CONVIDADO EM TERAPIA: álcool e violência
Terminada a Copa do Mundo, em cujos estádios foi permitida a comercialização de bebidas alcoólicas durante os jogos, uma questão que fica para a sociedade é o impacto do consumo de álcool sobre os índices de violência. Contamos hoje com a psiquiatra Ana Cecilia Petta Roselli Marques para abordar o tema. Fica aqui também um […]
Terminada a Copa do Mundo, em cujos estádios foi permitida a comercialização de bebidas alcoólicas durante os jogos, uma questão que fica para a sociedade é o impacto do consumo de álcool sobre os índices de violência. Contamos hoje com a psiquiatra Ana Cecilia Petta Roselli Marques para abordar o tema. Fica aqui também um convite a todos os leitores para participarem desse importante debate por ocasião da “1ª Jornada Preparatória: Políticas Preventivas sobre Drogas e a Realidade Brasileira”, promovida pela Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD), que acontecerá no próximo dia 15 de agosto (informações no final do texto).
Álcool e Violência: uma epidemia não debatida
A Política do álcool no Brasil tem avançado muito pouco, mas sua história é longa. Há pelo menos 40 anos alguns pesquisadores brasileiros se juntaram com uma preocupação única: o impacto da bebida alcoólica na sociedade. Uma proposta voltada para a prevenção foi encaminhada ao governo federal, pois as repercussões do uso do álcool já atingiam jovens adultos, no auge de sua capacidade produtiva. Hoje, os relatórios apontam para muitas outras interfaces do uso do álcool como causa do desenvolvimento de doenças crônicas não comunicáveis; violência interpessoal, doméstica, contra crianças, auto-infringida levando ao aumento das taxas de suicídio; doenças mentais, acidentes no trânsito, entre outras consequências que geram incapacidades e morte precoce.
Se não bastassem todas estas evidências, ainda existe a parte não declarada desta história, para que todos entendam a necessidade de desenvolver uma política justa, obrigação de todos os governos. Na década de 90, durante um jogo de futebol, que decidia um importante campeonato brasileiro, aconteceu um desastre, a “Noite das Garrafadas”, com um saldo muito negativo de mortos e feridos gravemente, em decorrência da intoxicação alcoólica. A mistura de bebida alcoólica com esporte, não combina mesmo.
Naquele momento, a sociedade não se omitiu, e pressionou os políticos, aliados ao Ministério Público, e criou o Código de Direitos do Torcedor, que se transformou no Estatuto do Torcedor, e logo a seguir, em 2003, a Lei do Estatuto do Torcedor, que proibiu a venda de bebidas alcoólicas nos estádios. Uma conquista da sociedade brasileira que mereceu comemoração, uma política de vanguarda. Desde então, e comprovado por vários relatórios, como o livro de Maurício Murad (2007), o levantamento sobre Os Danos relacionados ao Álcool da Organização Panamericana de Saúde (2012), o consumo de bebidas e a violência diminuíram, consideravelmente.
Infelizmente, não durou muito… Assim que o Brasil comemorou ser a sede da Copa em 2014, por volta de 2007, imediatamente a FIFA obteve do governo brasileiro um documento assinado pelo presidente da república, garantindo que o país aceitaria todas as regras da federação, entre outras, a liberação da bebida alcoólica nos estádios de futebol. E esta tem sido a maior derrota para os brasileiros, pois uma medida de proteção foi anulada a despeito da comprovação de sua efetividade. Voltou à cena a intoxicação, cujas repercussões são tão graves quanto aquelas decorrentes do uso crônico. E quem esteve no estádio comentou sobre o fluxo contínuo de usuários nos locais de distribuição de bebidas, atrapalhando o espetáculo.
O que mais pode estar por trás da liberação de bebidas alcoólicas nos estádios? É preciso ficar muito atento com as manobras dos grupos de interesse em manter a lei Geral da Copa e a permissão para vender bebidas alcoólicas nos estádios. Também desejar que o policiamento ostensivo observado durante os jogos continue depois da Copa, é sonhar demais…
É preciso registrar que o país tem um consumo per capita de etanol alto, cujo impacto individual, familiar, social e econômico, aponta há muito tempo para a necessidade de uma política especial, sem retrocessos. O bem estar comum deve estar acima de tudo, do dinheiro, da indústria, dos governos, e só este direito humano garantido produzirá um desenvolvimento sustentável e uma nação protegida.
Dra. Ana Cecilia Petta Roselli Marques (psiquiatra) é Presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD)