Em 2022, Masp prioriza independência do Brasil, não Semana de Arte Moderna
Na programação, também haverá "Volpi Popular", "Abdias Nascimento: um Artista Panamefricano"e "Luiz Zerbini: a História Nunca É a Mesma"
O Masp revelou com exclusividade a VEJA SÃO PAULO quais mostras farão parte de sua programação em 2022. O próximo ano forma com 2021 o biênio dedicado às Histórias Brasileiras, o que inclui as exposições Volpi Popular, no 1º andar, e Abdias Nascimento: um Artista Panamefricano, no 1º subsolo, marcada para 1º de maio. Depois, elas serão sucedidas por Luiz Zerbini: a História Nunca É a Mesma, no 2º subsolo.
A trinca de exibições, exceto no 2º andar, que abriga de forma permanente Acervo em Transformação, com obras, como indica o título, pertencentes à coleção, volta a se renovar em 1º de junho, quando será inaugurada uma mostra coletiva homônima ao “tema” proposto pela instituição nesse ano e que ocupará os três primeiros pisos expositivos para exibições temporárias.
A roda volta a girar em 29 de julho, com Dalton Paula: Retratos Brasileiros, que traz obras do artista brasiliense, que vive em Goiânia e teve seu nome projetado no cenário nacional com a participação na 32ª edição da Bienal de São Paulo, realizada em 2016. Posteriormente, em novembro, poderão ser vistas no prédio agora batizado de Lina Bo Bardi novas atrações.
São as individuais da pintora e gravurista Judith Lauand, que em 2022 completa 100 anos; de Joseca Yanomami, integrante da etnia indígena usada como sobrenome e que tem no currículo exposições na Fundação Cartier, em Paris, e no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo; e de Madalena dos Santos Reinbolt (1919- 1977), que se dedicou à pintura e à arte têxtil e tem tido sua produção revista contemporaneamente — suas obras são parte da Trienal Frestas no Sesc Sorocaba e da exposição dedicada a Carolina Maria de Jesus no Instituto Moreira Salles. Cinthia Marcelle, também em voo-solo, entra em cartaz em dezembro de 2022 e encerra a programação do ano com a premissa de como o cotidiano é ordenado.
E a celebração do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, onde fica? Não há programação do Masp em 2022 voltada exclusivamente ao evento. “Por quê?”, alguns se perguntariam, tendo em vista que várias instituições culturais, com apoio do município e do Estado, celebrarão a data modernista.
A primeira explicação está no trabalho que o diretor artístico Adriano Pedrosa e sua equipe de curadores têm desenvolvido desde novembro de 2014. “Nosso foco tem sido uma certa história social da arte, formada por questões importantes para a vida contemporânea, cotidiana, tendo, assim, evitado temas ligados estritamente à história da arte (como a Semana de 22)”, explica Pedrosa na introdução de um dos seminários realizados de forma prévia em maio de 2020 e abril de 2021 e que se pautam pela linha mestra do ano que vem. Esse combo, conjunto de mostras mais seminários, é praxe na gestão de Pedrosa. Em vídeos disponíveis no YouTube e acessados em tinyurl.com/6wdbjabr e tinyurl.com/2a5d52d7, é possível acompanhar as discussões realizadas com o público.
Baseiam ainda a decisão do Masp dois outros pontos. “Vamos por um caminho diferente dos demais museus, já estamos fazendo isso faz tempo e é bom ter diversidade de programações na cidade. Para que vamos nos centrar na Semana de 22? Muita gente já está fazendo isso”, dispara. Pedrosa emenda uma explicação, que é o segundo ponto. “O museu olhará para o bicentenário da independência, que encontra ressonância para um número maior de brasileiros”, diz ele, muito embora a separação do Brasil da Coroa portuguesa deva ser alvo de tantas ou mais homenagens que a Semana de 22 em nível nacional.
Essa escolha faz ressoar o texto Modernidades Ambíguas, Modernismos Alternativos, do escritor e historiador da arte Rafael Cardoso, publicado no volume 38 da revista de ensaios Serrote, de 6 de julho. No texto, ele diz que antes do evento de 1922, capitaneado por Mário de Andrade (1893-1945), Oswald de Andrade (1890-1954) e Menotti Del Picchia (1892- 1988), no Teatro Municipal, havia quem já emulava essa modernidade de forma inventiva, como os escritos do jornalista carioca João do Rio (1881-1921). “Empolgar-se com modismos e novidades, ou mesmo condená- los, é distinto de contemplar essas experiências como fruto de uma condição histórica. É outro passo maior ainda desenvolver um programa estético a partir da consciência de modernidade. Todavia, tais gradações entre modernização, modernidade e modernismo já estavam presentes no Brasil antes de 1900 e 1910”, aponta Cardoso.
Há um aspecto claro de discordância no ponto de vista do pesquisador. Para ele, “a consagração do modernismo paulista deu-se em torno de uma retórica que situa São Paulo como entidade cultural à parte, superior ao resto do Brasil, conforme demonstrou Barbara Weinstein no livro A Cor da Modernidade: São Paulo e a Criação e a Formação da Raça e da Nação no Brasil (2015)”. À época da realização do evento cultural na ainda terra da garoa, defende ele, a partir de levantamentos feitos em arquivos, não houve sequer repercussão massiva nos veículos de comunicação. Aderindo ou não aos argumentos de Cardoso, há de se convir que, hoje, pessoas vindas de outros estados e fixadas na pauliceia gostariam que seu circuito cultural de origem fosse considerado e valorizado nesse retrato revisado do modernismo. O Brasil, ou melhor, parte dele, deseja que sim.
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Publicado em VEJA São Paulo de 13 de outubro de 2021, edição nº 2759