Nasci para sofrer ou para ser feliz?
Terapeuta especializado em psicologia perinatal fala sobre as influências do período da gravidez em nossa vida posterior
Se você pudesse voltar no tempo para assistir ao filme do início da sua vida e descobrisse que nas circunstâncias do seu nascimento está a origem dos seus maiores desafios e também chaves que podem te ajudar a encontrar a felicidade, ficaria surpresa(o)?
Há aproximadamente vinte anos, cheguei ao ápice da crise comigo mesmo. O trabalho na minha empresa e meus relacionamentos íntimos e familiares chegaram a um ponto de ruptura. Não dava mais para viver daquele jeito! Já tinha feito de tudo que estava a meu alcance para melhorar, anos de terapias em diversas linhas, viagens à Índia, rituais xamânicos, retiros de jejum e silêncio, enfim. Buscava qualquer saída para me libertar daquela sensação de não pertencimento e inadequação, além da incômoda percepção de que algo ruim poderia acontecer.
E foi participando de um processo sobre nossas origens realizado na Índia que pude encontrar uma dor que ainda não havia identificado e que senti que tinha raízes nas circunstâncias do meu nascimento. Cheguei ao Brasil e, numa conversa reveladora com minha mãe, pude acessar e confirmar o ponto zero da minha dor e sofrimento. A história de encontros e desencontros, enganos e desenganos, que fez os primeiros meses de gravidez algo bem complicado, para dizer o mínimo. Cheguei até a soltar um comentário: “Ahhhaaa, então é por causa disso?”.
Vocês não imaginam o alívio que senti ao saber daquele enredo de novela. Foi como se tivesse acendido a luz do porão, para que finalmente eu pudesse enfrentar os medos e defesas que sabotavam a minha vida. Fiquei fascinado com a liberdade que comecei a sentir e fui atrás da história toda junto a meu pai. Também procurei informação e cursos disponíveis sobre traumas precoces.
A importância do período perinatal sempre foi relevante em diversas culturas, mas a ciência só agora está descobrindo a sua real importância na formação da personalidade. E o motivo era a justificativa de que acontecimentos desse período não seriam lembrados, pois, como não foi concluído o processo de mielinização dos neurônios, não seria possível a comunicação e ativação da memória.
Hoje, porém, novos estudos, em especial da psicologia perinatal, estão comprovando o equívoco dessa percepção, com destaque para a epigenética. Para entender a epigenética, pense em você como uma semente, e o ambiente em que você nasceu, como a terra na qual sua semente foi plantada. O estudo desse ambiente é a base daepi (ao redor) genética (genes). Quais foram os nutrientes ou mesmo as carências daquele terreno?
Ou seja, o que minha mãe e meu pai estavam vivendo naquele momento desde a concepção até o nascimento? Meu nascimento foi planejado? Fui bem-vindo(a) na minha família? Pensaram em aborto? Tinham preferência por algum sexo? Meu parto foi traumático? Foi uma cesárea desnecessária? Prematuro, indução, fórceps?
+“Adormecer é deixar-se levar…”
Por incrível que pareça, as respostas a essas perguntas podem nos fornecer um raio-x de por que sou como sou, em que tendo a acreditar e por que ajo ou reajo de determinada forma.
Esse provocante estudo hoje tem milhares de artigos e pesquisas nas mais prestigiadas universidades e institutos no mundo. Recentemente, foi matéria de capa da revista Time com o título “Como os nove meses moldam o resto de nossas vidas”.
Os estudos mostram que aquilo a que fomos expostos no período do nascimento possui o poder de moldar o nosso corpo de memória, e fica gravado no inconsciente como uma fórmula de sucesso, que é nascer e sobreviver.
Se eu, por exemplo, vivi no útero da minha mãe uma sensação de forte rejeição, pois meus pais ficaram muito resistentes à ideia de ter um filho naquele momento, isso significa que a gestação da minha mãe teve muito estresse e preocupação sobre o futuro. Assim, bilhões de neuropeptídeos foram criados em mim decorrentes das percepções de rejeição, culpa e ansiedade.
Na vida adulta, a tendência é, inconscientemente, buscar mais dessa química emocional, com alto potencial de atrair estados e eventos parecidos com aqueles que lhe trouxeram a vida, afinal isso já é conhecido e tem a memória de ser “bem-sucedido”.
Vocês podem imaginar quanto essa informação pode ser importante na cura de traumas, medos e doenças, e também para que os novos nascimentos possam chegar com mais amor e consciência?
A área do autoconhecimento na qual eu dedico os estudos do Mapa do Nascimento ajuda as pessoas a compreenderem que, tanto a causa como também a solução dos bloqueios e ciclos repetitivos, podem ser encontradas na raiz de onde tudo começou.
Ninguém nasceu para sofrer! E, quando a gente descobre o profundo aprendizado que está por trás do nosso nascimento, a felicidade aponta no horizonte.
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Publicado em VEJA São Paulo de 1° de março de 2023, edição nº 2830