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O que é Terroir?

Certa vez, o avô de um grande amigo veio em minha direção e perguntou, “o que é internet?” Assim, de forma seca e direta. Não lembro quantas vezes gaguejei até conseguir formular alguma resposta que provavelmente não esclarecia a dúvida daquele senhor. Enfim, disse que o neto dele mostraria posteriormente e na prática, como funcionava […]

Por VEJA SP
Atualizado em 26 fev 2017, 22h45 - Publicado em 13 fev 2014, 17h46
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terroir

O chileno Pedro Parra, PhD em geologia aplicada à viticultura

Certa vez, o avô de um grande amigo veio em minha direção e perguntou, “o que é internet?” Assim, de forma seca e direta. Não lembro quantas vezes gaguejei até conseguir formular alguma resposta que provavelmente não esclarecia a dúvida daquele senhor. Enfim, disse que o neto dele mostraria posteriormente e na prática, como funcionava a internet. E saí de fininho.

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Pois bem, no mundo do vinho também lidamos com alguns termos recorrentes e poucas vezes paramos para pensar seu significado e uso. Uma das palavras que está em seu ponto de saturação é terroir. De origem francesa e aplicada quase essencialmente para vinhos, refere-se a todo conjunto natural presente em um território e sua capacidade de proporcionar características singulares no produto dali extraído. Simples? Traduzindo isto para o mundo dos tintos e brancos significa que clima (sol, luminosidade, chuvas, geadas, ventos…), solo (geologia, composição do terreno, relevo…), videira (variedade de uva, condução da planta, clone, densidade de plantas por hectare, rendimento de fruta por planta…) e o homem (ações que vão do cultivo ao engarrafamento) influem na caracterização de um vinho de terroir.

O chileno Pedro Parra, PhD em geologia aplicada à viticultura, havia comentado comigo em um jantar informal em Santiago (Chile) no fim de 2013 que o terroir é uma questão de escala. Aliás, o geólogo tem uma história interessante. Até concluir seu mestrado na Universidade de Montpellier, na França, Pedro não tinha contato profundo com a viticultura. Até então seu estudo se concentrava na utilização de imagens de satélite para definir a vocação agrícola de determinada região. Quando retornou à França, por uma necessidade econômica (não ganhava tão bem quanto poderia em sua terra natal), se habilitou para obter o título de doutor nas mesma Universidade de Montpellier. Eis que o tema surgiu. O foco de seu doutorado estava no caso do vinho (e vinhedo) Don Melchor, da chilena Concha y Toro. Aproveitando a abordagem de seu mestrado, começou a estudar o vinho a partir do subsolo onde estão as videiras, dividindo o vinhedo em parcelas nada uniformes, conforme as variações do subsolo e comportamento das videiras, quase um tratamento planta à planta. Hoje é um dos consultores de viticultura mais demandados do mundo.

Pedro Parra defende que não se pode falar em um terroir do Chile, por exemplo. Isto seria muito genérico. Mas já começa fazer algum sentido falar em terroir do vale do Maipo, próximo à capital chilena, onde existem certas características únicas daquela região que se manifestam no vinho. Aumentando o zoom nesta região, o conceito de terroir se mostra ainda mais preciso, pois podemos falar da região do Maipo Andes (zona mais elevada e íngreme), em vez de Maipo Entre Cordilheiras (zona plana e mais quente), ou ainda, aprofundando pouco mais poderíamos  comparar as características dos vinhos de Puente Alto com Pirque, duas sub-regiões dentro do Maipo Andes, que pertence ao Maipo, que está no Chile, ufa!

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E qual a vantagem de falar em terroir? É um critério de diferenciação e não de estandardização do vinho. Quanto menor a parcela do vinhedo, mais fascinante é observar que diferenças tão sutis de localização podem repercutir tanto na bebida.

Uma proeza e tanto chegar ao fim do texto sobre terroir sem mencionar a Borgonha, o berço deste conceito, aperfeiçoado ao longo dos séculos por monges e agricultores metódicos e observadores. À primeira vista, esta região pode parecer simples de entender, afinal, são apenas duas variedades que dominam o cenário, a pinot noir entre as tintas e a chardonnay entre as brancas. No entanto, ao longo do tempo, os monges e viticultores foram observando como e por que estas variedades se comportam de forma tão diferente nesta faixa de 230 km. de norte à sul e apenas 7 km. de leste à oeste, entre as cidades de Dijon e Lyon. Os estudos e observações resultaram em uma classificação de qualidade dos vinhedos, isto é, da aptidão de um vinhedo produzir vinhos mais complexos e sofisticados. No topo da pirâmide estão os vinhedos “Grand Cru”, que representam apenas 1,4% da área da região. Dali saem os vinhos mais raros e caros. Em seguida estão os vinhedos “Premier Cru”, logo abaixo está o nível “villages” e na base estão os vinhos regionais, apenas descrito como “Bourgogne rouge” ou “Bourgogne blanc”. Em termos práticos, um vinho “villages” pode ser da comuna de Vosne-Romanée, por exemplo. Dentro de Vosne, existe o Vosne-Romanée Premier Cru Les Suchots (também apenas um exemplo) e existe também os Grands Crus La Tâche ou o mítico Romanée-Conti. Muitas vezes são vinhedos minúsculos (alguns com menos de 1 hectare – 10.000 metros quadrados) e vizinhos, divididos por uma viela mais estreita que qualquer rua asfaltada da cidade, que s��o capazes de produzir vinhos com nuances diferentes de aroma, textura e sabor.

Mas não se preocupe, não é preciso empenhar uma pequena fortuna em vinhos da Borgonha para entender o lado prático do terroir. Você pode começar escolhendo vinhos produzidos com a mesma variedade mas de países diferentes. Na próxima oportunidade, escolha a variedade e o país, mas escolha amostras de diferentes regiões dentro deste país, até chegar aos vinhos com a mesma variedade, da mesma região, mas de produtores diferentes. Mais que estudo, é um bom divertimento.

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