar coisas mais imaginativas”. Adepta de musculação, pilates e caminhada para dar conta da rotina intensa de trabalho, deixa um conselho a quem a admira e deseja traçar o caminho artístico: “Mantenha o foco sempre, todas as áreas da minha vida são pensadas a partir da minha pintura”.
CRIATIVIDADE EM FAMÍLIA
Beatriz se nutriu já em casa da música popular brasileira e da história da arte
Beatriz Milhazes, Avenida Paulista
Masp. Av. Paulista, 1578, 3149-5959. Terça, 10h às 19h30, quarta a sexta, 13h às 18h30; sábado e domingo, das 10h às 17h30. R$ 44,00. Grátis às terças e quartas até 30 de dezembro. De 18 de dezembro a 30 de maio de 2021. Agendamento: tinyurl.com/qkmez55
Itaú Cultural. Av. Paulista, 149, Bela Vista, 2168-1777. Terça a sexta, 13h às 19h; sábados e domingos, 10h às 16h. Grátis. Até 30 de maio de 2021. Agendamento: tinyurl.com/y232fs8u
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 16 de dezembro de 2020, edição nº 2717.