Deixem que eu decida a minha vida
O ator mineiro Luiz Vieira conta como o teatro e a sua mudança para São Paulo ajudaram em seu processo de cura
Eu sou completamente apaixonado por Belchior. As músicas de Bel têm o poder de ampliar as coisas banais do cotidiano e de dar um novo sentido a elas, como se nos ajudassem a entender toda a força e beleza que a vida tem. Em 2015, passei por um episódio de depressão profunda. Estava cortando o cabelo quando comecei a sentir meu coração acelerar. Saí do salão com metade do cabelo por fazer e já no hospital, na maca, ouvi sussurros da minha mãe conversando com o médico; eles diziam coisas relacionadas a crises de pânico e depressão. Depois daquele dia, precisei parar e me atentar aos sinais que o meu corpo estava me dando.
Sou mineiro, de uma pequena cidade ao norte de Minas Gerais chamada Carbonita, e estou radicado em São Paulo desde o fim de 2015. Ir para a cidade grande foi parte do meu processo de cura. Eu precisava trabalhar, estudar, distrair a ansiedade e correr atrás dos meus sonhos. A paixão pelo teatro surgiu ainda em Minas, quando um coletivo artístico de Belo Horizonte, o grupo Atrás do Pano, começou a ministrar oficinas de teatro na minha cidade, e foi ali que descobri uma das minhas vocações. Vale ressaltar que o acesso à cultura é também uma forma de acesso à cura. O teatro me salvou de diversas formas e não foi uma única vez. Já em São Paulo, busquei um curso profissionalizante para atores e, ao mesmo tempo, levei a faculdade de jornalismo em paralelo.
O processo de entendimento de um adoecimento mental, na maioria das vezes, é complicado de notar, de identificar, de falar, mas tudo começou a se agravar quando passei por momentos delicados de descoberta da própria sexualidade. Sou de uma família cristã, interiorana, normativa, e tudo à minha volta apontava para caminhos nos quais eu não me via seguindo. Para um jovem gay do interior, não é somente a cidade que parece pequena, os horizontes acabam ganhando contornos menores também.
São Paulo, com todos os seus prós e contras, foi uma libertação. A cidade pulsa diversidade e tem muitos locais seguros para pessoas LGBTs, mesmo morando no país que mais mata essa população. Apesar das estatísticas, é um lugar onde é possível ser feliz sendo parte dessa comunidade.
Quando Belchior dizia que a felicidade é uma arma quente, acredito que ele se referia ao fato de nos permitirmos viver intensamente as nossas singularidades. Eu gosto muito das músicas de Bel, pois, ao mesmo tempo que a sua poesia sangra, ela também cura, serve de guia, nos protege. Quando olho para trás, realmente vejo que o passado é uma roupa que não me serve mais e o novo sempre vem.
Luiz Vieira (@luizvieira.art) é ator com formação pelo Teatro Escola Macunaíma e pelo Centro de Pesquisa em Artes (CPA), e jornalista pela Universidade Paulista (Unip). Além disso, é agitador cultural por meio do perfil no Instagram Responder fazendo (@responderfazendo).
A curadoria dos autores convidados para esta seção é feita por Helena Galante. Para sugerir um tema ou autor, escreva para hgalante@abril.com.br.
Publicado em VEJA São Paulo de 9 de agosto de 2023, edição nº 2853