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A Copa É Nossa

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 15h16 - Publicado em 7 fev 2014, 17h17

Em 1994 fui convidado a passar quarenta dias nos Estados Unidos, de onde deveria enviar, dia sim, dia não, uma crônica sobre a Copa para o jornal O Estado de S. Paulo. Havia muita polêmica em torno do país-sede na época. Duvidava-se da capacidade de os americanos receberem o evento. Onde se viu, reclamavam os brasileiros, e todas as nações boleiras, imagino, fazer o Mundial em um lugar que nada entendia de futebol, que nem sequer gostava do esporte? Eram tão “sem noção” os gringos que a Fifa tivera de obrigá-los a trocar o piso sintético de alguns estádios pelo gramado natural — contra a vontade dos anfitriões. As partidas seriam espalhadas por distâncias continentais. Na melhor das hipóteses, o Brasil teria de jogar na Califórnia, na costa oeste, em Detroit, na divisa com o Canadá, e em Dallas, quase no Caribe, antes de voltar para o lado do Oceano Pacífico.

Como se não bastasse, a dez dias do início do evento, os anfitriões resolveram proibir a entrada em seu território de uma remessa grande dos pertences de feijoada, que serviria de base para a alimentação do escrete canarinho. A vigilâncias anitária americana não permitia a importação de carne de sol ou, quiçá, orelha salgada de porco, não lembro qual. Criou-se um impasse diplomático. Alguns viam na proibição uma tentativa de sabotar a seleção brasileira. Imagine se os jogadores fossem obrigados a se alimentar da comida americana! Não renderiam nada. O Itamaraty foi acionado. No fim, resolveu-se a “crise da feijoada”.

Não faltava assunto. Fazia 24 anos, àquela altura, que o Brasil não ganhava uma Copa. Os torcedores nacionais andavam nervosos. O técnico era Carlos Alberto Parreira. Todos, menos eu, criticavam seu esquema tático, tido como muito defensivo e feio. Outros desconfiavam do empenho do atacante Romário. Muitos pediam a entrada do Ronaldo, então com 17 anos de idade. Os jogos eram tensos, com destaque para a partida contra o time americano, nas oitavas, eliminatórias, portanto, disputada no feriado de 4 de julho, em Stanford, no então nascente Vale do Silício. Havia maisde 84 000 torcedores no estádio. O único gol saiu aos 27 minutos do segundo tempo, ufa, dos pés do Bebeto. Torci, sim, pelo Brasil, e muito.

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De volta ao hotel, após o jogo, do qual tentava extrair um texto, toca o telefone. Do outro lado da linha está o comentarista esportivo Juca Kfouri, que eu havia conhecido muitos anos antes, quando ele dirigia a revista PLACAR. Quer saber de mim como um país onde não se vê sinal algum da Copa na rua, ou quase, muito menos nenhuma expressão espontânea de entusiasmo, onde nem sequer passavam todos osjogos na TV, consegue lotar os campos daquele jeito. “Não lhe parece paradoxal?”, pergunta.

Não consegui responder direito. Mas aquilo ficou na minha cabeça. Os americanos não fizeram feio com a Copa. Correu tudo bem, sem sobressaltos. Mas bom mesmo, pensei à época, seria receber o Mundial. O bicho iria pegar. Seria festivo, carnavalesco, cheio de entusiasmo e confusão, um baita de um evento. Não vejo a hora de começar.

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