Minibiografia de edifícios: Anchieta
Ninguém se lembra de que ali ainda é Avenida Paulista, mas é. Entre a Rua da Consolação e a Rua Minas Gerais a dois quarteirões derradeiros da avenida mais querida da cidade. Aquele pedaço abriga um dos principais ícones modernistas paulistanos, o Edifício Anchieta. Inaugurado em 1941, possuía alguns dos principais traços modernistas como pilotis, […]
Ninguém se lembra de que ali ainda é Avenida Paulista, mas é. Entre a Rua da Consolação e a Rua Minas Gerais a dois quarteirões derradeiros da avenida mais querida da cidade. Aquele pedaço abriga um dos principais ícones modernistas paulistanos, o Edifício Anchieta. Inaugurado em 1941, possuía alguns dos principais traços modernistas como pilotis, grande novidade à época, apartamentos duplex e painéis de pastilhas coloridas.
O projeto é o escritório carioca MM Roberto, então comandado pelos irmãos Marcelo Roberto e Milton Roberto. Outro irmão, Maurício Roberto, viria a se juntar à dupla no ano da inauguração do Anchieta, fazendo o escritório ser rebatizado de MMM Roberto. Além de ser uma lenda modernista, é uma das mais longevas empresas de arquitetura do país, em atividade desde 1930, quando foi fundada pelo mais velho dos irmãos, Marcelo, sob o nome de M Roberto. Atualmente é tocado por Márcio Roberto, filho de Maurício, que voltou a reduzir os Ms para M Roberto, resgatando o nome original.
Os irmãos Roberto entraram para a história da arquitetura brasileira por terem sido pioneiros na utilização do brise-soleil, creditado ao arquiteto franco-suíço Le Courbusier (1887-1965). O brise é composto por lâminas colocadas na fachada com o intuito de quebrar a iluminação direta do sol. A première deste dispositivo em terras brasilis ocorreu em 1936, no prédio da Associação Brasileira de Imprensa, de autoria de MM Roberto. No ano seguinte, o escritório venceu o concurso para construção do Aeroporto Santos Dumont, no Rio, mas o projeto original nunca foi executado. Fizeram ainda o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), de 1941, também no Rio, e o residencial MMM Roberto, em Copacabana, erguido no terreno da casa onde passaram a infância. Neste último, tornaram-se pioneiros no uso de venezianas, móveis e fixas.
Voltando ao Anchieta, o prédio é lembrado pelos paulistanos por um motivo muito mais etílico do que arquitetônico. No térreo, funcionou por muitos anos o Bar Riviera, de Renato Meniscalco. Foi ali que Chico Buarque festejou a vitória de A Banda, no Festival da Canção de 1966. Os atores-bailarinos e líderes da contracultura do Dzi Croquettes eram frequentadores assíduos, assim como o cineasta José Mojica Marins, o Zé do Caixão. A figura mais emblemática era o garçom Juvenal Martins, conhecido pelo jeitão ranzinza. E havia ainda a Rê Bordosa original, inspiradora do personagem de Angeli. O Riviera fechou as portas em 2006, após 56 anos de funcionamento e um atoleiro de dívidas que culminou no despejo. Após décadas fechado, o endereço pode ressuscitar. O empresário Facundo Guerra e o chef Alex Atala anunciaram planos de reativar o local em junho, embalado por uma programação de jazz ao vivo.
Assim como os espaços vazios de onde o Riviera desencarnou, o Anchieta está largado. O jardim transformou-se em terra seca, e da fachada vê-se vidros quebrados, pichações e infiltrações nas paredes. Nem de longe lembra o edifício cheio de vida de décadas atrás. E se a coisa anda feia mesmo ele estando em plena Paulista, imagina como não estarão outros de vias menos frequentadas da cidade.
(Obrigada a Jonas Lopes, colega e autor da sugestão deste post).