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Conheça os padeiros que vêm mudando o modo de fazer e vender pão

A história de sete profissionais que se dedicam a preparar pães artesanais usando a força da fermentação natural

Por Gabrielli Menezes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 20 jan 2022, 09h10 - Publicado em 2 ago 2019, 06h00

O hábito de ir à padoca comprar pãozinho é um ritual matutino de muitos paulistanos. De quebra, dá para colocar na sacola bolo, macarrão, vinho e até aquele produto de limpeza em falta na despensa… A maioria das mais de 5 000 padarias da cidade, de acordo com o Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria, se tornou loja de conveniência. Na contramão dessa tendência, um grupo ainda pequeno de profissionais tem uma proposta diferente: deixar os penduricalhos de lado e dedicar-se ao essencial, o pão.

Na cartilha desses novos padeiros, estão abolidos os fermentos prontos para acelerar a produção, os melhoradores para esconder defeitos de farinhas de má qualidade e as pré-misturas que dominaram boa parte dos estabelecimentos tradicionais. Sem essas facilidades industrializadas, a mágica encontra-se no fermento natural, também conhecido pelo nome francês levain. Essa cultura de leveduras e bactérias obtida apenas de farinha e água exige cuidados diários para se manter em boas condições. Respeita-se o tempo natural de fermentação.

É essa característica que tem atraído pessoas, em sua maioria jovens, interessadas em mudar não só de carreira, mas também de ritmo de vida. “A fermentação natural baixa a ansiedade. É como uma terapia”, acredita Demian Takahashi, cheio de tranquilidade. A opção pela técnica não é filosofia de trabalho, já que alguns até se permitem colocar um tiquinho de fermento biológico para garantir o crescimento, mas uma opção pelo sabor. Prova disso é que restaurantes como o Corrutela, de cozinha autoral, e o brasileiro Mocotó também entraram na produção de pães artesanais.

Essas novas fornadas resultam em pães grandes, cascudos, de interior elástico repleto de alvéolos e gostinho ácido. O preço por unidade, nada em conta, ultrapassa 15 reais facilmente. Além do produto e do valor, os padeiros apresentados nas próximas páginas estão transformando o modelo de negócios convencional. Alguns dispensam portas abertas ao público, outros operam em horários reduzidos e há quem se comunique com os clientes via newsletter ou por WhatsApp.

Alethea Suedt com o nosso pão: farinha moída na casa (Romero Cruz/Veja SP)

O pão começa no campo

Alethea Suedt não chega sozinha à loja A Padeira, na Vila Madalena. O fermento, seu parceiro, vai e volta de carona com ela, dentro de um pote. “Preciso alimentá-lo três vezes por dia”, explica Alethea. O processo de adicionar farinha e água ao levain para potencializá-lo e aumentar seu volume é essencial para que ela prepare suas ótimas e belas receitas — a experiência adquirida por Alethea em sua profissão anterior, designer de joias, a ajuda a manter o zelo pelo visual de cada peça. No nosso pão (33 reais o quilo), com ela na foto acima, vai farinha orgânica integral moída na casa. O próximo passo é ter trigo próprio. Para isso, ela beneficia um pequeno produtor de trigo em Piracaia. “Quero estar perto de quem faz. O pão começa no campo”, conta. Embora o estabelecimento abra em horário reduzido, público não falta.
A Padeira. Rua Isabel de Castela, 426, Vila Madalena, tel. 3034-314. Quarta a sexta, das 15h às 18h ou até o último pão.

Flávia Maculan Ades: da biologia ao fermento (Romero Cruz/Veja SP)

Química da fermentação

Bem antes de criar a Toast, Flávia Maculan Ades já manjava de temperatura, bactérias, pH, ativação de enzimas e outros detalhes por causa da graduação em biologia e do mestrado na área da saúde. A virada na carreira de pesquisadora aconteceu pela vontade de mudar o estilo de vida. Sua formação facilitou o entendimento da teoria, mas a prática só veio com o estágio na Tartine Bakery, padaria situada na Califórnia que é referência em fermentação natural. “A natureza do pão é fascinante. Para acompanhar sua transformação, é preciso respeitar o tempo, ter calma”, explica Flávia. Há quatro anos ela vende ótimas variedades sob encomenda por meio de uma newsletter que vai para a caixa de entrada de 1 300 clientes semanalmente. O miolo de aveia (35 reais) dá a sensação de derreter na boca pela união da massa já bem hidratada com uma espécie de mingau fermentado do grão. Esse e outros pães devem estar no ponto físico que Flávia pretende inaugurar no próximo ano na Vila Buarque.
Toast. Pedidos por meio da newsletter após inscrição em toast.fm.

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Iza Tavares trocou as passarelas pela padaria (Clayton Vieira/Veja SP)

Modelando na cozinha

Izabela Tavares conheceu o mundo de passarela em passarela. Só tinha um problema: sempre que viajava, gostava de experimentar de tudo. Por isso a dieta no retorno a casa era certeira. A vida no salto alto se aquietou quando decidiu cursar gastronomia. Especializou-se em fermentação natural e começou a vender pães aos amigos até o produto chegar a Bel Coelho, do restaurante sazonal Clandestino. “Talvez ela nem saiba, mas foi uma madrinha para mim”, conta. À frente da Iza Padaria Artesanal há três anos, Izabela prepara receitas como a de quinoa aromatizada com limãosiciliano (33 reais) com a ajuda de três assistentes. Vez ou outra, um quarto minipadeiro, Luca, seu filho de 1 ano, aparece no ateliê, no térreo do prédio onde mora, na Vila São Francisco. É lá que os clientes podem buscar seus pedidos de quarta a sexta.
Iza Padaria Artesanal. Encomendas no site izapadariaartesanal.com.br

O designer Demian Takahashi em frente à padaria: armários para retirar os pães (Romero Cruz/Veja SP)

Praticidade criativa

Foi uma receita de dez páginas que demorou a dar resultado que motivou o designer Demian Takahashi a desvendar os, digamos, mistérios do pão. Depois que pegou o jeito da coisa, conquistou a mordida dos amigos e estruturou a Farinoca. As criações podem ser entregues em casa — como em outras padocas, a taxa pode alcançar quase o valor de um pão — ou retiradas no local. Para evitarem a restrição de horários, Takahashi e sua esposa, Claudia Fugita, responsável pelas vendas, tiveram uma ideia e tanto. Em frente à charmosa garagem transformada em cozinha, a dupla colocou armários com cadeados — a senha que corresponde à encomenda é enviada pelo WhatsApp — onde são deixados os pedidos com bons pães, como o de nozes com figo (25 reais) e o multigrãos de fôrma (32 reais). Essa criatividade e cuidado também são percebidos na identidade visual e no preparo de cada receita. Toda semana, o padeiro visita Alethea Suedt para processar, no moinho d’A Padeira, o trigo que vai nos pães de farinha integral.
Farinoca. Informações de fornadas e pedidos pelo WhatsApp 98881-3931.

A publicitária Claudia Rezende: foco total nos pães (Romero Cruz/Veja SP)

Fornadas caseiras

Depois dos 50 anos e de uma vida dedicada ao mercado publicitário, Claudia Rezende investiu tempo e dinheiro no seu “plano B”: o Zestzing. Fez o curso de cozinheiro-chef no Senac, de mestre-padeiro na Levain Escola de Panificação, comandada por Rogério Shimura, e de viennoiserie na reconhecida Lenôtre, na França. Também estudou fermentação natural nos Estados Unidos, no San Francisco Baking Institute. Como se não bastasse, visita o Chile de tempos em tempos para workshops do experiente Didier Rosada. Ela põe esse conhecimento em prática na copa do apartamento, onde a mesa e as cadeiras deram lugar ao forno de lastro, à masseira e à fermentadora. “Embora minha produção ainda seja dentro de casa, os equipamentos são profissionais.” Os clientes recebem semanalmente as fornadas da semana via WhatsApp. Vez ou outra aparece na lista o pão de avelãs tostadas e carameladas (16 reais), com a aparência de uma ciabatta. Felizmente, o ótimo croissant (8 reais) entra na lista com mais frequência. Para garantir a estrutura do folhado e o gosto de manteiga, são necessários três dias de paciência e de mão na massa. Os pedidos podem ser retirados na Rua Bela Cintra ou entregues em domicílio por um valor extra.
Zestzing. Encomendas pelo WhatsApp 97575-4590.

Gabriella Zanforlin, da Zan Pan: faz pães de fermentação natural no Itaim Bibi (Romero Cruz/Veja SP)

Nem tão escondida assim

O espaço da Zan Pan foi escolhido estrategicamente por Gabriella Zanforlin. Fica dentro de um conjunto comercial no Itaim Bibi onde a circulação de pessoas não é tão grande. A ideia era aproveitar o lugar quase secreto para produzir mais para restaurantes do que para o consumidor final. De fato, estabelecimentos como o BotaniKafé, dedicado aos brunchs, e o vegano PlantMade são clientes. Mas não só eles. Quem é da região descobriu o azedinho sourdough (20 reais), feito com farinha integral processada num pequeno moinho na própria casa, o pão com chocolate em pó e em gotas (35 reais) e outras pedidas. Hoje, esse público representa 70% das vendas. “É provável que em breve tenhamos de nos mudar para um local maior”, admite a proprietária. Filha e neta de cozinheiras, Gabriella cresceu perto do fogão. “Sou a caçula, e por isso sempre me davam as coisas mais chatas para fazer. Conforme fui ficando mais velha, me ensinaram a pegar na faca, preparar tortas, massas…”, conta. Antes de focar basicamente dois ingredientes — farinha e água —, ela trabalhou com cozinha quente em restaurantes como o Brace Bar & Griglia, no Eataly. E trocou definitivamente o fogão pelo forno.
Zan Pan. Rua Clodomiro Amazonas, 1158, loja 67, Itaim Bibi, tel. 3044-2128. Segunda a sexta, das 9h às 18h.

Papoula Ribeiro: no seu próprio negócio desde o fim de julho (Romero Cruz/Veja SP)

Caso antigo

Papoula Ribeiro e o pão têm mais do que um relacionamento sério. Trata-se de um casamento de mais de vinte anos. O auge (até o momento) foi o trabalho na Padoca do Maní, que rendeu à casa da chef Helena Rizzo o prêmio de melhor padaria da cidade em 2015. Depois que Papoula saiu do estabelecimento e rodou o país de consultoria em consultoria, sua paixão ganhou novo ponto fixo. É a Cór Bakehouse, aberta no fim de julho num espaço anexo ao restaurante Cór, no Alto de Pinheiros. Lá, a padeira e sócia decide o cardápio, comanda a equipe e cria as receitas de pão de abóbora tostada com avelãs, parmesão, chorizo espanhol (R$ 23,00 cada um)… O romance começou tímido, em 1996, quando ela administrava projetos da empresa do chef e apresentador Olivier Anquier, que fornecia pães a uma parte das lojas Pão de Açúcar. O contato físico com a massa rolou mais tarde, numa viagem de Papoula à França para estudar fermentação natural. Ela voltou para São Paulo com o glúten na cabeça e se tornou gerente nacional de padaria do Grupo Pão de Açúcar. “O volume de produção era gigante, e eu queria fazer algo menor. No período, montar uma micro-padaria era impagável. O Brasil não tinha produtos nem equipamentos”, diz. Dez anos depois, importou da Inglaterra a ideia de vender pães por assinatura na chamada Papoula Bakehouse, que funcionou, de 2013 a 2015, a portas fechadas na Zona Sul. “Há pouco tempo, falar de pão era sinônimo do francês. Hoje, o cliente não só entende o que é a fermentação natural como também tem interesse de aprender. Quero abrir minha cozinha quinzenalmente para que as pessoas venham fazer pão comigo”, planeja.
Cór Bakehouse. Praça São Marcos, 825, Alto de Pinheiros, tel. 3726-2908.

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Pães com alvéolos: pelas mãos de Papoula, agora na Cór Bakehouse (Romero Cruz/Veja SP)

Projeto de padeiro

Cursos para aumentar o fermento da coragem e começar fornadas próprias em casa

Fermentare Escola de Fermentação > Em 31 de agosto, das 15h às 19h, é possível aprender os princípios da fermentação natural na teoria e na prática por 170 reais na escola no Alto de Pinheiros. fermentare.com.br.

Leveda Padaria Natural > O curso (250 reais), que rola na tarde dos dias 24 e 31 de agosto na padaria no Alto da Lapa, é para quem quer fazer pão em casa a partir de uma cultura de leveduras e bactérias. leveda.com.br.

pãonacity > A nutricionista Neide Rigo, do blog Come-se, oferece esporadicamente um curso no forno doméstico. Para saber das datas e preços, há inscrições no mailing do pancnacity.blogspot.com/ ou no Instagram @neiderigo.

Do fermento ao pãozinho

Aprenda o passo a passo da preparação sem erro com a equipe da Padoca do Maní. A padaria da chef Helena Rizzo, que transferiu fornos, masseiras e fermentadoras para uma área só de produção na mesma rua, ganha uma filial no Shopping Iguatemi em 12 de agosto

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Farinha, água, fermentos e ingredientes secos: vão na masseira (Clayton Vieira/Veja SP)

1. O começo de tudo

Antes de baterem a massa, os padeiros juntam a farinha orgânica com a água e deixam a mistura descansar por cerca de uma hora para que ela adquira maleabilidade e força. A combinação vai para a masseira com levain, sal e fermento biológico (0,01% em relação ao volume da farinha), usado para assegurar o desempenho do processo. Também podem entrar no aparelho ingredientes secos, como cacau e castanhas.

Dobras: processo ajuda a deixar a massa homogênea (Clayton Vieira/Veja SP)

2. No shape certo

A massa elástica vai para a bancada, onde são executadas as chamadas dobras. Trata-se de uma manipulação específica e em intervalos que têm como objetivo homogeneizar a temperatura e fortalecer a rede de glúten. Nesta etapa, podem entrar insumos mais delicados, como uva-passa e azeitona. Dependendo do horário da fornada, os pães são boleados e modelados antes ou depois de descansar.

Pães indo para a fermentadora: equipamento tem a temperatura programável (Clayton Vieira/Veja SP)

3. Crescimento sob controle

A fermentação começa no item 1, quando o levain entra em contato com o restante dos ingredientes. No total, são em média dezesseis horas de crescimento. Na maior parte do tempo ela ocorre de forma controlada, dentro da câmara fria ou da fermentadora, cuja mudança de temperatura é possível ser previamente programada. Quanto mais quente o ambiente, mais curta deve ser a fermentação.

No forno: por cerca de trinta minutos (Clayton Vieira/Veja SP)

4. Hora de dourar

A partir da meia-noite, os pães entram pouco a pouco no forno de lastro, onde ficam sob temperatura alta por cerca de trinta minutos, ou até adquirirem casca grossa e interior macio. Depois, repousam até as 5 da manhã, quando são expedidos para a Padoca, o espaço de eventos Casa Manioca e os restaurantes Maní e Manioca. Deu para sentir o aroma daí?

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 07 de agosto de 2019, edição nº 2646.

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