Extrair da dor o maior aprendizado e crescimento
Palestrante e escritora do livro Meu Amigo Câncer, Mari Toson, conta como encontrou felicidade nos momentos de dor
Existe felicidade na dor? De imediato a resposta seria “claro que não”. Mas eu lhe afirmo: se você persistir com sabedoria e souber aguardar, você a encontrará.
Quantas vezes é a dor, o sofrimento e até a “quase morte” que nos apresentam o mais sublime e verdadeiro sentido da vida? Foi assim comigo por 25 anos.
Não sei o quanto você acredita em histórias miraculosas, mas eu sou filha de três milagres, três novas chances de viver.
Nós, humanos, vivemos com a ilusão de ser infinitos, com a sensação de que a morte está sempre longe. Este devaneio nos leva a perder tempo com coisas pequenas, a não dar o valor correto às relações, a brigar de maneira desnecessária e a ter tantos outros comportamentos descabidos.
Foi durante a juventude dos meus 19 anos que um câncer fulminante se apresentou de forma inesperada e súbita.
Diagnóstico de leucemia linfocítica aguda tipo T e 20% de chances de sobreviver. Imagine que você está em uma montanha-russa e, no primeiro looping, seu carrinho trava e ali você fica de cabeça para baixo. No dia seguinte, 30/4/1998, centenas de amigos e familiares se reuniram às 20h e pediram a Deus pela minha vida.
Apenas onze horas após essas orações, meu hematologista entra em meu quarto com olhos arregalados e diz: “Vamos repetir seu hemograma, pois tem algo errado. Ontem você estava com 300 000 leucócitos (o normal é de 3 000 a 10 000) e agora está com 10 000. Você entrou em remissão. Não há mais células cancerígenas em seu sangue”.
Nesse momento, Deus apresentou seus planos para mim e eu os abracei.
Tornei o câncer meu amigo, enfrentei incansavelmente as profundas dores da químio/rádio com uma fé inabalável, que comecei a construir para sobreviver. Diante de um desafio, nosso cérebro só entende dois comandos: fugir ou enfrentar.
E, sendo assim, têm chances apenas aqueles que enfrentam sorrindo, extraindo da dor o maior aprendizado e crescimento.
O terceiro milagre aconteceu dezenove anos depois, no parto do meu segundo filho. Uma inesperada hemorragia causada pela falência do meu útero cerca de dez minutos após a cesariana. Eu tinha duas opções: morrer ou voltar em estado vegetativo.
Meu marido, que é médico-cirurgião, saiu do bloco cirúrgico para não presenciar minha morte. Após oito horas, acordei entubada na UTI. Três dias depois, conheci meu filho Benício.
E o segundo milagre, Mari? Os detalhes eu conto no livro Meu Amigo Câncer. Mas posso dizer que todos os dias, quando meus pés tocam o chão ao sair da cama, eu ajoelho e agradeço a deus pela dádiva que é viver com saúde.
Não há ressentimentos e existe gratidão diante de uma doença rara (sem cura e tratamento) chamada osteonecrose em todas as juntas do meu corpo.
Hoje carrego com carinho duas próteses bilaterais totais de quadril e lido com as dores diárias que me acompanham.
Entenda, meu querido leitor, que a vida nunca será sobre o que lhe acontece e sim sobre o que você decide fazer com tudo que lhe acontece.
Eu entendo que cada problema é uma benção, uma oportunidade de crescer e evoluir como ser humano. Sendo assim, jogue luz naquilo que pode te levar adiante.
Mari Toson
Mari Toson (@maritoson) é palestrante focada em inteligência emocional e espiritual e escritora, autora do livro Meu Amigo Câncer — Como a Fé e a Coragem Transformaram o Impossível em Possível (editora Gregory).
A curadoria dos autores convidados para esta seção é feita por Helena Galante. Para sugerir um tema ou autor, escreva para hgalante@abril.com.br.
Publicado em VEJA São Paulo de 16 de fevereiro de 2024, edição nº 2880