Memória: Álvaro Lopes (1925-2020), sócio-diretor da Casa Santa Luzia
Um dos proprietários do supermercado de luxo, especializado em vender de detergentes e vassouras a iguarias e vinhos renomados, morreu nesse domingo (4)
Imagine um empório onde se pode comprar de produtos de limpeza a finas iguarias, assim como alguns do melhores vinhos do planeta. Esse lugar existe aqui mesmo em São Paulo e se chama Casa Santa Luzia. O supermercado de luxo teve um grande maestro por anos orquestrando para que tudo funcionasse bem. Era o sócio-diretor Álvaro Lopes, que morreu nesse domingo (4) aos 95 anos em sua casa. Hoje, o Santa Luzia nem é mais o único endereço paulistano a oferecer de trivialidades a pura sofisticação, muitos deles itens de importação própria. Mas continua reinando no segmento. Basta passa em frente do estabelecimento e ver as filas na porta.
Tive a felicidade de escrever o perfil do empresário em 2008, quando foi agraciado com o prêmio de Personalidade Gastronômica do Ano por VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER, um personagem da capital paulista que tenha feito uma importante contribuição para o setor. Lembro-me que ele parecia um dínamo, incansável, num sobe e desce de escadas e passeio interminável pelos corredores formados pelas prateleiras abarrotadas de produtos.
Aos 83 anos, seu Álvaro ia dirigindo para o Santa Luzia, aquela que provavelmente era sua primeira casa. Boa parte dos 17.000 itens vendidos encontrados nas gôndolas naquela época, como os calissons (doces de melão e amêndoa com o formato de um losango meio ovalado coberto uma glacê de açúcar), dos quais tenho saudade até hoje, eram escolhidos por ele mesmo. No caso da guloseima, abro um parênteses: não adianta procurar os originais, há anos não estão no catálogo — para prová-los é necessário ir Aix-en-Provence, onde são produzidos no sul da França.
Seu Álvaro, por mais de sete décadas, costumava chegar, de segunda a sábado, às 8h da manhã para trabalhar. Estava sempre muito alinhado, usando gravata e, muitas vezes, um colete. “A presença do dono faz a diferença”, ouvi dele à época do prêmio. E manteve-se assim até se desligar parcialmente dos negócios, dois anos atrás.
Paulistano nascido em 1925 — um ano antes de seu pai, o português Daniel Lopes, abrir a Casa Santa Luzia –, ainda menino se ocupava de limpar o piso do empório, localizado originalmente na Rua Augusta e, só anos mais tarde, transferido para o atual endereço, na Alameda Lorena. O jovem Álvaro sonhava em estudar química no Mackenzie, onde tenho prazer de lecionar há quase 25 anos, mas acabou se dedicando integralmente ao negócio da família ao lado dos sócios e primos portugueses Jorge e António Lopes.
Além da escolha de mercadorias da mais alta qualidade, ajudou a introduzir o sistema de autoatendimento, nos já distantes anos 60, dando à mercearia um jeitão de supermercado. Fica seu legado para o filho Azuil, que é um dos diretores e por décadas cuidou da ótima adega, assim como a neta Luciana, conselheira da empresa. Álvaro Lopes deixa ainda a filha Vera e os netos Renato Lopes, Flávia Lopes, Paulo Lopes e Cristina Vasconcelos.
O perfil integral que escrevi para VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER em setembro de 2008:
Álvaro Lopes
Personalidade Gastronômica
Parece incrível que ele tenha 83 anos, tamanha sua energia. Álvaro Lopes, nascido na Maternidade São Paulo, chega às 8 da manhã na Casa Santa Luzia, da qual é sócio, dirigindo o próprio carro. Sempre de gravata e às vezes de colete, não pára de ziguezaguear por toda a loja. Responsável pela qualidade do atendimento, ele orienta quase 400 funcionários e recebe a clientela desse templo gourmet, fundado em 1926 por seu pai, o português Daniel Lopes. “Participo do corpo-a-corpo”, gosta de dizer. “A presença do dono faz a diferença.” Sua experiência no negócio começou cedo. Ainda menino, era o encarregado de lavar o piso do empório fino, localizado originalmente na Rua Augusta. Na época, cursava o antigo ginasial do Colégio Rio Branco e tinha como colega de turma Antônio Ermírio de Moraes. Queria ingressar em química no Mackenzie. O pai, porém, pediu que ele interrompesse os estudos para se dedicar à loja. Nunca mais fez outra coisa.
Entre as muitas mudanças que ajudou a implementar no Santa Luzia — ao lado de seus sócios e primos portugueses Jorge e António Lopes — está o autoatendimento, ainda nos anos 60, quando a casa ganhou feições de supermercado. “Antes, os produtos ficavam atrás do balcão, entregávamos aos clientes e anotávamos tudo em cadernetas”, conta. Hoje, vende 17 000 itens, todos com cadastro informatizado. Cerca de 50% deles são importados. Há jóias culinárias como o vinagre balsâmico Leonardi 30 anos (R$ 307,00*, frasco de 65 gramas) e o queijo da Serra da Estrela Casa dos Queijos (R$ 354,00* o quilo). Nestas sete décadas de trabalho, seu Álvaro, como é conhecido, foi percebendo o aumento significativo do número de ingredientes na despensa do paulistano, que aprimorou o paladar. Quando não dá expediente, ele gosta de viajar e passa temporadas fora do país, a última delas em Miami. Divorciado, vai a alguns desses passeios com a namorada, vinte anos mais nova. Invariavelmente, visita supermercados e empórios gastronômicos. Volta com a cabeça cheia de planos que ainda pretende colocar em prática no Santa Luzia.
Por sua duradoura contribuição à boa mesa paulistana, o empresário Álvaro Lopes é o escolhido de Veja São Paulo como a Personalidade Gastronômica do ano.
*preços de 2008
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