Sete médicos renomados que estão em atividade há pelo menos cinco décadas
De diferentes especialidades, esses eternos doutores refletem sobre o passado, o presente e o futuro da saúde paulistana
“Consulta é olho no olho”
Formado pela Unifesp em 1967, o endocrinologista Antonio Chacra (76), que segue firme com os atendimentos, virou especialista no tema diabetes, comandou associações do setor e deu aulas. Sobre o atual debate da telemedicina, que possibilita um encontro com um profissional da saúde on-line, ele está de pé atrás. “Não podemos esquecer que nenhuma máquina substituirá o toque, o olho no olho”, acredita. “Nosso sistema de saúde é péssimo. Não prestigia a consulta, que deveria durar em média uma hora, e não os quinze minutos, com uma pilha de guias para exames no final”, diz. Pai do correspondente da GloboNews Guga Chacra, ele pontua a transformação de sua área. “Quando me formei, a endocrinologia era algo circense, ou seja, a gente investigava coisas como mulheres barbadas. Hoje, tornou-se fundamental: existe uma epidemia mundial de diabetes.”
“Estamos rumo à imortalidade”
Ao completar 70 anos, o cirurgião Silvano Raia (88) decidiu parar de operar. “Minhas mãos não tinham a mesma firmeza, quis me dedicar à pesquisa”, conta o profissional, que realizou em 1985 o primeiro transplante de fígado com doador cadáver da América Latina. Em 2016, iniciou um projeto com a geneticista Mayana Zatz para modificar geneticamente suínos a fim de usar seus rins e pele em humanos. O objetivo é acabar com as listas de espera de transplantes e atender queimados graves. “Aposto na longevidade lúcida. Pode até chover granizo que não abandono minha caminhada diária. Não me vejo aposentado. Quero estar sempre produtivo.”
“As faculdades estão formando péssimos profissionais”
Nas tardes de segunda, terça, quinta e sexta, o pediatra Antranik Manissadjian (94) atende entre dois e dez pacientes no Hospital Sírio-Libanês, onde dá expediente, além dos que recebe em seu consultório, no Jardim Paulistano. “Médico, quando para de trabalhar, enferruja”, ensina o imigrante sírio de origem armênia, formado em 1949 pela Faculdade de Medicina da USP. Lá, também deu aulas até sua aposentadoria compulsória, em 1994 — hoje é professor emérito. Manissadjian preocupa- se com o futuro da medicina no Brasil. “Em todas as áreas, não apenas na minha, o nível das escolas tem caído drasticamente. Em vez de meritocracia, temos ‘politicracia’. Quem arca com as consequências é a população, por causa dessa omissão”, acredita.
“A obesidade infantil já está próximo de uma epidemia”
Nos últimos anos, o pediatra e gastroenterologista Jayme Murahovschi (86) olha com desconfiança a demanda de respostas imediatas por meios virtuais. “Existem mães e pais de pacientes que exigem diagnóstico e remédio com base em uma mensagem de WhatsApp”, diz o profissional, que às vezes precisa insistir em ver o doente. “Nos Estados Unidos, já houve situações de processos de erro médico por opiniões em redes sociais.” Ele também se preocupa com o aumento dos casos de obesidade entre os pacientes. Uma a cada três crianças no país está com sobrepeso. “Devido ao estilo de vida, infelizmente esse índice só tende a aumentar.”
“Apesar do avanço das pesquisas, vírus sempre vão existir”
“Lembro de um artigo em uma revista americana na década de 70 em que se celebrava a cura das doenças provocadas por vírus — e, quem diria, logo depois descobriram o HIV”, diz o infectologista Jacyr Pasternak (79). O médico de 79 anos celebra os desenvolvimentos nas pesquisas, mas afirma que os vírus também “se modernizam”. “Eles se adaptam, evoluem, transformam-se e, por mais que o homem avance, o problema sempre deverá nos afetar.”
“Aos poucos, paramos de rotular de doenças gostos sexuais”
A psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo (68) era uma das raras moças nos bancos de alunos da Faculdade de Medicina da USP há cerca de cinquenta anos. Segundo ela, a feminilização da profissão é um fenômeno de poucas décadas. “As mulheres entraram a partir do momento em que a atividade deixou de ser financeiramente tão atraente”, acredita. Ela pontua duas tendências opostas nos divãs (e nas camas) dos paulistanos. “O nosso cotidiano frenético produz pessoas neuróticas e insatisfeitas sexualmente, porém, cada vez mais, a medicina deixa de confundir hábitos sexuais com doenças, como era com a homossexualidade. Estamos mais tolerantes.”
“As mulheres estarão cada vez mais livres graças à medicina”
Pesquisador e ginecologista, Elsimar Coutinho (88), que desenvolveu o primeiro anticoncepcional injetável de uso prolongado, fala com entusiasmo sobre os avanços da tecnologia nas últimas décadas. Para ele, a revolução começou na época do bebê de proveta e com a pílula anticoncepcional. “Acredito que, em vinte anos, a maioria das mulheres deixará de menstruar, de ter esse sangramento inútil, e, assim, poderá competir em pé de igualdade com os homens no mercado de trabalho.”
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 15 de maio de 2019, edição nº 2634.