Desde 1997 em atividade, Editora Cosac Naify fecha as portas
O fim da empresa, referência em livros de arte e design, surpreendeu leitores e mercado
Em 1997, Charles Cosac, um carioca radicado em São Paulo, tinha dinheiro na mão e uma ideia na cabeça. Com um mestrado em história da arte pela Universidade de Essex, na Inglaterra, acreditava haver um vácuo no mercado de livros de arte no Brasil, e não via o capricho necessário para ocupar esse nicho em nenhum dos empreendimentos já estabelecidos por aqui.
Admirador da obra do artista plástico pernambucano Tunga, decidiu transformá-la em uma luxuosa edição de 308 páginas e 1,5 quilo, vendida atualmente a 800 reais. Com o cultuado Barroco de Lírios nascia, na sala de seu apartamento na Avenida São Luís, no centro, a editora Cosac Naify. Na última segunda (30), o empresário encerrou essa trajetória ao anunciar o fim das atividades após dezoito anos e 1 600 títulos publicados.
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Marido de sua irmã Simone, o americano Michael Naify era o sócio na empreitada. Se os Cosac, descendentes de sírios, são muito ricos — a fortuna vem da extração de minério no interior do país —, a família parceira é bilionária, do ramo de cinema e telecomunicações nos Estados Unidos. Tanta bonança era o que permitia à companhia produzir títulos caros para um público reduzido.
Dinheiro não parecia ser um problema por ali. Quem entende do negócio, porém, diz que não é bem assim. Em quase vinte anos de existência, a empresa nunca operou no azul. “Toda editora precisa de um livro que venda 1 milhão de exemplares em seis meses, e a Cosac nunca teve isso”, aponta o consultor Ivo Camargo, ex-diretor financeiro da casa. Procurados por VEJA SÃO PAULO, os dois proprietários recusaram os pedidos de entrevista. O maior sucesso da história da Cosac Naify mostra que, ao longo dos anos, esse segmento de livros sofisticados continuou forte, mas não era mais o carro chefe. Lançada em 2000, a coleção As Aventuras do Capitão Cueca vendeu mais de 470 000 unidades.
Desde então, os infantojuvenis conquistaram um lugar de peso no catálogo, sobretudo quando eram adotados como material didático em escolas, o que significava bons contratos e comercialização garantida. Alguns traziam prestígio: foram sete prêmios Jabuti somente nessa categoria. A Cosac também passou a apostar em autores de ficção que já faziam sucesso lá fora, como o angolano Valter Hugo Mãe e o espanhol Enrique Vi la-Matas. Mesmo com a diversificação, as finanças da editora começaram a apresentar sinais de cansaço nos últimos anos.
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Em 2012, uma auditoria descobriu um buraco de 4,5 milhões de reais, resultado de uma administração pouco rigorosa e de casos pontuais de corrupção, principalmentede funcionários envolvidos em desvio de livros e superfaturamento de notas. Na época, ninguém foi demitido, mas Cosac teve de cobrir o rombo com dinheiro do próprio bolso. Michael Naify, que continuou morando nos Estados Unidos, afastou-se dos negócios, oferecendo cada vez menos suporte financeiro.
Outro alerta de que as coisas não iam bem é que, de um ano para cá, a Cosac Naify realizou quatro grandes liquidações: duas edições da black friday, um saldão de aniversário e um bota-fora com descontos de até 90%. Em maio, uma demissão em massa cortou 30% da folha de pagamento. A equipe da casa ficou com sessenta profissionais. Assim como os leitores, os escritores foram pegos de surpresa. Autor de Clarice, — sobre a escritora Clarice Lispector —, o americano Benjamin Moser foi informado do fechamento pelos jornais.
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“Encontrarei uma nova casa,mas me preocupa ver o Brasil ficar sem uma editora reconhecida mundialmente”, afirma. A empresa diz que as compras realizadas pelo site — que estão com desconto de 20% — e nas livrarias serão honradas. A participação na Festa do Livro da USP, entre quarta (9) e sexta (11), também está de pé. Dezembro, porém, marcará o final nada feliz dessa trajetória. “Uma editora deve existir para alimentar um projeto cultural. Quando eu senti o projeto Cosac Naify ameaçado, julguei correto cessarmos nossas atividades”, escreveu Charles em carta publicada na semana passada no blog da editora. “Dessa maneira, perpetuo um sonho belíssimo do qual tantos participaram e ajudaram a construir.”
Os sucessos da casa
Alguns dos títulos mais vendidos do catálogo da editora
As Aventuras do Capitão Cueca (Dav Pilkey) – 470 000 exemplares
A Árvore Generosa (Shel Silverstein) – 110 000 exemplares
Um Garoto Chamado Rorbeto (Gabriel o Pensador) – 75 000 exemplares
Lampião e Lancelote (Fernando Vilela) – 54 000 exemplares
Clarice, (Benjamin Moser) – 30 000 exemplares