Talento que se reinventa
De industrial a artista multiplataformas, o catarinense Jay Boggo encontrou na capital paulista seu lugar no mundo
Ele já foi um empresário bem-sucedido do ramo de confecção, fazendo parte da engrenagem da moda — indústria que está entre as mais poluentes do mundo. Hoje, produz roupas de fibras naturais, sem gênero e com modelagem inclusiva, e é signatário do Pacto Global pela sustentabilidade com sua linha de móveis. O designer Jay Boggo, 45, tem uma capacidade extraordinária de se reinventar. E, nos últimos anos, é exatamente o que vem fazendo.
No fim de setembro, Jay participou do evento SDGs in Brazil (Sustainable Development Goals in Brazil), em Nova York, a convite do Pacto Global da ONU — Rede Brasil. Na ocasião, falou de seu trabalho junto a iniciativas socioambientais para promover a economia circular no estado do Pará através do mobiliário sustentável. “Estar em um palco, na sede da ONU, diante de líderes globais foi uma grande realização”, diz Jay, que é um novato na área: foi em 2023 que, a convite da fabricante de móveis de madeira certificada Vestígios da Amazônia (Vedac), ele se aventurou pela primeira vez na marcenaria. “Eu digo que fui brincar de desenhar móveis, mas não consegui: só sei fazer as coisas de forma séria”, comenta o artista, que já tem peça no acervo do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e é representado pela galeria Emporium Brazil Design, em Miami.
Feitos com troncos e galhos de madeiras nobres descartados pela indústria, os móveis da linha Vedac by Jay Boggo têm a produção certificada pelo Forest Stewardship Council (FSC). “Cada peça da minha coleção de móveis escultóricos carrega a essência do tempo e da força dos elementos, onde o design encontra a arte”, diz o designer-escultor, que faz questão de valorizar as formas reais da natureza, com todas as suas “imperfeições”. O acabamento é feito pelo processo da carbonização, que diminui a necessidade de usar produtos químicos.
Nada mal para quem, em 2017, encerrou as atividades de sua empresa — que funcionou por quinze anos em Blumenau e chegou a produzir 8 000 peças por dia, para marcas como a Zara — para repensar a carreia e seus propósitos. A crise pessoal foi profunda e o fez questionar o estilo de vida de maneira radical. Em pouco tempo, terminou um relacionamento de quinze anos com a mãe de seus dois filhos e deixou Blumenau, onde nasceu, para se instalar em São Paulo. E foi aqui onde finalmente se encontrou, como pessoa e profissional. Junto com um novo homem, seguro da própria sexualidade, nasceu um criador multitalentos, muito mais responsável social e ambientalmente.
Parte importante do processo de transformação de Jay, a marca de moda J.Boggo+ foi pensada para ser o mais sustentável possível. A modelagem das peças, por exemplo, privilegia o conforto e é capaz de vestir diferentes dimensões e formatos de corpos. Não há uma grade de tamanhos e a definição de gênero deixou de ser uma preocupação. “Eu não acredito mais na fórmula da moda tradicional. Hoje, quero que a minha roupa seja usada e oriento os clientes a cuidarem bem delas, para não precisar comprar tanto”, diz Jay, que tem uma loja no bairro de Pinheiros. Ali é possível conhecer não apenas as roupas, mas os móveis e quadros criados pelo designer, que, neste ano, realizou o sonho de vestir dois de seus ídolos: Gilberto Gil e Alcione. “Foi um presente ver a minha roupa na foto de lançamento da nova turnê de Gil, Tempo Rei”, derrete-se.
Já a cantora Alcione usou uma longa capa de tricô e veludo da J.Boggo+ em um ensaio fotográfico para a revista CLAUDIA, da Editora Abril. Além deles, os atores Reynaldo Gianecchini, Bruno Gagliasso e Taís Araujo também já foram vestidos pelo designer.
Hábito adquirido como hobby durante a pandemia, a pintura acabou se tornando uma atividade regular em sua vida. “Não fiz nenhum curso de arte. O meu processo é intuitivo e acredito que tenha uma conexão espiritual”, afirma Jay, que diz não querer mais viver em razão do faturamento. “Hoje, trabalho com muito mais tesão e vejo que uma arte alimenta a outra”, afirma. “Posso me sentir cansado, mas nunca mais me senti frustrado.” O autoconhecimento foi libertador.