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Em Terapia

Por Arnaldo Cheixas Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.

Não subestime o consumo de drogas

Quase um quarto da população brasileira já consumiu alguma substância psicoativa, excluindo-se álcool e tabaco. A prevalência de usuários é de 3% da população, alinhada com a média mundial. Quando se analisa o álcool separadamente, a prevalência de uso na vida sobe para 74%, sendo que quase metade desse grupo enfrenta problemas ocasionados pelo consumo […]

Por VEJASP
Atualizado em 26 fev 2017, 21h17 - Publicado em 5 ago 2014, 15h18
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drogas

Quase um quarto da população brasileira já consumiu alguma substância psicoativa, excluindo-se álcool e tabaco. A prevalência de usuários é de 3% da população, alinhada com a média mundial. Quando se analisa o álcool separadamente, a prevalência de uso na vida sobe para 74%, sendo que quase metade desse grupo enfrenta problemas ocasionados pelo consumo do álcool (acidentes de carro, violência, perda de emprego etc). Parte desses usuários é formada por dependentes químicos, ou seja, são pessoas que, uma vez que tenham entrado em contato com a droga, desenvolveram um quadro de dependência química, de modo que o consumo passou a não depender simplesmente de uma escolha.

Traremos o tema da dependência química em futuras postagens. Hoje destaco um elemento específico do consumo de drogas que faz muitas vezes com que o usuário, mesmo querendo interromper o consumo, acabe se mantendo num cenário de uso recorrente. Isso vale tanto quando se trata de um dependente químico quanto quando se trata de um usuário não dependente. No caso do dependente a situação é ainda mais dramática.

Uma das estratégias evolutivas para a manutenção da vida é a sensação de prazer. Tudo o que fazemos no sentido de manter a própria vida tem uma regulação primária associada ao prazer que se sente quando nos comportamos. Quando nos alimentamos, temos uma sensação de saciedade que é prazerosa. Quando nos protegemos do frio ou fazemos sexo, o mesmo. Desde que nos organizamos em sociedade, a percepção do prazer se tornou mais complexa. Sentimos prazer ao ler um bom livro, ao ouvir uma música, ao conhecer um lugar novo etc. Ainda assim, é sempre o prazer experimentado como um evento do sistema nervoso o que direciona nossos comportamentos e escolhas.

Nesse sentido podemos dizer que vivemos constantemente em busca de sentir prazer. Buscamos o máximo de oportunidades possível. O prazer se concretiza nos projetos que conseguimos realizar, nos vínculos que estabelecemos e no estado de saúde que nos garante integridade para experimentar efetivamente “os prazeres da vida”. Acontece que, ao longo da vida, às vezes as coisas dão errado. Temos de lidar com frustrações e traumas diversos, às vezes menores, às vezes maiores. As frustrações e traumas geram angústia, que está na contramão do prazer. Embora a angústia esteja em oposição ao prazer, ela acaba por representar uma oportunidade de crescimento e amadurecimento para o indivíduo. Desse modo, a vida é uma alternância de bons e maus momentos, como já discutimos anteriormente.

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Seja por conta de um período de angústias seja pela mera ausência de prazer, há pessoas que acabam encontrando nas drogas uma alternativa para equacionar esse balanço prazer-angústia. As drogas proporcionam uma sensação de prazer. Isso acontece justamente porque agem nos mesmos centros nervosos que são ativados quando concretizamos as atividades prazerosas da vida cotidiana. A diferença é que a droga produz a mesma sensação de forma imediata. Usou, sentiu prazer.

Da mesma forma, quando o indivíduo está enfrentando uma angústia significativa e passa a usar alguma droga, as angústias tendem a ser anuladas também de forma imediata. A questão continua sendo o caráter imediato das sensações produzidas pela droga.

Qual o problema, então? A questão é que, tão logo o efeito químico passe, a angústia volta ainda maior e o vazio pela carência de prazer genuíno também vira angústia.

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Podemos pensar que o indivíduo que passa por esta experiência deva perceber depois do primeiro uso que essa estratégia não funciona. Seria natural nunca mais usar droga alguma. Mas o que ocorre muitas vezes é que essa angústia pós-uso é mais intensa do que a que havia antes do uso, o que faz com que o indivíduo recorra novamente à droga para experimentar mais uma sensação de prazer. “Só mais uma vez, ele pensa.”

Daí por diante, o consumo continuado passa a produzir perdas cada vez mais significativas na vida do indivíduo. Todas as fontes de prazer genuíno (realizações, vínculos, saúde) começam a ser corroídas. Cada vez mais angustiado, o indivíduo recorre também cada vez mais à droga para dissolver sua angústia. Está estabelecido um ciclo de “angústia-prazer imediato” no qual a vida passa a girar cada vez mais em torno da droga.

A figura abaixo mostra como esses quadrantes de prazer/angústia X droga/abstinência se organizam:

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Para quebrar esse ciclo vicioso é preciso apoio familiar e suporte profissional. Quanto mais cedo o tratamento se inicia, maiores as chances de superar a dependência e o abuso. O desejo de mudança é essencial uma vez que a abstinência completa é necessária para romper com o valor reforçador imediato que a droga possui.

Enquanto ciência (Biologia, Medicina, Psicologia, Antropologia, Sociologia, Economia) ainda estamos aprendendo a entender como as drogas agem no sistema nervoso e na vida de uma pessoa. Mas também já sabemos algumas coisas. Dentre elas, sabemos que não se pode ignorar o problema do consumo e que ele não se resolve por si. Se há alguém perto de você consumindo drogas ou se você mesmo está consumindo, é hora de buscar ajuda.

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