Nem todo pedófilo é abusador e nem todo abusador de crianças é pedófilo
Saiba mais sobre essa doença, que pode virar caso de polícia
Na semana passada, um professor de física foi preso preventivamente em Barueri, no interior do estado, suspeito de abusar sexualmente de crianças com a ajuda da namorada, igualmente detida. Ainda não se sabe exatamente quem são as vítimas mas, como a Polícia Civil teve acesso a vídeos dos abusos que teriam sido produzidos pelos próprios suspeitos, parte delas já está sendo ouvida pelos investigadores.
Quem abusa sexualmente de crianças normalmente é simplesmente chamado de pedófilo. Mas cabem aqui algumas explicações.
A pedofilia é, antes de mais nada, um tipo de parafilia, uma desordem sexual na qual o indivíduo sente-se atraído afetiva e sexualmente pela figura infantil. Ele fantasia atos sexuais com crianças pré-púberes. Nenhum código penal tipifica como crime essa atração patológica por crianças. Ou seja, a pedofilia em si é doença e não crime.
Crime é abusar sexualmente de crianças em quaisquer de suas nuances, como bem define o Estatuto da Criança e do Adolescente. Isso significa que o crime não é definido exclusivamente pelo ato de penetração genital mas também pela exposição da criança a situações que atentem contra sua dignidade (produzir, reproduzir ou distribuir material pornográfico infantil, submeter a criança a cenas de sexo, estabelecer contatos físicos abusivos e assim por diante).
Aqui alguém pode me perguntar, mas quem comete esses crimes não são justamente os pedófilos? A resposta rigorosamente é não. Embora haja sim uma coincidência em muitos casos, a verdade é que nem todo pedófilo comete atos de abuso e nem todo abusador é pedófilo.
O Brasil e mesmo os países desenvolvidos carecem de dados epidemiológicos abrangentes que permitam uma delimitação precisa do cenário mas é sabido que muitos pedófilos têm a expressão de sua parafilia restrita apenas às fantasias mentais, durante a masturbação principalmente. O diagnóstico, inclusive, depende muito da habilidade do médico ou psicólogo em investigar elementos como a própria masturbação.
Tanto os casos de pedofilia (doença) quanto os casos de abuso infantil são subnotificados mas estima-se que a prevalência da patologia atinja de 1 a 5% da população adulta, sendo que a maioria é composta por homens.
A ciência ainda não foi capaz de determinar as causas da pedofilia. Há estudos apontando para possíveis diferenças nos cérebros dos pedófilos mas nenhum deles com dados reproduzidos e irrefutáveis. De qualquer maneira, uma parcela significativa dos pedófilos tem histórico de abuso sexual e situações de forte stress ao longo do desenvolvimento, ainda que isto esteja longe de ser uma regra generalizável.
Sabe-se que raramente a pedofilia aparece sozinha em termos de diagnóstico. O pedófilo normalmente apresenta ao menos um outro diagnóstico psiquiátrico, principalmente de transtornos relacionados ao humor, à ansiedade ou à personalidade. Adicionalmente, pedófilos têm tendência a presentearem dificuldades na geração e na manutenção de vínculos interpessoais.
Não existem protocolos de tratamento estruturado para a pedofilia mas o acompanhamento psiquiátrico é essencial, principalmente ao se considerar que quase sempre o pedófilo sofre também de outras psicopatologias. Adicionalmente, a psicoterapia mostra-se como algo indispensável, a fim de minimizar o sofrimento do doente ao ajudá-lo a manejar melhor sua condição e também de evitar, nos casos em que isso fizer sentido, que aquele indivíduo doente possa se tornar um abusador de crianças.
Pedofilia é doença e, portanto, caso de psicólogos e médicos. Abuso de criança é crime e por isso mesmo é caso de polícia e da Justiça.
Sugestões de leitura:
The neurobiology and psychology of pedophilia: recent advances and challenges. Gilian Tenbergen and cols. – Fronstiers in Human Neuroscience (Volume 9 – 2015).
Cinco coisas que você não sabia sobre a pedofilia. Revista Galileu (08/07/2016 – capturado em 07/05/2018).