Pra ver em casa: redação da Vejinha indica 21 séries que marcaram 2020
Nesta edição especial, os “vejiners” participam escolhendo suas produções favoritas do streaming deste ano
Com os cinemas e todos os pontos culturais, como teatros, museus e casas de shows, fechados em março, as plataformas de streaming foram a grande companhia, na pandemia, de quem gosta de filmes e séries. Até mesmo quando as salas reabriram, em outubro, o espectador ainda deu preferência a assistir às novidades em casa.
Em nove meses, indiquei, algumas vezes com a colaboração dos meus colegas de redação, mais de 600 atrações, entre longas-metragens, seriados, realities, programas de gastronomia, viagens ou decoração. Foi puxado, mas muito recompensador. Pude explorar filmografias ou gêneros até então apenas brevemente citados nas edições pré-quarentena e, assim, oferecer dicas pouco convencionais aos leitores.
O streaming cresceu avassaladoramente. Canais como Looke, MUBI e Belas Artes à la Carte tiveram aumento de acessos, ofertas e assinantes e as consagradas Netflix e Amazon Prime Video viveram seus melhores momentos de audiência. E os festivais e mostras de cinema se adaptaram rapidamente ao novo normal — e precisam continuar também no bem recebido formato on-line na era pós-vacina, caso queiram atingir um público bem mais significativo. Além de tradicionais eventos paulistanos, como É Tudo Verdade, Mix Brasil, Mostra Internacional de Cinema, In-Edit e Indie, o paulistano pôde acompanhar uma enorme quantidade de atrações regionais, caso, por exemplo, do Festival de Gramado, Cine Ceará, Fantaspoa (de Porto Alegre) e Olhar de Cinema (de Curitiba).
Nesta edição especial, 21 “vejiners”, repórteres, editores, designers e estagiários, tiveram a missão de escolher uma (apenas uma) série que marcou 2020. Na próxima edição, em 8 de janeiro, você vai conferir o filme preferido de cada um.
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Trama adulta pré-histeria – Raul Juste Lores
Para quem sofre de abstinência das primeiras temporadas de House of Cards e se deprime com a política chulé que impera no Brasil, Borgen, na Netflix, é antídoto saboroso. A chegada ao poder da primeira mulher a chefiar o governo da Dinamarca mostra que os podres daquele reino são contemporâneos e universais. Vemos o difícil equilíbrio entre idealismo, pragmatismo e realpolitik, em uma trama adulta, felizmente pré-histeria de Twitter e afins.
Bossa feminina – Arnaldo Lorençato
Uma nuvem de fumaça envolve a segunda temporada de Coisa Mais Linda, da Netflix. Explica-se. A ação se desenrola no auge da bossa nova e tem como cenário o Rio de Janeiro em 1960, quando o cigarro era considerado essencial. Tudo gira em torno de três amigas: Malu (Maria Casadevall), Adélia (Pathy Dejesus) e Theresa (Mel Lisboa), numa narrativa movimentada, com cenografia e figurinos impecáveis. De maneira nem sempre muito convincente, a trama antecipa temas como sororidade e feminicídio. Vale a pena ver? Claro! Pelas atuações de Pathy Dejesus, sócia de Malu na boate Coisa Mais Linda, e da irmã dela, Ivone, interpretada por Larissa Nunes, que se revela uma cantora afinada.
Fantasia realizável – Miguel Barbieri Jr.
Eu quis escolher algum título do produtor/criador/ diretor Ryan Murphy, já que, em 2020, ele foi o grande nome por trás de importantes produções. A minissérie Hollywood, também da Netflix, me encheu de esperança no ano mais triste e difícil de nossa vida. Numa história utópica sobre a indústria e os bastidores do cinema da década de 40, Murphy criou uma fábula onde negros ganham papéis de protagonista e gays saem do armário sem ser discriminados — uma Hollywood e, por tabela, um mundo em que a fantasia vira uma realidade movida pela tolerância e pelo antirracismo. É tudo de que a gente precisava para encarar um dia a dia de quarentenas, distanciamento social, polarizações e fake news.
Tipos exóticos – Alessandra Balles
A série documental A Máfia dos Tigres, na Netflix, tem personagens tão bons que parecem inventados. O principal deles é Joe Exotic, dono de zoológico com cabelo mullet acusado de contratar um matador para assassinar sua maior rival, Carole Basquin, responsável por um santuário de felinos. Os sete episódios percorrem não só a trajetória dos dois mas também outros tipos excêntricos, como os maridos e os funcionários de Joe e o colecionador de esposas. É “América profunda” na veia e entretenimento na certa.
Parceria fraterna para encarar o drama – Helena Galante
Em muitas horas deste ano, eu só precisava chorar. No começo da quarentena, descobri This Is Us. Estava atrasada — a estreia foi em 2016 — , mas não me faltava tempo para correr atrás do prejuízo e me apaixonar pela trama que embaralha o passado, o presente e o futuro da família Pearson. Com a chegada, em novembro, da quarta temporada à Amazon Prime Video, as lágrimas ainda molhavam o sofá, mas prevalecia a confiança de que é a parceria fraterna — como a dos irmãos Kevin (Justin Hartley), Kate (Chrissy Metz) e Randall (Sterling K. Brown) — que pode nos levar adiante. Nos Estados Unidos, a quinta temporada está no ar — e aborda inclusive a pandemia. Haja coração.
Evolução do amor – Juliene Moretti
Falou-se muito de como a pandemia fez a gente voltar ao passado. Normal People (Amazon) foi uma das distrações que me fizeram resgatar as memórias dos meus relacionamentos. A série acompanha a trajetória do casal Marianne e Connell, formado na escola. Como o nome sugere, são pessoas bem comuns. Não há eventos mirabolantes na trama, mas tem desencontros, sentimentos que não são expressados, perguntas que não foram feitas, silêncios cortantes e dois adolescentes que crescem e descobrem juntos (e às vezes separados) o amor. Maratonei em um dia.
Sem escapismo – Vinicius Tamamoto
Uma jovem sueca seduzida pelo Estado Islâmico percebe a furada em que se enfiou ao ter sua liberdade completamente tolhida em Raqqa, na Síria. Como ela chegou ali é o tema de Califado, série da Netflix que fez meu coração acelerar incontáveis vezes. Ao contrário do que muitos buscam na quarentena, a trama não é nada escapista: são intolerantes que propagam fake news para caçar presas fáceis, que acreditam piamente ter descoberto uma verdade oculta. Mais 2020 que isso?
Xadrez para chamar de meu – Fernanda Campos Almeida
Há poucas séries que nos fazem criar novos hábitos. Entrei para a estatística de pessoas que adquiriram um tabuleiro de xadrez na quarentena após assistir a O Gambito da Rainha, da Netflix. A troca de olhares entre os personagens traduz o que acontece nas partidas, e encontrei-me em êxtase durante os duelos de um jogo considerado, erroneamente, “chato”. A personagem principal, Elizabeth Harmon (Anya Taylor-Joy), é expressiva, complexa e seu olhar atravessa a tela. Sabe-se que ela ganhará no final, mas vale a pena gastar sete horas para vê-la chegar lá.
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Uma estranha no ninho – Sérgio Quintella
A trama na Netflix da novata enfermeira Mildred Ratched começa quando ela passa a trabalhar em um hospital psiquiátrico que faz experiências e experimentos ilegais com seus pacientes. A partir daí a história mostra os motivos, presentes e passados, que levaram a enfermeira ao local. Um irmão, um novo amor e muito suspense antecedem uma Ratched retratada duas décadas mais velha no clássico Um Estranho no Ninho, com Jack Nicholson.
Ficção quase realista – Gabriela Del’Moro
Pouco comentada na sua estreia em 2019, a série britânica Years and Years, produzida em conjunto pela HBO e BBC, é um retrato distópico da sociedade ocidental ao estilo Black Mirror. Mas os discursos absurdos da candidata “antipolítica” em ascensão Vivienne Rook (a Emma Thompson) não estão tão distantes da realidade de Bolsonaro e Trump, assim como as questões sobre migração, crise econômica e uma pandemia de gripe abordadas na atração. Com apenas seis longos episódios, vale cada minuto (e reflexão).
Sonho parisiense – Humberto Abdo
Com vizinhos lindos demais para ser verdade e roupas caras demais para o salário de qualquer social media, Emily em Paris pode parecer um exagero. Mas a série não seria a mesma sem seus excessos — e o otimismo inabalável da protagonista. Enquanto eu próprio estudava meu francês nas horas vagas, “visitar” Paris com a ingenuidade de turista de Emily foi um dos melhores respiros na pandemia. E a próxima temporada, felizmente, só deve chegar à Netflix depois da vacina.
Para gargalhar – Alice Padilha
Ambientada na Nova York dos anos 1950, The Marvelous Mrs. Maisel (Amazon Prime Video) é um banquete para os órfãos de Gilmore Girls, encerrada em 2007. Embora com propostas diferentes, as duas criações de Amy Sherman Palladino esbanjam diálogos rápidos, sarcásticos e fartos — ótimas características para uma série centrada em uma comediante. A trama despretensiosa é tudo de que precisamos para relaxar em um ano como 2020, e os figurinos de Miriam Maisel (Rachel Brosnahan, que ganhou dois Globos de Ouro pelo papel) são um espetáculo à parte.
Não tão perfeito assim – Marcelo Cutti
Um dos motivos que me fizeram gostar de Please Like Me é o fato de o personagem principal não ser perfeito. Cheio de defeitos e com humor característico, ele tem seus dramas e inseguranças mostrados de uma forma tragicômica. A série se passa na Austrália e é construída a partir da vida de Josh, que acaba de terminar com a namorada e se descobre gay. Os personagens que o cercam também são bastante interessantes: a mãe é deprimida; o melhor amigo, engraçado; e o namorado, ansioso. Quatro temporadas na Netflix que valem muito a pena.
Desilusões em NY – Tatiane de Assis
Nada Ortodoxa, na Netflix, traz o cotidiano de um grupo de hassídicos, vertente ultraconservadora da comunidade judaica. A protagonista, Easty Shapiro, interpretada por Shira Haas, é quem encarna os conflitos que surgem conforme ela deixa de ser uma neta dócil para se tornar uma esposa desiludida. Acompanhar seus questionamentos, assim como o estranhamento de morar em Nova York e saber que seu mundo está a milhas distante do Central Park ou da Times Square, é emocionante.
De olho nos ouvidos – Guilherme Queiroz
The Eddy, na Netflix, é apaixonante pelos seus dois personagens principais: o jazz e Paris. A história se passa no bar que dá nome à minissérie, aberto pelo ex-pianista Elliot Udo (André Holland). Elliot e seu sócio, Farid (Tahar Rahim), os dois na foto ao lado, lidam com dificuldades financeiras, crime organizado e conflitos familiares. Um assassinato é o divisor de águas na trama. Todos os atores que interpretam os membros da banda que se apresenta no Eddy são músicos e não ficam apenas de pano de fundo, tendo suas histórias exploradas em episódios individuais. O diretor é Damien Chazelle, que também dirigiu os premiados Wiplash e La La Land.
Imprevisível e arrebatadora – Pedro Carvalho
Um mergulho vertiginoso na vida de sete adolescentes às voltas com sexo, drogas e violência. Cuidado: Euphoria contém cenas ultraexplícitas. Aborda questões como identidade de gênero sem ser discursiva ou previsível. Tem a arrebatadora Jules, um transgênero lindo representado pela modelo Hunter Schafer, que vive uma relação (difícil de encaixar em qualquer caixinha) com a amiga Rue, dependente química interpretada por Zendaya, ex-estrela do Disney Channel. Mais do que “série adolescente”, é um retrato corajoso — e um tanto sombrio — da geração nascida e criada nas redes sociais. A HBO está liberando episódios extras enquanto a segunda temporada não chega.
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Futebol que foge do protocolar – César Costa
Não ser simpatizante do time está longe de ser um impeditivo para ver All or Nothing: Tottenham Hotspur. Graças a diversas coincidências, a série no Amazon Prime Video ficou ainda mais rica por captar um momento histórico — o da pandemia — e a chegada de José Mourinho, um dos treinadores mais vitoriosos do futebol. Além dos méritos profissionais, o Special One é um personagem ímpar. Os nove episódios registram, detalhadamente, essa figura que foge de qualquer comportamento protocolar.
Ninguém presta – Saulo Yassuda
Em Succesion, na HBO e HBO Go, três filhos e uma filha disputam o lugar do pai, o velho Logan (Brian Cox), dono de um conglomerado de mídia americano. Kendall (Jeremy Strong, na foto com Cox), por exemplo, ora abaixa a cabeça, ora tenta passar a perna no todo-poderoso, enquanto o patriarca consegue manipular o quarteto com mestria. Ao mesmo tempo que você não torce para ninguém ser feliz, é uma delícia ver que esses bilionários são, acima de tudo, humanos, complexos e errantes para burro. Comecei a ver esse novelão de 2018 repleto de atuações brilhantes um ano atrás e fui diluindo pelos meses — não queria que acabasse. A segunda temporada foi um estouro e levou um apinhado de prêmios. Não vejo a hora da próxima leva de episódios, já garantidos — e olha que eu não gosto de ninguém desse clã.
Brilhante – Juliana Bueno
Anne with an E me conquistou no primeiro episódio e rapidamente finalizei as três temporadas. A trama me envolveu pela aguçada inteligência de Anne e sua paixão pela literatura. É uma série adaptada da coleção de livros Anne de Green Gables. Ela é uma órfã que, depois de ser adotada por dois irmãos solteiros, transforma com muito otimismo e criatividade a vida de todos de uma pequena cidade para melhor. Temas atuais e pertinentes como feminismo, preconceito e identidade são abordados.
Uma “viagem” sem sair de casa – Gabriela Amorim
Com diálogos ricos e animação com visual de cores gritantes, The Midnight Gospel nos transporta em cada episódio para um novo mundo a que Clancy (foto) decide viajar. A série aborda temas profundos e atuais de maneira leve e entendível. Os oito episódios de uma única temporada trazem um entrevistado por vez, no estilo podcast, o que proporciona maior reflexão nos assuntos necessários, como filosofia, existencialismo e, por fim, nos aliviam com viagens surrealistas para equilibrar a quarentena.
Sinceras risadas – Mariani Campos
Sem dúvida, Fleabag foi uma das séries que marcaram meu 2020 por seu humor imprevisível. vivida com louvor pela britânica Phoebe Waller-Bridge, a protagonista quebra a quarta parede e narra seus pensamentos mais sinceros (e desprovidos de moralismo ou censura) para o telespectador. Acho difícil as mulheres não se identificarem com algumas das divagações da moça, mas os homens também se beneficiam do honesto mergulho na mentalidade feminina. Um achado.
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Publicado em VEJA São Paulo de 30 de dezembro de 2020, edição nº 2719