Realista e afetuoso, ‘Marte Um’ é mais um belo exemplar do que o nosso cinema tem a oferecer
"É uma sensação forte, de potência", diz cineasta Gabriel Martins sobre aclamação após sessão no Festival de Gramado
✪✪✪✪ Marte Um foi ovacionado em sua primeira exibição no Brasil, realizada durante o Festival de Gramado 2022. Levou público e crítica às lágrimas (incluindo esta que vos escreve) ao apresentar na telona uma família simples e carinhosa: os Martins, que vivem na cidade de Contagem, em Minas Gerais.
+‘Noites Alienígenas’ em Gramado: a importância de olhar para o Brasil afora
Após conquistar quatro prêmios Kikito — prêmio especial do júri, melhor longa pelo júri popular, melhor roteiro e melhor trilha sonora —, o filme de Gabriel Martins (No Coração do Mundo) não ficou somente no eixo do festival gramadense e entrou em cartaz nesta quinta (25).
A trama exibe a rotina de uma família periférica, nos últimos meses de 2018, pouco depois das eleições presidenciais. São múltiplos fragmentos de realismo que tornam o cinema de Martins algo de outro mundo. Mas, apesar de o título indicar que a história se passa no planeta vermelho, a intenção é a de trazer o foco para o que é comum. A mágica, por assim dizer, está nas entrelinhas.
O caçula Deivid (Cícero Lucas) sonha em ser astrofísico, apesar do pai, o porteiro Wellington (Carlos Francisco), querer que ele seja jogador de futebol. Tércia (Rejane Faria) é a matriarca e a filha mais velha, Eunice (Camilla Damião), está prestes a sair de casa. Embora o entorno trame surpresas nada agradáveis, a troca desse quarteto simboliza algo essencial: esperança.
Confira o papo com o diretor, Gabriel Martins:
Qual foi sua sensação ao ver a recepção do público em Gramado?
Este é um festival tradicional. E essa tradição, ao mesmo tempo que potente para a história do cinema brasileiro, também significa que projetos como Marte Um não foram tão comuns até hoje. São personagens periféricos, com elenco e diretor negros. É uma sensação forte, de potência. Até Antônio Pitanga reagiu ao nos ver chegando ao cinema. ele disse: “Eu me sinto bem em ver um elenco como o de vocês aqui no festival”.
O filme terá o poder de unir pessoas?
Vivemos tempos de certo cinismo, com individualismo na sociedade. Eu queria trazer a possibilidade de as pessoas olharem para essa família, que está ali se conhecendo. Quero promover a experiência de a pessoa sair de uma sessão emocionada — algo que particularmente considero lindo no cinema.
Como você transportou tantos detalhes rotineiros de uma família comum para o filme?
Eu cresci vendo longas americanos de colegial, que não tinham nada a ver com a minha realidade. Mas eu ainda me identificava com os personagens. Acho que a mesma ideia pode ser construída no nosso cinema. É possível criar um microcosmo de uma identidade específica do Brasil. Marte Um não precisa pronunciar certas características, mas todos os elementos formam uma linha de afeto.
+Assine a Vejinha a partir de 9,90.
Publicado em VEJA São Paulo de 31 de agosto de 2022, edição nº 2804