“A cultura nunca esteve tão viva como atualmente”, diz diretor do Sesc

Danilo Santos de Miranda afirma que pandemia antecipou o Sesc Digital e que planos são reabrir unidades só quando houver 70% de vacinados na população

Por Barbara Demerov
Atualizado em 27 Maio 2024, 19h56 - Publicado em 9 jul 2021, 06h00
A imagem mostra Danilo em cima de um palco. No fundo, é possível ver cadeiras vazias de um teatro.
Longa trajetória: no Sesc São Paulo desde 1984 (Adauto Perin/Divulgação)
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Há 37 anos à frente da direção regional das 43 unidades do Sesc no estado de São Paulo — de Pinheiros a Ribeirão Preto — e no comando de um orçamento de cerca de 2,5 bilhões, o sociólogo Danilo Santos de Miranda, 78, encontrou desafios nos últimos tempos. Desde que as unidades foram fechadas devido à pandemia, em março de 2020, Miranda pôs ainda mais em prática o objetivo do Sesc: levar cultura para todos, sem restrição de formação, local ou idade. A instituição, que comemora 75 anos em setembro, permanece fechada ao público geral, mas a presença da plataforma Sesc Digital ganhou força no período de distanciamento e provou ser uma aliada no pós-pandemia.

Logo no início da pandemia, as unidades do Sesc foram fechadas e, em abril de 2020, tivemos a chegada do Sesc Digital. Como se deu o processo de pôr a plataforma no ar?

Nós já estávamos nos preparando há um tempo para o lançamento do Sesc Digital. O projeto pretendia reunir três grandes linhas, sendo que a primeira é o fato de termos um acervo numeroso, com muitos materiais que produzimos ao longo dos anos. A segunda diz respeito à prestação de serviço: tudo o que envolve o que a pessoa pode fazer em casa, independente da pandemia. Inscrições, pagamentos, matrículas. A terceira linha é a informação sobre as unidades e o trabalho no geral. Esses três pilares estão à disposição na plataforma digital. Quando a pandemia chegou, em março de 2020, resolvemos lançá-la logo em abril, do jeito que ela estava, incluindo os materiais da TV Sesc. É uma ferramenta realmente robusta, que substitui o presencial em partes, mas não no todo.

Haverá um equilíbrio no futuro entre produções on-line, no Sesc Digital, e as presenciais, que acontecem nas unidades?

Sem dúvidas, porque construímos uma plataforma aberta e que está conquistando um acervo cada vez maior. Temos tido um resultado excelente, mas o presencial para o Sesc é essencial. Algumas unidades, inclusive, estão parcialmente abertas mediante a pré-agendamento, para um número bem reduzido de pessoas. Isso está acontecendo com quem quer fazer ginástica, comer algo no restaurante ou até ver uma exposição. Nós também temos um grande programa para recolher alimentos e ajudar aqueles que têm fome, chamado Mesa Brasil, e as pessoas podem entregar comida presencialmente no Sesc. Mas a ideia das pessoas irem às unidades sem uma programação prevista não está acontecendo ainda.

Não há previsão de o Sesc reabrir suas unidades em São Paulo e no Brasil todo?

Temos o plano de reabrir a partir do momento em que 70% da população no país estiver totalmente imunizada. Levamos o cuidado a sério e já tivemos testemunhos de pessoas que voltaram às unidades com o agendamento. Elas dizem: “Se o Sesc já está reabrindo com cuidado, sabemos que não corremos perigo”. No momento, a parte virtual está sendo realizada de forma positiva, mas a presencial será retomada para que as pessoas voltem a usufruir os nossos serviços, se envolver e assistir a uma peça de teatro. Não se faz cultura e educação somente com o virtual. Tem de ter o pulso direto, batendo um do lado do outro. Para mim, isso é fundamental. Mas o digital veio em boa hora porque o processo do Sesc Digital estava adiantado e aproveitamos o momento de quarentena para lançá-lo. A pandemia ameaça muitas coisas do ponto de vista sanitário, mas ela permitiu que expandíssemos o alcance através da tecnologia. No futuro, teremos uma mistura dos dois. Fomos forçadamente treinados para isso.

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“Fechar um museu ou desrespeitar uma organização que tem papel cultural importante na preservação da comunidade negra, como a Fundação Palmares, é desrespeitar o brasileiro”

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Quão desafiador foi manter a cultura ao alcance do máximo de pessoas neste momento delicado?

Foi desafiador porque não dominávamos toda essa tecnologia, apesar de ela já estar à disposição antes da pandemia. A impossibilidade de a equipe não estar junto também foi um desafio, porque o olho no olho é importante. Mas o Sesc ganhou mais habilidades. Aperfeiçoamos técnicas na produção de peças de teatro e também na linguagem ao captarmos produções on-line, como lives de música. Com isso, atingimos pessoas de fora do país. Isso nos ajuda muito e já se tornou frequente. Nosso salto a distância agora é maior. Além disso, a pandemia trouxe uma característica interessante: ela destacou ainda mais a importância da solidariedade. De fato, nós nos cuidarmos é importante, mas não é o suficiente. Temos de cuidar do outro também. O Sesc tem esse papel neste momento.

Como o senhor vê o papel da cultura na vida das pessoas?

A cultura é essencial em qualquer situação. Por mais que tenhamos problemas — falta de financiamento, apoio governamental ou privado —, ela sempre vai resistir porque é inerente à identidade da população brasileira. Se a considerarmos no sentido das artes, naquela parte que lida com o simbólico, a inteligência e a criatividade, não há perigo de alguém chegar e dizer: “Acabou”. Você pode cortar financiamento, fechar todos os museus do mundo… A cultura vai resistir. É importante dizer que, em consideração ao ser humano, a arte tem de ser apoiada, administrada e financiada. Qualquer um que faça o contrário comete um equívoco grave contra a população. Não há benefício algum. Fechar um museu ou desrespeitar uma organização que tem papel cultural importante na preservação da comunidade negra e suas tradições, como a Fundação Palmares, é desrespeitar o brasileiro. Nossa cultura precisa do apoio das administrações públicas em todos os níveis. Tudo tem de ser levado em conta neste momento, mas não há perigo de a cultura desaparecer.

E é interessante observar que o consumo da arte e do entretenimento só aumentou neste último ano devido ao isolamento.

Sim, com certeza. O isolamento nos fez consumir mais música, filmes, séries e livros. Na verdade, a cultura nunca esteve tão viva como está atualmente. É absurdo achar que ela nos leva a pensar contra a família, o coletivo. Refletir sobre a nossa realidade só nos faz engrandecer enquanto sociedade, só faz com que uma pessoa seja mais capaz de ter autonomia, de pensar por si mesma e de escolher melhor as suas opções. Inclusive até as opções daqueles que devem dirigi-la.

O Sesc completa 75 anos em 2021. Qual é o maior legado da instituição?

O legado do Sesc é inclusão e diversidade, e tenho até um exemplo para dar: nos anos 2000, iniciamos o programa Internet Livre, quando a tecnologia não era tão ampla como hoje. Ele facilitava a comunicação, ajudava as pessoas a mandarem currículos etc., e às vezes um garotinho entrava na sala para jogar games, enquanto ao seu lado estava um executivo de uma multinacional. Isso aconteceu no Sesc, da mesma forma como jovens já ensinaram adultos a usar um computador. Queremos abrir a porta e fazer com que as pessoas participem daquilo que quiserem: desde aulas de esporte até fazer teatro. O Sesc busca trazer a inclusão absoluta para o maior número de pessoas, independente da idade.

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Publicado em VEJA São Paulo de 14 de julho de 2021, edição nº 2746

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