Visitante silvestre no meio da cidade
Na noite passada recebi um hóspede muito especial: um filhote de periquito rico. É uma ave pequena, verde de peito verde limão, quase amarelo. Se parece muito com uma maritaca, só é um pouco menor. Assim como a maritaca, o periquito rico é um animal silvestre, ou seja, não é para ser criado em gaiolas, […]
Na noite passada recebi um hóspede muito especial: um filhote de periquito rico. É uma ave pequena, verde de peito verde limão, quase amarelo. Se parece muito com uma maritaca, só é um pouco menor. Assim como a maritaca, o periquito rico é um animal silvestre, ou seja, não é para ser criado em gaiolas, mas solto na natureza. Engraçado é que ele estava caído no meio da cidade, onde natureza é um conceito bem discutível. Foi meu marido quem o encontrou, caído no meio do asfalto. Ele estava dirigindo quando quase atropelou o bicho, teve de jogar o carro pro lado para evitar que a roda passasse por cima. Mal desviou e já vinha outro carro na direção do periquito, a morte dele era questão de segundos. Meu marido então pegou a ave e, sem saber o que fazer, acabou levando-a para casa. O periquito foi prontamente instalado dentro de um pote de sorvete, que era o que tínhamos mais à mão. Aves de rua podem transmitir doenças, então o melhor é mantê-las num lugar seguro, tanto para elas quanto para as outras pessoas que vivem na casa, e lavar bem as mãos depois de pegá-las.
Liguei para o meu pai, que foi criador de canários, para pegar umas dicas de como cuidar do nosso visitante ilustre. Ele me orientou a passar o filhote para uma caixa de papelão forrada com jornal, mais quentinha e confortável, e botá-la perto da janela, pra ficar bem ventilada. O passo seguinte foi tentar alimentá-lo. Tentei oferecer um pedaço de banana e um pouco de aveia, mas pássaros sob estresse não costumam comer. Além do mais, é provável que ele nem soubesse comer sozinho. Deixei uma tampa cheia de água, mas ele também não bebeu. Não dava nem pra saber se ele conseguia se movimentar, ele apenas me olhava assustado, pescoço pendendo para o lado esquerdo. Peguei então uma ampola de remédio, enchi-a de água e fui pingando no bico dele. Ele tomou tudo, mexendo o papo pra engolir e dando umas bicadinhas na ponta da ampola. Larguei ele ali, com a banana e a aveia ao lado (que permaneceram intocadas). Pouco depois ele já estava todo encolhido e de olhos fechados. De vez em quando ia espiá-lo para ver se estava tudo bem. Ele dormiu até por volta das 8h sem se incomodar com o barulho da casa nem com a luz do dia. Mas sem comer ele definharia em pouco tempo. Achei melhor levá-lo para quem soubesse e pudesse cuidar dele.
A primeira tentativa foi o Parque da Água Branca, que tem viveiro de aves e é o mais perto da minha casa. Chegando lá, fui prontamente despachada. Não quiseram dar orientações sobre como cuidar da ave nem sobre aonde levá-la, apenas recebi o recado do segurança para sair dali. Nessas horas, a burocracia é bem desanimadora. Já é difícil levar adiante a vontade de salvar o periquito, afinal a vida é corrida, temos milhões de compromissos e os deslocamentos em São Paulo, especialmente em dias de chuva como hoje e nesta época de final de ano, são um pesadelo. Liguei para o Parque do Ibirapuera perguntando sobre um departamento especializado em animais silvestres. Sim, era lá mesmo. Eles pediram para que eu descrevesse a ave. “Verde, de uns 20 cm, parece uma maritaca, não sabe ou não pode voar”. Me explicaram que eles recebem apenas algumas espécies, mas ok, podia levá-la para lá. Resolvi encarar.
A entrada do Depave Fauna, nome do departamento encarregado dos animais silvestres, é pelo portão 7A, na Avenida IV Centenário. Hoje de manhã chovia bastante e o caminho até lá foi tão longo que o periquito chegou a dormir em pleno engarrafamento (foram quase duas horas de epopeia, haja espírito ecologicamente correto!). A plantonista que me atendeu, Maria Eugênia, informou ser muito comum encontrar aves caídas da rua no verão. Muitas despencam das árvores em dia de chuva. Há ainda os filhotes que se enrolam e caem do ninho. Isso porque as fêmeas fazem ninhos com o que estiver à vista, inclusive linhas de pipa. Nesses casos, os pequenos prendem as patas e despencam no chão. Outro clássico são as aves que batem a cabeça no vidro ou as que sofrem ataques de gato. Qualquer que seja o caso, elas são examinadas e encaminhadas a uma área “hospitalar”. Isso vale para as aves e outros bichos silvestres, como macacos (deu pra ver um por ali se dependurando na grade). Visitantes não são permitidos na área de recuperação, porque há doentes de todos os tipos, sem asas, sem membros…
Preenchi uma ficha com meus dados e outra com dados do periquito, informando o local onde ele foi encontrado e a aparência dele ao ser entregue ao Depave. De bate pronto, ele foi classificado como “jururu”. “Dizemos ‘jururu’ pra todos que chegam assim asssim. Agora é que vamos ver de fato o que ele tem”, disse Maria Eugênia. A análise inicial foi de que ele estava com alguma lesão no pescoço, provavelmente decorrente da queda, e por isso ficava com a cabeça pendendo para o lado. O bico preto foi outro sinal preocupante, talvez estivesse doente. Confirmaram tratar-se mesmo de um filhote. Fiquei com o número de registro dele para poder ligar lá e acompanhar sua recuperação. Ele deve aprender a comer sozinho logo logo observando seus companheiros de viveiro. Quando estiver 100%, será solto em bando com as outras aves que tiverem alta. Pode ser liberado no Parque do Ibirapuera mesmo ou no Parque Anhanguera, dependendo da população de periquitos desses locais. Vamos ver. Espero que ele fique bem.
Leia mais sobre bichos no blog Bichos, da Carolina Giovanelli