O lugar certo é o aqui e o agora
O psicanalista Felipe Boni fala sobre uma transformadora experiência pessoal e a importância de dar novos passos
Você está pronto para dar um passo rumo ao desconhecido da vida? Você já se deu conta de que não sabemos praticamente nada em relação ao próximo passo que iremos dar? Talvez você possa dizer: “Mas, Felipe, isso não é verdade. Eu tenho uma boa ideia do que farei amanhã. Tá tudo aqui no meu planner. Tá vendo?”. E eu te responderei, com um certo tom de humor, assim como costumo fazer comigo: “É mesmo? Conte-me mais”.
Tenho para mim que enquanto não realizamos o fato de que pouco ou nada sabemos sobre o dia de amanhã, ou, melhor dizendo, o instante seguinte deste eterno agora, dificilmente seremos capazes de verdadeiramente experienciar a existência com presença e entrega. Por mais assustador que possa parecer, fato é que a beleza da vida é toda feita de mistério. E o modo como nos aproximamos do mistério dá forma à experiência.
Certa vez vivi algo bastante impactante. Enquanto conduzia um treinamento de oratória com facilitações de desbloqueio energético, me afoguei tomando Coca-Cola. Calma, a culpa não foi do refrigerante. O ponto é que uma piada fora de hora fez com que o líquido entrasse no lugar errado, bloqueando por completo a entrada de ar em meus pulmões.
É verdade, essa certamente poderia ter sido uma experiência bastante traumática, mas o fato é que aquele afogamento na verdade veio para minha vida como a resolução de um conflito. Me explico. Naquela ocasião, havia seis meses que soubera que seria pai pela primeira vez. Maria Clara, que recém completou 4 aninhos, estava a caminho e eu estava radiante e, simultaneamente, assustado com algo que, na época, parecia ser muito grande para mim.
Hoje, entendo que aquele afogamento foi, na verdade, o ponto de não retorno para a recusa que tinha em crescer.
Acredite ou não, para minha surpresa, senti uma paz gigantesca durante aquela experiência de afogamento. É difícil descrever, mas dentro de mim só havia silêncio. O tempo literalmente parou. Não havia pensamento algum. Não sei dizer quantos segundos ou minutos se passaram. Eu estava tranquilo e resignado com a partida até que duas ideias me atravessaram abruptamente. A primeira foi um tanto cômica. Pensei: “Caramba, nunca imaginei que morreria hoje”. A segunda era potente e me fez tomar a vida, ou seja, dar o passo em direção ao adultecer. Pensei com grande pesar em meu coração: “Não acredito que não vou conhecer minha filha!”.
Você consegue compreender a força desta experiência? Minha maior dor fora transformada em potência de ignição naquele instante da existência. Aquele foi o lugar e a hora certa para escolher crescer e a escolha não veio da mente. E sim da alma. Ali eu encontrei um nobre propósito para seguir adiante. Eu estava determinado a ir em frente com a experiência da paternidade. Eu disse sim para meu próprio crescimento. Eu disse sim à vida.
Hoje posso dizer que, para mim, o lugar certo não é uma meta ou um local especial. Ele é o aqui e o agora. E, se dou um próximo passo, pois sempre haverá um próximo passo, o faço sabedor que me encontrarei nova- mente com minha melhor versão. Isso porque o lugar certo vai aonde nós vamos. O lugar certo somos nós. Ele é o próprio caminho, a própria jornada. E, para mim, está cada vez mais evidente que a tal felicidade está onde eu estiver.
Este é o lugar certo para mim, pois tudo está aqui e agora para sempre, tudo o que nos acontece sempre é e sempre será um convite para o amor.
Felipe Boni (@felipemedicinadaalma) é psicanalista, constelador familiar, escritor, conferencista e idealizador da Medicina da Alma, uma terapia sistêmica integrativa para corpo, mente e espírito.
A curadoria dos autores convidados para esta seção é feita por Helena Galante. Para sugerir um tema ou autor, escreva para hgalante@abril.com.br.
Publicado em VEJA São Paulo de 17 de maio de 2023, edição nº 2841