Cosméticos veganos ganham as prateleiras e a preferência do público
Tendência de abandonar produtos de origem animal chega com força aos itens de beleza
Das muitas mudanças de comportamento durante a pandemia, a diminuição (ou fim) do consumo de produtos de origem animal chamou a atenção por ganhar dois terrenos: o da cozinha e o do banheiro. Na gastronomia, o veganismo despontou com a multiplicação de marcas e restaurantes especializados. Nas prateleiras de produtos de beleza, a tendência ganhou especial apelo para quem busca autocuidado com a consciência limpa. Entre os itens mais buscados está o rótulo cruelty-free, ou livre de crueldade animal, que informa que os itens não passaram por testes em bichos.
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“Hoje eu só compro se eu souber que a procedência é 100% responsável”, afirma o ator Jorge Ferreira, 25. “Fiz a transição para o veganismo durante a quarentena. Foi quando parei para pensar que qualquer coisa que se consome nos coloca como parte de algo maior. Comecei com os alimentos. A consciência sobre cosméticos veio depois.” Jorge aprendeu a se maquiar quando apresentou a peça “Sentimental”, em 2019, e desde então pegou gosto pela coisa.
Responsabilidade ambiental também entra no checklist desses consumidores exigentes. Uma pesquisa Ibope de 2018 revelou que 55% dos brasileiros dariam preferência para produtos veganos se houvessem indicações nas embalagens ou se custassem o mesmo valor dos produtos convencionais.
A diferença de preço foi o que levou Ana Carolina do Vale, 26, a produzir os próprios produtos de beleza. Vegetariana desde os 12 anos e vegana há quatro, ela é proprietária da Caió (@caiocosmeticosnaturais). “Percebi que ter cosméticos naturais, veganos, ecologicamente corretos e com preços mais acessíveis era uma demanda não só minha, mas de muitas pessoas”, afirma Ana Carolina. Um mesmo item, como a manteiga vegetal caicumana, com murumuru e cacau, por exemplo, pode ser usado no cabelo, na face e no corpo. “Isso também estimula a consumir menos”, diz ela. Um pote de 100 gramas sai por 45 reais.
É preciso ficar atento com a procedência dos produtos escolhidos. “Na maioria das vezes, os cosméticos veganos têm conservantes menos eficazes do que os tradicionais, por serem conservantes vegetais. Pelo tempo que leva desde a produção até chegar ao consumidor final, há risco de contaminação”, ressalta Alberto Cordeiro, dermatologista responsável pela pele de famosas como Sabrina Sato e Taís Araújo. Mesmo assim, a procura por um tratamento livre de ingredientes de origem animal tem ganhado destaque no consultório do dermatologista: em 2019, a porcentagem de pacientes com esses requisitos era de 3 a 5%, enquanto em 2020 o número sobe para de 5 a 10%. “Não é um crescimento agressivo, mas a tendência é forte e a conscientização das pessoas também”, enfatiza Alberto.
O interesse pelo nicho pode também ser medido pelo aumento da procura pelo curso de cosméticos naturais e veganos da plataforma on-line Namu, focada em bem-estar. Do ano passado para 2020, o número de estudantes quase dobrou: saltou de 1.249 para 2.389. “Incentivamos os alunos a conhecer a própria pele e entender o que funciona melhor para cada um”, conta a professora Luiza de Almeida Monteiro, 29. Durante as aulas, os participantes aprendem mais sobre componentes orgânicos como óleos vegetais, vitaminas e manteigas, como a de karité, famosa por seu potencial hidratante. “Dependendo da necessidade, a pessoa pode misturar componentes que ajudem com a oleosidade da pele e até manchas antigas de acnes e machucados”, afirma Luiza.
Quem prefere versões de grandes empresas encontra boas opções. Nomes como Natura, oBoticário, The Body Shop e quem disse, berenice? apostam em novas linhas totalmente veganas enquanto não atualizam os rótulos mais antigos. “Atualmente, 80% dos produtos do portfólio da Natura são veganos. Temos avançado muito em nossa área de P&D para substituir o único ingrediente derivado animal que ainda está presente em alguns de nossos produtos: a cera de abelha”, compartilhou Roseli Mello, head global de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) do grupo Natura &Co.
Empresas vindas de fora também apostam no mercado brasileiro. A Biossance, marca americana que desembarcou no Brasil em 2018, tem como principal ativo o esqualano, adaptação feita a partir da cana-de-açúcar do composto químico esqualeno, que era extraído por outras marcas do fígado de tubarões. Um vidrinho do óleo que promete firmeza e hidratação custa 339 reais. No início do mês de outubro, a empresa lançou a plataforma on-line The Clean Academy, que traduz para o consumidor os conceitos e ingredientes complexos presentes nos produtos de beleza. “Nosso objetivo é fazer o cliente repensar o que ele está colocando dentro do corpo, seja através dos alimentos, seja através dos cosméticos”, declara Camila Farnezi, diretora da Biossance na América Latina. A grife registrou um aumento em suas vendas de 137% entre janeiro e agosto de 2020. O principal público consumidor? “O estado de São Paulo, sem dúvida”, enfatiza Camila.
A tendência não passou despercebida pelas empresas paulistanas, caso do salão Laces and Hair, com cinco unidades na capital. Na última semana, a grife de Cris Dios lançou 41 novas cores de tintura, que entram para o portfólio que já possuía colorações vegetais. Expansão também é a palavra do ano para a Simple Organic. Além da loja na Vila Olímpia, a marca de cosméticos anunciou a ampliação da unidade na Rua da Consolação, de 50 para 250 metros quadrados, e a inauguração de uma nova unidade no Shopping JK, ainda sem data confirmada.
A esse universo inovador as blogueiras também já chegaram. “Os produtos serem veganos e cruelty-free era prioridade para mim desde que a linha era só um sonho. Hoje a cobrança por produtos responsáveis é muito maior”, declara Bruna Santina Martins, 25, a Niina Secrets, famosa no YouTube pelos reviews de produtos de beleza. Em parceria com a Eudora, Niina lançou uma coleção de maquiagens totalmente vegana (e muito cor-de-rosa). O primer sai por 49,90 reais.
Um lançamento peculiar vem para agregar o catálogo. A Lubs é a primeira marca de sexual-care brasileira, com três lubrificantes íntimos (tradicional, baunilha e jambu) e uma vela afrodisíaca feitos com ingredientes naturais. “Sempre acompanhei esse segmento no mercado internacional, mas por aqui via produtos de baixa qualidade e apelativos. Nossa intenção é naturalizar o prazer e desmistificar qualquer tabu em torno do tema”, conclui a criadora, Chiara Sandri. São tempos novos (e quentes!) para os veganos.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 28 de outubro de 2020, edição nº 2710.