‘Glass Onion’: “É uma aventura totalmente diferente”, afirma Rian Johnson
Diretor da sequência de 'Entre Facas e Segredos' ainda explica qual é o significado do título, que possui relação com uma música dos Beatles
Glass Onion: Um Mistério Knives Out, sequência de Entre Facas e Segredos, estreia na Netflix nesta sexta (23). Dirigido por Rian Johnson (Star Wars: Os Últimos Jedi), o divertido longa traz novamente Daniel Craig à frente do elenco – que, assim como no antecessor, é estelar.
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Edward Norton, Janelle Monáe, Kathryn Hahn, Leslie Odom Jr., Jessica Henwick, Madelyn Cline, Kate Hudson e Dave Bautista completam o time de astros. Na história, o detetive Benoit Blanc (Craig) viaja para uma bela ilha na Grécia para desvendar as camadas de um mistério envolvendo um novo grupo de suspeitos.
Confira abaixo um bate-papo exclusivo com Johnson. O cineasta dá detalhes sobre o processo de criação do roteiro, como foi repetir a parceria com Daniel Craig, as diferenças entre os dois filmes, o significado do título e mais.
Quanto tempo após terminar o primeiro filme você percebeu que gostaria de fazer outro? Ou foi durante as filmagens de Entre Facas e Segredos?
Enquanto fazíamos o primeiro, Daniel e eu falamos abertamente sobre isso: “Se as pessoas gostarem desse filme, não seria divertido fazer continuações?”. Sentimos que estávamos criando a nossa versão de um gênero que nós dois adoramos, mas não fazíamos ideia de qual seria a reação do público. E foi uma surpresa muito agradável. A ideia sempre foi fazer algo divertido e singular em cada filme. Podemos fazer continuações por muito tempo de um jeito satisfatório em termos criativos e sem parecer que estamos nos repetindo.
Quando o filme fez sucesso e você decidiu fazer uma continuação, quanto tempo levou para pensar: “como vou superar Entre Facas e Segredos”?
Basicamente na mesma hora. Depois que você lança um filme e as pessoas assistem, acontece uma alquimia estranha quando ele ganha uma dimensão muito grande. E você até esquece como conseguiu criar algo assim. Foi meio assustador. Eu nunca tinha feito uma continuação dos meus filmes.
Para mim, Agatha Christie é a base deste gênero que cresci lendo e do qual virei um grande fã. E ela sempre conseguia fazer isso. Não era apenas o fato de cada história ser ambientada em um lugar diferente e a variedade dos personagens. Muitas vezes ela misturava o mistério com outro gênero, como o romance gótico, o filme de terror em E Não Sobrou Nenhum, o filme de espionagem ou o suspense de serial killer em Os Crimes ABC. Agatha Christie sempre encontrava um jeito de fazer uma narrativa singular. Dava para ver que era um desafio para a criatividade dela. Quando você chega ao fim do livro, percebe o que a empolgou para escrever aquela obra. Muitas vezes, ela dava uma abordagem totalmente nova para a narrativa, então decidi seguir o mesmo caminho. Quando comecei a trabalhar em Glass Onion, não pensei: “Caramba, como vou fazer algo melhor que Entre Facas e Segredos?” porque era uma ideia totalmente diferente. A pergunta era mais: “Como executar esse novo projeto da melhor forma possível?”.
Quando se trata de mistérios do tipo “quem matou?”, alguns criadores gostam que o público descubra o mistério e outros preferem surpreender quem assiste. Você parece ser fã de surpresas e não quer ver o público tentando resolver o mistério. Prefere que as pessoas curtam a história, não é isso?
Sem dúvida. Acho que esse também é o motivo pelo qual a obra de Agatha Christie faz tanto sucesso. Sempre volto à frase que usei para descrever o primeiro filme: “É uma montanha russa, não um quebra-cabeça”. Ao escrever mistérios do tipo ‘quem matou?’, é um erro comum pensar que você está fazendo um quebra-cabeça e que o único jeito de a plateia se divertir é analisando tudo e descobrindo o culpado. Mas quando estou lendo ou assistindo a um mistério desse tipo, abro mão de tentar descobrir quem matou após mais ou menos um terço da obra.
Afinal, a história é o que faz uma obra ter sucesso, e o mesmo vale para os mistérios do tipo ‘quem matou?’. Você gostou dos personagens? Você se emocionou com a história? Embarcou na trama? Então a revelação de tudo, a descoberta de quem matou e o fato de serem várias camadas escondidas ali fazem parte da diversão do gênero, mas não podem ser a coluna vertebral que sustenta tudo. É preciso ter uma boa história.
Como é o processo de descobrir as etapas do mistério?
Foi parecido com o de Entre Facas e Segredos. Primeiro, criei uma estrutura conceitual e baseada na história: “Seria interessante experimentar um mistério envolvendo um assassinato em que acontecesse isso e aquilo, gerando esse efeito no público”, de um jeito meio instável, estrutural e teórico. Isso foi o começo de tudo. Ao mesmo tempo, e também parecido com o primeiro filme, eu vinha ruminando na cabeça assuntos que estavam acontecendo no noticiário, no mundo e na minha vida.
Uma característica de Entre Facas e Segredos e da franquia como um todo é que os filmes sempre se passam no momento atual, então sempre vai haver um elemento relacionado à cultura da época. Portanto, esses filmes vão abordar o que estava na cabeça de todos no momento em que foram feitos, além do que estava borbulhando na minha cabeça. É aí que se unem o conceito da estrutura, a ideia para um mistério específico e o que é importante para mim em termos emocionais. Depois, é só deixar a criatividade fluir.
A produção saiu do clima frio da Nova Inglaterra para uma experiência tropical. Você escolheu ambientar o filme na Grécia para subverter o cenário do primeiro filme?
Boa parte foi porque eu estava escrevendo o roteiro durante o lockdown de 2020 e queria estar de férias na praia mais do que tudo [risos]. Não sei se foi para subverter, mas eu achei divertido deixar bem explícito que não seria algo exatamente igual ao primeiro filme, que exploraríamos novos cenários e que teríamos um novo clima. Você vai embarcar em uma aventura totalmente diferente a cada filme. Então, mostrar isso para o público de um jeito bem direto fez muito sentido.
Você também amplia o escopo, certo?
Sim, o escopo é maior. O humor também é mais amplo. Para mim, o tom fez sentido quando percebi quem eram os envolvidos não em termos dos atores, e sim dos personagens. Se todas as notícias sobre um personagem bilionário da tecnologia, como Miles Bron, fazem você pensar: “Isso não pode ser real”, então ele tem um elemento de grandiosidade. Isso foi levando os outros personagens para o mesmo nível que ele de um jeito bem natural. Todos ali estão atuando, seja como políticos, cientistas famosos, magnatas da moda ou influenciadores do YouTube. Ou seja, eles serão mais sofisticados como personagens porque seriam assim na vida real.
Em todo o filme, falamos do ambiente em que vivemos agora, que é praticamente um circo de mentiras. Basta dizer que o tom foi dado pela natureza dos personagens que fazem parte desta história. Foi um processo bem divertido.
O que Benoit Blanc tem de diferente desta vez?
Acho que Blanc tem um papel mais central nesse filme. Você definitivamente passa a conhecê-lo um pouco melhor. No primeiro, pela forma como ele estava estruturado, Marta (personagem de Ana de Armas) era basicamente a protagonista e Blanc era uma grande ameaça. Ele era quase o antagonista em termos de estrutura da história porque, mesmo quando os dois se aproximavam, você temia que ele a entregaria às autoridades no final. Então, de certa forma, Blanc estava sempre fora da esfera da protagonista e era mais enigmático no primeiro filme. Em Glass Onion, Blanc recebe o convite para ir à ilha. Nós basicamente estamos conhecendo essas pessoas e entrando nesse mundo pelos olhos dele, que é um personagem mais central para a trama. Como vemos esse universo pela perspectiva dele no começo, Blanc é como se fosse uma lente pela qual enxergamos tudo.
Daniel Craig parece adorar o papel. Como foi esse reencontro?
Boa parte do que me leva a fazer esses filmes é que eles me trazem uma imensa alegria. Trabalhar com Daniel nesse gênero e me divertir com ele e com o humor, além de trabalhar com um novo grupo de atores a cada vez… Tudo isso me deixa muito feliz.
Como você sabia que o elenco teria tanta química na tela?
Olha, foi meio que sorte. Escalar um elenco é mais ou menos como organizar um jantar, então você tenta convidar pessoas de quem você gosta ou que você pensa que vão funcionar bem juntas. Mas a verdade é que nunca se sabe o que pode acontecer. No fim das contas, você só está tentando conseguir os atores certos para cada papel, então joga os dados e torce por um bom resultado. Felizmente, conseguimos um grupo maravilhoso nesse filme que realmente se deu bem. Dá para ver que nós nos divertimos bastante.
O filme tem muitos acontecimentos. Como amarrou os vários tons da trama? É algo que ocorre naturalmente conforme a história avança?
Acho que é uma questão de intuição. O único barômetro é o sentimento de “Isso parece certo?” Acho que até nos grandes momentos, sejam frases de efeito ou cenas físicas, ainda dá para dizer se eles parecem sinceros ou não quando você assiste, mesmo quando a cena passa longe do realismo. É um negócio impreciso que você vai sentindo ao longo da produção.
Mas você acaba fazendo as verdadeiras escolhas na edição. Essa parte do trabalho não é muito comentada, mas é onde realmente se define o tom do filme. Você precisa colocar todos no clima e experimentar abordagens diferentes durante as filmagens, mas o momento em que se decide o que fica ou não é quando escolhemos as cenas. Ali você seleciona o que vai entrar e o que será cortado. É a hora em que você precisa estar bem consciente e questionar: “Tudo isso faz parte do mesmo espectro do filme?”.
O que inspirou Glass Onion? Foi a música dos Beatles?
Não. Imaginei esse personagem bilionário chamado Miles Bron. A história ia acontecer na ilha particular dele, que abrigava alguma estrutura ou mansão. Ao mesmo tempo, estou sempre procurando algo divertido para Blanc usar como metáfora elaborada e repetir até cansar. Além disso, pensei na história e em como parte do jogo tem a ver com mistério. No fim das contas, não se trata de algo complicado. Está tudo bem na cara desde o começo. Foi quando me ocorreu a ideia do vidro, que é transparente.
Vou ser bem sincero. Eu peguei o celular e comecei a procurar músicas com a palavra “glass” (vidro, em inglês), pensando: “Com certeza tem alguma música boa sobre isso”. Porque eu estava na dúvida: “Será que é uma fortaleza de vidro? Um castelo de vidro? Um homem de vidro?”. Como sou um grande fã dos Beatles, a primeira música que surgiu foi “Glass Onion”. Pensei: “Ah, isso vai ser ótimo”. Era a metáfora perfeita para Blanc analisar, que é exatamente o tipo de jogo que estamos fazendo com o público. Então quando ouvi a música, veio a sensação de: “É isso”.