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Profissionais largam o mundo corporativo para virar artesãos

O artesanato contemporâneo tem produtos autorais de qualidade e design moderno

Por Barbara Öberg Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 14 fev 2020, 16h01 - Publicado em 13 jul 2018, 06h00
Peças produzidos por paulistanos artesãos: parte deles dissidentes do mundo corporativo (Alexandre Battibugli, Danilo Koshimizu, Divulgação, Kiko Masuda e Sabrina Pestana/Veja SP)
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Em um ateliê de 15 metros quadrados em Pinheiros, Sofia Oliveira, de 29 anos, anda de um lado para o outro com os braços e o avental sujos de argila. Ela finaliza uma fornada de pratos, canecas e vasos de cerâmica. Todas as etapas de produção ficam sob a responsabilidade da publicitária, formada na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

A jovem pouco sabia sobre esse tipo de trabalho manual até cinco anos atrás, quando dava expediente em uma agência de publicidade. “Nunca me encontrei no meio corporativo, era uma decepção atrás da outra”, lembra. Para fugir da área, pediu demissão, conseguiu trabalhos como freelancer para pagar as contas e apostou em cursos de jardinagem, compostagem e cerâmica com o intuito de achar um novo rumo para sua carreira ou, pelo menos, um hobby.

Até virar a ceramista conhecida que é hoje, Sofia ralou. Quando pegou o jeito no torno, máquina utilizada para a criação de itens em série, investiu tempo na participação em dezenas de feiras. “Não acreditava muito que ia dar certo”, conta. “Cheguei a esquecer de levar sacolas para os clientes em meu primeiro evento.” Atualmente, produz até 400 peças por mês, com preços a partir de 30 reais, e tem utensílios presentes no serviço de lojas de luxo, como a multimarcas NK Store e o negócio da estilista Paula Raia. O melhor: fatura mais agora do que no antigo emprego.

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Sofia Oliveira, 29, publicitária (@oliveceramica) A moça começou a criar peças delicadas de cerâmica em 2014. Caiu nas graças das lojas multimarcas de decoração e vende seus produtos em sites como Collector 55 e Il Casalingo. Fabrica até 400 exemplares por mês (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Esse tipo de história se repete cada vez mais pela cidade. Paulistanos que perderam o emprego durante a crise econômica, não conseguem encontrar uma boa vaga ou, como Sofia, estão infelizes em sua posição recorrem ao — por muito tempo, desvalorizado — trabalho manual para tentar ganhar dinheiro e mudar de vida.

De acordo com uma pesquisa do Sebrae/SP, há 1,7 milhão de microempreendedores individuais no estado. Na categoria de artesãos, cerca de 54 000 profissionais estão cadastrados no Portal do Empreendedor. Contudo, não se engane. O artesanato contemporâneo não se parece em nada com as bugigangas hippies, artigos de crochê ou panos de prato estampados guardados na memória de muita gente. Há criações autorais de qualidade e com design moderno.

Segundo um dos sócios da marca Pavio de Vela, Fernando Ramondini, 44, para conseguir se destacar entre a abundância de produtos bacanas e fazer parte dessa nova classe do mercado manual, deve-se investir em três vertentes. São elas: uma mercadoria de qualidade, imagens atualizadas dos produtos para as redes sociais e logo e embalagem modernos e bem desenhados. Ele e a sua mulher, Priscilla Von Haehling, 39, fabricam na cozinha de casa 500 velas por mês, vendidas a partir de 33 reais no e-commerce da empresa — criada em 2016 —, em lojas parceiras e, principalmente, em feiras.

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Em razão de tamanha demanda de etiquetas recentes, eventos de venda de artigos feitos a mão multiplicaram-se na capital. Em fins de semana que precedem datas como o Dia das Mães e o Natal, dá para contar dez grandes atrações do tipo no mesmo dia. “A tendência é que as feiras se segmentem cada vez mais”, explica Armando Campos Mello, presidente executivo da União Brasileira dos Promotores de Feiras (Ubrafe). “No nicho de luxo, por exemplo, há clientes muito exigentes, que valorizam o feito a mão e estão dispostos a pagar por isso.”

Uma das principais feiras do ramo, a Jardim Secreto tem curadoria que dá destaque a peças de pegada moderninha e hipster. Sobram terrários, tábuas de madeira, quadrinhos bordados e cerâmicas. “Prezamos a inovação. Não queremos um participante que traga coisas copiadas do Pinterest (rede social de compartilhamento de fotos e ideias)”, explica Gladys Tchoport. Com a sócia Claudia Kievel, ela realizou a primeira edição em setembro de 2013, com dezesseis marcas e 400 visitantes.

Hoje, 28 edições depois, são 200 pequenos produtores e 10 000 clientes em apenas um dia. A atração ocupa de dois em dois meses uma praça do Bixiga, com direito a música ao vivo. Os vendedores desembolsam valores a partir de 400 reais para participar. A cada abertura de vagas, cerca de 700 pessoas mostram interesse em expor seus trabalhos por ali. Via financiamento coletivo, a dupla inaugurou em julho do ano passado a Casa Jardim Secreto, também no Bixiga, uma espécie de endereço fixo do evento, com espaço para cursos e vendas.

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Feira Jardim Secreto (@jd_secreto). As sócias Claudia Kievel e Gladys Tchoport são responsáveis por uma das feiras de artesanato mais populares da cidade, que atrai jovens espertos ao Bixiga de dois em dois meses. São 200 expositores e 10 000 visitantes a cada edição. Além de realizar o evento, a dupla expandiu os negócios no ano passado com a abertura da Casa Jardim Secreto, no mesmo bairro. (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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Em breve, Gladys e Claudia pretendem lançar um ateliê coletivo para os artesãos fabricarem seus trabalhos. “As pessoas têm apreciado algo que os shoppings não oferecem, o consumo direto do produtor e a possibilidade de conhecer o processo de fabricação e suas matérias-primas”, diz Gladys.

Dos profissionais que não estão atrás do público jovem e moderninho da Jardim Secreto, muitos recorrem à Feira na Rosenbaum. O evento, criado há seis anos por Cris Rosenbaum, ex-mulher do designer Marcelo Rosenbaum, cativou um público mais velho de grande poder aquisitivo, em busca da fina curadoria da empresária. De um copinho de 8 reais a um quadro de 10 000 reais, os itens apresentados ali focam a área de decoração e design.

A iniciativa, que começou em São Paulo e se expandiu por quatro capitais, é itinerante e já ocupou espaços como o Unibes e o museu A Casa. Neste ano, serão cinco edições em São Paulo, com 45 expositores cada uma. “Não somos só mais uma feira, viramos uma marca”, orgulha-se Cris. O retorno é sentido pelos vendedores também após o evento, quando chegam a ganhar 1 000 seguidores no Instagram e conseguem fechar negócios maiores ou aparecer em reportagem na televisão, em revistas e em jornais.

Neto Saad, 40, responsável pela Toco, de acessórios para a casa, tornou-se um dos expositores recorrentes da Rosenbaum. Ele garante que o mailing de convidados e a preparação fazem do projeto um sucesso. “Há organizador que não tem experiência e acha que é fácil montar uma feira, mas não sabe lidar com elementos básicos como a chuva”, diz.

Neto Saad
Neto Saad, 40, engenheiro civil (@tocobr). No setor artesanal desde 2016, o profissional cria luminárias e bancos, entre outros itens de madeira, em uma pequena sala dentro de uma marcenaria. “Antes, fazia tudo na área de serviço da minha casa, tinha pó para todo lado”, lembra (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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O engenheiro civil, que chegou a trabalhar em construtora e estudava para realizar um concurso público, começou sua empresa ao pegar pedaços de madeira descartados em caçambas e transformá-los em luminárias. Ele chega a vender 200 peças por mês a preços que variam de 80 a 1 500 reais. “Minhas criações não são iguais às da Tok&Stok, fabricadas em grande escala, o que muita gente leva em conta”, explica, referindo-se ao gigante da decoração, de preços mais acessíveis.

Osvaldo Greghi Júnior, de 37 anos, um dos artistas mais populares desse nicho e na ativa há uma década, aplica ilustrações a mão em peças de cerâmica e vidro. Com um portfólio de 160 itens, vende ao consumidor final, mas também participa de iniciativas como a feira de atacado da Associação Brasileira das Empresas de Utilidades e Presentes (Abup). “Chego a atender cinquenta lojas e fecho negócios que totalizam quase 100 000 reais por evento”, comemora. “Em espaços menores, faço uma espécie de laboratório: vejo quais peças vão bem e testo os preços.”

Há os que se garantem só com as negociações pelas redes sociais, caso da designer Juliana Mota, 30, que produz quadrinhos bordados bem delicados e posta tudo com frequência nas plataformas. “Quem depende do Instagram para negociar precisa ser ágil e responder às perguntas com rapidez, além de, é claro, saber se vender”, afirma. A moça costura cerca de quinze encomendas por mês a valores que variam de 200 a 410 reais. Ela aprendeu muito sobre a técnica no YouTube e hoje até dá aula sobre o assunto. “Pretendo ter meu próprio canal”, diz.

São Paulo 09 julho 2018Juliana Mota, bordados.Foto Alexandre Battibugli
Juliana Mota, 30, designer (@JulianaMotabordado). A moça vende a maioria de seus quadrinhos bordados pelo Instagram, em uma conta organizada e bonita. Produz cerca de quinze encomendas por mês, a preços que variam entre 200 e 410 reais. Muitas das peças trazem o nome de bebês para decorar a porta de maternidades. Hoje, fatura mais do que quando trabalhava como designer. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

O bê-á-bá do sucesso

A designer Kuki Bailly, responsável pela Rededots, espécie de feira virtual de produtos e serviços, dá dicas de como destacar sua marca

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  • Invista em um logotipo atraente e imagine um nome criativo, que resuma o DNA da empresa
  • Há áreas do trabalho manual, como a de cerâmica e a de bordado, que estão saturadas. Se for produzir algo do tipo, pense em qual será seu diferencial.
  • Atente para a apresentação visual de suas peças, tanto em feiras quanto na internet. Não é preciso utilizar foto profissional para que o resultado fique bonito.
  • É importante ter uma boa história sobre a construção da marca para contar aos clientes. Quanto mais humanizado o relato, mais empatia se conquista. O freguês compra o conjunto todo, não só o produto.
Juliana Mota
Peça de Juliana Mota (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Para ficar de olho

Listamos as melhores feiras e selecionamos marcas do ramo para prestar atenção

Marcas

Ho+Schelp. As arquitetas Gabriela e Fernanda vendem bolsas e acessórios de couro costurados a mão. A maioria das peças tem estilo minimalista e tons pastel. @hoschelp

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Popoke Brasil. Os bonecos e esculturas de madeira podem servir para as brincadeiras da criançada ou mesmo para decorar a casa. @popokebrasil

Evelyn Tannus. Entre os trabalhos com porcelana, os que mais chamam atenção são as esculturas de mãos tatuadas com desenhos variados. As obras têm inspiração na porcelana chinesa e na azulejaria. @evelyntannus

Traço. Os itens são produzidos em concreto. De relógio analógico a mesinha e fruteira, os artigos têm pegada moderna e futurista. @traco_objetos

FEIRA ROSENBAUM
Edição de março da Feira na Rosenbaum: mais de 6 000 visitantes (Cleiby Trevisan/Veja SP)

Feiras

Feira na Rosenbaum (29/8 a 2/9). Há seis anos no ramo, Cris Rosenbaum cuida da curadoria do evento e seleciona 45 expositores, que oferecem itens de decoração e design por valores mais salgados. Museu A Casa. Avenida Pedroso de Morais, 1234, Pinheiros.

Jardim Secreto (18/8). São 200 marcas descoladas reunidas no evento, que ocorre a cada dois meses. De estilo hipster, a feira tem música ao vivo. Praça Dom Orione, Bixiga.

Itinerante Mercado (até quarta 18). O evento não tem lugar fixo. É uma espécie de loja pop-up que oferece itens de design, bem-estar e gastronomia criados por pequenos produtores. Chez Oscar. Rua Oscar Freire, 1128, Jardim Paulista.

Mercado Manual (1º e 2/9). O evento, criado no fim de 2015, é uma iniciativa da Florista Produções. Enaltece o design artesanal contemporâneo, assim como o pequeno empreendedor. Pinacoteca.

Neto Saad
O kit com três tábuas de Neto Saad custa 390 reais (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Vitrine

Onde encontrar os produtos vistos na capa da revista, da esquerda para a direita

Ho+Schelp. Bolsa baldinho. R$ 190,00. @hoschelp
Juliana Mota. Bordado no quadrinho de 40 centímetros. A partir de R$ 510,00. @julianamotabordado
Greta Atelier. Colar choker de latão bruto. R$ 350,00. @gretaatelier
Toco. Luminária articulada. R$ 420,00. @tocobr
M.o.a Estudio. Gravura de 44 por 61 centímetros. R$ 450,00. @m.o.a_estudio
Vela Made in São Paulo. Velas aromáticas (228g). R$ 114,00 cada uma. @vela_madeinsaopaulo
Evelyn Tannus. Luminárias. A partir de R$ 1 188,00. @evelyntannus
Olive Cerâmica. Canecas, jarra e coador. A partir de R$ 30,00. @oliveceramica
Traço. Fruteira modular. A partir de R$ 343,50. @traco_objetos
Popoke. Bonecos de madeira Monstra Matizi (R$ 500,00) e Rainha Popoke Abelhuda (R$ 650,00). @popokebrasil
DaHorta. Arranjos de suculentas. A partir de R$ 40,00. @da_horta
A Menor Loja do Mundo. Objeto decorativo. R$ 500,00. @amenorlojadomundo

CAPA
Peças produzidos por paulistanos artesãos: parte deles dissidentes do mundo corporativo (Alexandre Battibugli, Danilo Koshimizu, Divulgação, Kiko Masuda e Sabrina Pestana/Veja SP)
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