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Felicidade é para todos?

A psicanalista Marion Minerbo explica porque algumas pessoas são mais felizes que outras

Por Marion Minerbo
21 jul 2023, 06h00
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  • Todo mundo quer ser feliz, mas, do ponto de vista da psicanálise, nem todos têm o “equipamento psíquico” necessário para isso. Estou falando de pessoas que não conseguem ser felizes mesmo quando tudo vai mais ou menos bem. Por que a felicidade parece mais acessível para uns do que para outros?

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    Para entender, precisamos de um conceito psicanalítico: luto primário. Atravessar o luto primário significa aceitar emocionalmente que o “paraíso” foi perdido para sempre, e mesmo assim a vida vale a pena. Graças a ele, caem duas fichas fundamentais:

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    1) perco a ilusão de que sou especial e posso tudo (como Sua Majestade, o Bebê) e por causa disso o mundo, a vida, as pessoas me devem;
    2) perco a ilusão e, portanto, a expectativa, de que algo ou alguém pode e deve me gratificar/preencher totalmente.

    Quando caem essas duas fichas, está instalado o chip da aptidão à felicidade. E quando não caem, a vida será uma sucessão de murros em ponta de faca. Vou mostrar como fica nossa relação com a vida antes e depois do luto primário. Vamos imaginar que acabei de trabalhar e, para relaxar, quero dar uma caminhada pela praia. Para chegar lá, enfrento um sol forte, subidas puxadas e trilhas difíceis. Ainda não encontrei um barzinho para descansar e tomar uma cerveja.

    Antes do luto primário: “Não é justo que um mero passeio me exija tanto esforço. Vim aqui para relaxar, não para sofrer. Essas subidas íngremes não deveriam existir. Deveriam ter colocado um teleférico; deveriam ter colocado quiosques com cerveja; deveriam ter me avisado que as trilhas são difíceis. É uma falta de respeito comigo. Eu deveria ter ido a um resort, tem cerveja no bar da piscina, não preciso fazer todo esse esforço só para me sentar num barzinho e tomar uma cerveja”.

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    Irritação e mau humor crônicos indicam que, inconscientemente, continuo esperando que o mundo, a vida, as pessoas estejam a meu serviço, que se dediquem a tornar minha vida mais fácil e a me gratificar plenamente. O que custava terem colocado um teleférico? O que custava terem colocado quiosques com cerveja? O pior é a conclusão: se “eles” podem, mas não querem, tornar minha vida mais fácil, é porque não me respeitam nem se importam comigo. E aqui vem mais um conceito psicanalítico: ferida narcísica. O problema não é o esforço, mas como interpreto o esforço. Só enxergo o copo meio vazio: zero aptidão à felicidade.

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    Depois do luto primário, posso interpretar a mesma realidade de uma maneira completamente diferente. “Que lugar lindo! O esforço da subida é amplamente compensado pela vista daqui de cima. Que bom que não poluíram este lugar com teleférico, nem com quiosques de cerveja.”

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    Nessa segunda interpretação, este lugar, a vida, as pessoas não me devem nada. Se a caminhada é íngreme, não é nada pessoal, a dificuldade não me ofende, não é falta de respeito, não é contra mim. Posso gostar ou não. Posso querer ficar ou ir embora. Como não fico brigando com a realidade, consigo desfrutar aquilo que existe, aquilo que é. Enxergo o copo meio cheio, isto é, consigo me relacionar com o lugar pelo que ele é, e não pelo que ele deveria ser. Apesar do esforço, passear por aqui é um prazer, e “conquistar” a vista é uma alegria. Alegria e prazer se potencializam, o que indica aptidão à felicidade.

    Faltou dizer que é com a ajuda do ambiente que a criança (até uns 7 anos) elabora o luto primário. É doloroso, mas é a condição para desfrutar dos pequenos prazeres, e para conseguir conviver em relativa harmonia com as pessoas com quem compartilhamos a caminhada pela vida.

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    Marion Minerbo
    (Divulgação)

    Marion Minerbo (@marionminerbo) é psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, doutora pela UNIFESP, autora do livro Notas sobre a Aptidão à Felicidade (Ed. Blucher), entre outros.

    A curadoria dos autores convidados para esta seção é feita por Helena Galante. Para sugerir um tema ou autor, escreva para hgalante@abril.com.br.

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    Publicado em VEJA São Paulo de 26 de julho de 2023, edição n° 2851

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