Roma de pura gula
A cidade tem quinze restaurantes estrelados que a tornam obrigatória na agenda de todo bom garfo
Nenhuma culinária ocidental foi tão assimilada nem influenciou tantas outras mundo afora quanto a italiana. Uma de suas receitas mais difundidas, o macarrão ao molho de tomate, tornou-se um prato universal. Era de esperar, então, que Roma fosse não só a capital da Itália, mas o epicentro da alta cozinha do país peninsular, certo? Não é bem assim. Embora se coma muito bem na Cidade Eterna, ela nunca foi reconhecida pelo refinamento encontrado em Paris, nem pela vanguarda que projetou Barcelona, nem pelo recente prestígio alcançado por Londres. Métrica para avaliar o desempenho da boa mesa, o Guia Michelin mantém nos últimos oito anos um único restaurante cotado com suas três estrelas máximas na capital monumental. É o La Pergola, que fica no interior do luxuoso hotel Rome Cavalieri — Waldorf Astoria Hotels & Resorts e é dirigido pelo chef Heinz Beck.
Ungido imperador da cozinha romana, Beck surpreende por não ser nativo, mas alemão nascido na região de Tübingen — o “cuoco tedesco”, como cansei de ouvir por lá. Conta pontos para ele o fato de estar casado com Teresa, uma siciliana que o “naturalizou”. Sem perder a mão nessa quase uma década de reinado, o cozinheiro continua a impressionar quem faz reserva no restaurante da cobertura do albergue de luxo, de onde se desfruta uma vista estonteante. O chef segue recriando clássicos italianos, mas mantém o que eles têm de melhor: intensidade de sabor e simplicidade. Moderno na medida, seu prato de resistência hoje parece simples, mas representou uma pequena revolução ao levar o molho para o interior do macarrão. Trata-se do fagottelli la pergola, um ravióli recheado de carbonara. Cada unidade deve ser provada inteira para que o fino envelope se rompa com uma única mordida e provoque uma explosão capaz de envolver todo o paladar. Depois de degustar o menu em nove etapas por 210 euros, com sugestões como o tonno tonnato — atum marinado em vinagre balsâmico branco, gelatina e pó frio do mesmo peixe —, a vontade é voltar para provar o cardápio inteiro. Também conta pontos a favor do La Pergola a adega onde descansam mais de 53 000 garrafas de todas as faixas de preço, assim como a seleção de 29 tipos de água mineral apresentados com elegância pela brigada exemplar sob o comando do maître-gerente Umberto Giraudo. Aberto apenas para o jantar, o La Pergola conserva o estilo à moda antiga: só permite a entrada de cavalheiros de blazer.
+ Bom e barato em Roma: comer como rei e pagar como plebeu
Se Beck é rei, ele não se encontra mais sozinho na posição de soberano. Vários outros cozinheiros estão em vertiginosa ascensão, renovando o panorama culinário, como pude conferir em duas recentes viagens, a última delas em setembro, quando estive lá para dar uma palestra, a convite da Embaixada Brasileira, sobre a influência dos oriundi na culinária brasileira. A cidade virou um poderoso ímã, não apenas pelos inescapáveis Coliseu, Fórum, Fontana di Trevi, Piazza Navona e outros sítios históricos, mas também pelas singularidades da boa mesa. Visitar Roma é regalar-se com almoços e jantares inesquecíveis, seja pelo frescor dos ingredientes, pelo charmoso toque de criatividade usado nas receitas ou pela delicadeza quase divina.
No Michelin estão listados quinze restaurantes estrelados. No coração do Centro Histórico, o Il Pagliaccio tem como maestro Anthony Genovese. Filho de calabreses nascido na Côte d’Azur, o chef, de 45 anos, deu os primeiros passos culinários na escola de hotelaria de Nice. Pôs sua experiência franco-italiana na mala e foi trabalhar na Ásia. Sempre falando pausadamente, ele conta que na Tailândia e na Malásia aprendeu tudo sobre especiarias, enquanto sua passagem pelo Japão o ensinou a respeitar as matérias-primas. Genovese liquidifica suas variadas influências e as transforma em receitas de técnica notável. No cardápio, expressa essa marca a vieira na água de alcachofra com alga kombu, essencial na cozinha japonesa. Em outra, digamos, mais clássica, encontra-se o tortelli verde de ervas com manteiga, anchova efavas. Além de sugestões à la carte, o chef faz menus especiais. A degustação pode ser em oito (130 euros) ou dez etapas (150 euros). Mas vá sem pressa, já que o serviço é demorado.
Nascido no coração do Parioli, charmoso bairro residencial que teve entre outros moradores o pintor, escultor e escritor De Chirico (1888-1978), o All’Oro tem novo endereço desde o fim do ano passado. Transferiu-se para o térreo do hotel The First Luxury Art, de design high-tech. Fica a poucos passos da Piazza del Popolo, uma região cercada por restaurantes turísticos como o manjado Dal Bolognese. No All’Oro, a Itália aparece revista pelos olhos atentos de Riccardo Di Giacinto, um nome a guardar.
Embora tenha conquistado sua primeira estrela Michelin há dois anos, o chef vai longe. Não é difícil afirmar isso após provar o menu degustação com quatro (78 euros) ou seis receitas (95 euros) — não raro, o cozinheiro manda um prato extra de cortesia. É memorável da primeira à ultima garfada, esta de uma sobremesa incrível. Esqueça todos os tiramisus que você provou. O de Di Giacinto tem o formato de uma esfera de merengue tão branca quanto o salão do restaurante. Basta quebrá-la para encontrar o creme de mascarpone. Até chegar a esse doce, percorrem-se iguarias como o capelete recheado de brodo clássico e decorado com pistilos de açafrão, a codorna com salame calabrês beeem picante e o leitãozinho de leite com purê de batata, espuma de aliche, espinafre e redução de vinho.
Se você pensa que as sugestões de restaurante estrelado acabam aqui, ponha ainda na agenda o Glass Hostaria, comandado por uma mulher, Cristina Bowerman, que faz a salada de lagosta temperada com a bebida indiana de iogurte lassi; o Metamorfosi, do chef colombiano Roy Caceres, autor do figo recheado de foie gras com brioche integral; o Imàgo all’Hassler, sob as ordens de Francesco Apedra e seu ilusionista ovo ao zabaione com granita de orchata e crumble de café… Um último conselho: reserve bastante apetite para desfrutar essa Roma pura gula!
All’Oro. Via del Vantaggio, 14, Informações: 39 (06) 9799-6907
Il Pagliaccio. Via dei Banchi Vecchi, 129, Informações: 39 (06) 6880-9595
La Pergola. Via Alberto Cadlolo, 101 (Rome Cavalieri – Waldorf Astoria Hotels & Resorts), Informações: 39 (06) 35091
Glass Hostaria. Vicolo Dè Cinque, 58, Informações: 39 (06) 5833-5903
Imàgo all’Hassler. Piazza Trinità dei Monti, 6, Informações: 39 (06) 6993-4726
Metamorfosi. Via Giovanni Antonelli, 30/32, Informações: 39 (06) 8076839