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Como recuperar a felicidade após o luto

A escritora Marta Barbosa Stephens usa sua própria história com a viuvez para refletir sobre a necessidade de transformar o significado de felicidade

Por Marta Barbosa Stephens em depoimento a Helena Galante
8 mar 2024, 06h00

Felicidade é substantivo abstrato. Não adianta tentar relacioná-la à realidade percebida, a uma existência objetiva e linear. O estado de contentamento, esse pode até se compor por parâmetros reais e tangíveis. Afinal, somos felizes quando estamos cercados das pessoas que amamos. Somos felizes quando fazemos o que gostamos, quando nosso paladar encontra o gosto que conforta, quando aquela pessoa que importa nos devolve um sorriso sincero. Ponto. Isso tudo é felicidade. Grãos, gotas, rios de felicidade.

Mas, uma vez que perdemos, por opção ou fatalidade, a equação dessa felicidade reconhecível, o significado simples e direto dessa palavra também se perde. Ou, melhor, se transforma.

Tomo aqui o meu próprio exemplo. Perdi, em um revés da vida, o pai da minha filha, enquanto eu ainda a gestava. Literalmente da noite para o dia, perdi meu primeiro namorado, meu melhor amigo, a pessoa com quem dividia a vida havia doze anos, e vi desabar todos os meus planos de futuro. Desfez-se, naquela manhã ensolarada de um começo de abril, toda a métrica de felicidade que construíra.

Lembro quase nada dos primeiros meses após ficar viúva. Estive anestesiada pela tristeza. Não tomei calmantes, nem usei nenhum tipo de droga porque, afinal, estava grávida. E, embora meu desejo fosse a ruína, me cuidei muito bem naqueles meses. Alimentação saudável, exercício físico e meditação, porque a minha filha precisava de mim bem viva.

Foi nesse período que comecei a entender felicidade como algo surpreendentemente diferente de antes. Uma pergunta banal, dessas feitas em elevador sem nenhuma pretensão de profundidade, do tipo “Como vai você?”, me arrebatava por horas. Ainda que a resposta fosse um humilde “Bem, obrigada”, a perguntava ressoava em mim.

Porque o que era estar bem naquela altura da vida? Se a mesma pergunta me fosse feita meses antes, a resposta decerto resumiria um estado de mãos dadas, de vida conjugada na primeira pessoa do plural. Demorei a encontrar a felicidade em mim mesma.

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Por outro lado, no processo de vencer o luto (sim, o verbo certo aqui é vencer mesmo!), cada dia era um pouco melhor do que o outro. Embora às vezes o caminho parecesse uma espiral, eu me movia. E mover-se naquele lamaçal de desesperança já era tanto…

Um dia reencontrei a beleza de uma flor a brotar no jardim, no outro consegui ler mais que duas páginas de um livro, fui capaz de doar as roupas dele, dormir sem precisar da televisão ligada, voltar àquele restaurante, ouvir a música de nós dois sem uma crise de choro — o tempo operou seus milagres.

Então, sim, cada dia era um pouco melhor que o anterior. E, quando me perguntavam como eu estava, não mentia ao dizer que estava bem. Melhor do que ontem, pelo menos. Algo de felicidade persistia.

Talvez pese aí o fato de eu ser uma mulher e, por cima, mãe. Havia algo de instintivo na necessidade de mover-me. Não sabia exatamente para onde, mas era preciso seguir. Como um animal migratório que percorre oceanos em busca do melhor lugar para parir. Eu fui esse bicho.

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A felicidade ganhou contornos e densidade. Ou talvez eu apenas tenha domado minhas expectativas.

A curadoria dos autores convidados para esta seção é feita por Helena Galante. Para sugerir um tema ou autor, escreva para hgalante@abril.com.br.

Publicado em VEJA São Paulo de 8 de março de 2024, edição nº 2.883.

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