De volta à cena: antigos estúdios Vera Cruz retomam as atividades
Agora rebatizado de Estúdios e Pavilhões de São Bernardo do Campo, local histórico recebe novo filme e faz planos para um museu
Décadas após Amácio Mazzaropi, Cacilda Becker, Tônia Carrero e outros gigantes se consagrarem no cinema brasileiro, equipes de filmagem voltam ao espaço onde eles gravaram obras de destaque internacional.
Os antigos Estúdios Vera Cruz, inaugurados em 4 de novembro de 1949 pelo produtor teatral Franco Zampari e o industrial Francisco Matarazzo, acabam de retornar à cena rebatizados de Estúdios e Pavilhões de São Bernardo do Campo.
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O Brasil conquistou honrarias com obras filmadas ali, como O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto, premiado como melhor filme de aventura no Festival de Cannes. Pouco depois, a Vera Cruz entrou em declínio devido a problemas na distribuição dos títulos.
O cenário mudou. Desde o fim de 2021, a prefeitura de São Bernardo do Campo e o Grupo Bandeirantes se dedicam a recuperar o espaço que parecia perdido. São dois galpões, cada um com 3 600 metros quadrados em vão livre e 20 metros de altura no pé-direito. Neles não se ouvia um “luz, câmera e ação” fazia duas décadas. O último longa produzido no local foi Carandiru (2003), do cineasta Héctor Babenco (1946-2016).
Após o longo vazio, os estúdios foram novamente preenchidos por atores, câmeras, claquetes — e o mais impressionante: um Boeing modelo 737-317 em tamanho real, que não caberia em outros sets de São Paulo. O Estúdio Escarlate, em coprodução com a Star Original Productions e a LTC, acaba de concluir ali as filmagens de O Sequestro do Voo 375, com estreia prevista para 2023.
A história trata do maior crime que envolve um avião no Brasil, em 1988. “Havia um aspecto técnico, precisávamos de um set daquele tamanho. Além do espaço físico, o local estava todo preparado para receber a produção. Isso faz toda a diferença nos Pavilhões”, explica Joana Henning, produtora do filme e CEO da Escarlate.
“O antigo Vera Cruz talvez seja, de todos os estúdios do Brasil, o único que reúne características para grandes produções”, afirma Rodrigo Salomon, diretor da produtora PRH-9, que pertence ao Grupo Bandeirantes. Os planos não envolvem apenas alugar os Pavilhões para filmes, séries e outras produções. “A prefeitura (de São Bernardo do Campo) guardou diversos itens das filmagens antigas. Encontramos figurinos, fotografias, materiais cenográficos e de divulgação”, diz Salomon.
Entre os artefatos, está o Anastácio, um carro de Mazzaropi. “Ele será restaurado. Queremos recuperar a história do cinema brasileiro. Até a porta que dá acesso ao Estúdio A é original”, destaca Ciça Kramer, produtora da PRH-9. Uma antiga piscina para filmagens também permaneceu nos estúdios. Com capacidade para 100 000 litros, também foi usada em um filme de Mazzaropi. “Queremos manter tudo vivo e, no futuro, fazer um museu para novas gerações, que talvez nem saibam quem foram esses artistas”, afirma Kramer.
De quebra, uma nova unidade do Sesc será construída ao lado dos Pavilhões e ficará pronta no segundo semestre de 2025, o que deve reforçar o passeio cultural. Antigamente, tanto os estúdios como a área do Sesc formavam um único terreno, eventualmente desmembrado pela prefeitura da cidade.
A intenção do Grupo Bandeirantes — que, antes de O Sequestro do Voo 375, chegou a usar uma parte do espaço para gravar o reality MasterChef — é fazer de São Bernardo um polo de produção de cinema. “Assim como tem um mercado forte no Rio de Janeiro, queremos isso na cidade”, diz Kramer, que destaca a facilidade para se chegar dali até as praias de São Paulo.
“O sonho da Band, quando o cenário econômico melhorar, é produzir novelas e séries nos Pavilhões. O local é ideal para essas produções”, afirma Caio Carvalho, diretor executivo do canal Arte1 e um dos responsáveis pela gestão do Pavilhão. Marcus Baldini, diretor de O Sequestro do Voo 375, também aposta na imponência dos estúdios. “A sensação é que fizemos algo sem precedentes na cinematografia brasileira. Foi um desafio que motivou a todos”, relembra. Joana, que tem 25 longas em desenvolvimento na Escarlate, garante que as equipes voltarão a pisar no espaço em breve. “As filmagens tinham, em média, 350 pessoas. O espaço foi uma sorte”, conclui.
Publicado em VEJA São Paulo de 25 de janeiro de 2023, edição nº 2825
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